Cultura Pop
Quinze + 1 discos da Roadrunner Brasil que marcaram época

O Team Rock veio outro dia com uma listinha bem interessante de discos subestimados do catálogo da Roadrunner. Uma gravadora holandesa que nos anos 1990 lançou Sepultura, Ratos de Porão, bandas punk que hoje pouca gente dá valor, grupos bem extremos, e chegou a ter uma operação no Brasil que gerou lançamentos em CD e até algumas contratações.
Hoje a Roadrunner, vale dizer, está bastante ocupada com grupos que ainda mantêm o mercado fonográfico ocupado: Nickelback, Korn, Trivium, Stone Sour. Muita coisa de seu catálogo antigo ganhou tratamento de luxo. Saiu até uma caixa do Sepultura na base do “The Max Cavalera years”. E alguns discos, lançados aqui no Brasil já em CD ou só vinil, fizeram a alegria de muitos fãs de rock durante os anos 1990.
Inspirado na listinha da Team Rock, que não tomei como base, fiz essa lista aí bastante emocional de discos da Roadrunner que todo mundo via a todo momento nas lojas aqui no Brasil. E que não sei dizer se foram subestimados ou não, já que foram bastante estimados por uma galera bem grande. Pega aí.
TREPONEM PAL – “TREPONEM PAL” (1989). Produzida por Franz Treichler, dos Young Gods, essa banda francesa de rock industrial (cujo nome refere-se à bactéria que provoca a sífilis) teve sua versão de Radioactivity, do Kraftwerk, bastante exibida na MTV durante os anos 1990. Quase ao mesmo tempo, saiu por aqui o primeiro disco deles, só em vinil, quando a Roadrunner ainda tinha parceria com a Eldorado. Impressionou muita gente pelo peso e pela criatividade do som. Tinha até uma versão de um single antigo de David Bowie, The prettiest star. Mas era, digamos, constrangedor ouvir piadas quando você ia na loja perguntar pelo “disco do Treponem Pal”.
MOTORHEAD – “LIVE AT BRIXTON 87” (1994). O Motorhead nunca gostou desse disco, lançado sem sua autorização, e nunca o incluiu em sua discografia. Gravado na Brixton Academy, em Londres, o álbum tem repertório matador, ensanduichado entre os discos Orgasmatron (1986) e Rock´n roll (1987), e som de piratão. No Brasil, era achado em lojas de departamentos a preços bem acessíveis (comprei o meu por uns R$ 15 na Mesbla) e capa extremamente mal impressa e ilegível.
“SET IT OFF” – MADBALL (1994). Banda de hardcore novaiorquina iniciada como projeto paralelo do Agnostic Front, que foi tendo mudandças de integrantes ao longo do tempo. Até hoje o vocalista é Freddy Cricien, irmão de Roger Mirei, cantor do Agnostic – que largou o projeto e cedeu a vaga para o mano onze anos mais novo. Marcou época no Brasil com suas canções (bem) curtas, indo de encontro a era do CD – que demandava cada vez mais álbuns de 70 minutos de duração.
“BLOODY KISSES” – TYPE O NEGATIVE (1993). O gothic metal chegava à MTV, arrebanhava fãs e conquistava menininhas, a partir dos vocais soturnos e da performance (digamos) do cantor Peter Steele. Saiu aqui pela nossa Roadrunner, vendeu bastante e estourou um hit improvável, Black no. 1 (Little Miss Scare-All).
NAILBOMB – “POINT BLANK” (1994). O Nailbomb era um spin-off do Sepultura, capitaneado por Max Cavalera e por seu genro Alex Newport, da banda Fudge Tunnel. O som era um thrash industrial que conseguia ser dez vezes mais podre que o Ministry, o encarte trazia estocadas em artistas como Lenny Kravitz, Hootie & The Blowfish e Black Crowes e o repertório tinha cascagrossices como Blind and lost, Wasting away, 24 hours bullshit (uma desomenagem à TV norte-americana) e Vai tomá no cu (assim mesmo, em português). Max e Alex fizeram só um show do grupo, no Dynamo Open Air em junho de 1995 – que gerou o CD ao vivo Proud to commit commercial suicide. E encerraram o projeto. Recentemente, Max anunciou que vai rolar uma turnê flashback do Nailbomb, mas sem Alex, que estaria “muito ocupado”. Olha aí.
https://www.facebook.com/SoulflyOfficial/videos/10154805191324093/
SHELTER – “MANTRA” (1995). Banda de hardcore de Nova York, com approach musical de compositores de trilha de desenho japonês, chavama a atenção por sua devoção a Krishna (eram costumeiramente chamados de krishnacore) e por declarações em que reclamavam das pessoas que faziam sexo pelo sexo (o vocalista Ray Cappo deu uma célebre entrevista à Bizz dizendo que ia se casar com sua namorada, mas sexo “só para reprodução”). Mantra, o primeiro disco por um selo grande, conquistou fãs por causa de Here we go, que até hoje rola em rádios-rock, e que delimita tudo, falando de um casal que “usa o amor para o sexo e o sexo para o amor”. E explicando, por metáforas, que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. “Ferro e ouro parecem iguais/mas um é caro e difícil de se obter”. Ah, bom. O grupo andou se reunindo para uma turnê, mas Ray Cappo hoje está à frente do Youth Of Today.
FEAR – “MORE BEER” (1985). Grupo punk da Califórnia (da qual Flea, dos Red Hot Chili Peppers, foi um dos integrantes por poucos meses) que tinha um humor bem estranho. No filme The decline of western civilization, de Penelope Spheeris, brindam a plateia de um show com montes de piadas machistas e homofóbicas. O segundo disco, More beer, saiu pelo selo Restless e foi licenciado pela Roadrunner Brasil nos anos 1990, já em CD com bônus. Você escolhe entre partir para a patrulha ou encarar tudo com a mesma ironia com a qual eles compuseram o repertório, já que no disco encontram-se músicas como Bomb the russians e The mouth don’t stop (The trouble with women is).
https://www.youtube.com/watch?v=X_o0o2RXRTk
GOD’S FAVORITE BAND – “DOWN TO THE FILTER” (1994). Essa banda punk vinha de um disco-sátira ao Led Zeppelin, In through the out house (1992), e gravava pelo selo Twin/Tone, de Minneapolis. O terceiro disco, Down to the filter, estava na lista de álbuns licenciados por aqui pela Roadrunner, e chegou a ouvidos de alguns futuros fãs. Quem comprou, comprou, porque a Twin/Tone não mantém o disco em catálogo e oferece até CD customizado (leia-se: eles copiam o CD para outro CD num computador e te mandam pelo correio) para quem quiser muito o formato físico.
BLACK TRAIN JACK – “NO REWARD” (1993). Banda de hardcore de Nova York que só gravou dois discos – ambos pertencentes ao catálogo da Roadrunner gringa e lançados aqui. No reward destacava-se por Time, Leapfrog, This the way, pela boa versão punk de One love, de Bob Marley e por uma quedinha pro emo na desilusão adolescente de Guy like me.
RATOS DE PORÃO – “JUST ANOTHER CRIME IN MASSACRELAND” (1994). João Gordo não gosta desse disco, que aponta como o que tem menos a ver com o som do grupo. Uma das primeiras bandas contratadas pela operação brasileira da Roadrunner (após terem sido demitidos da Roadrunner gringa!), os Ratos decidiram tapar o buraco da saída do baixista Jabá com Walter Bart, que vinha do Não Religião e fazia um som mais próximo do rock brasileiro comum do que do punk e do heavy metal. Rolou muito bullying para o novo integrante e, no estúdio, uma sonoridade indecisa. Pra você ver, o melhor do disco é a releitura de Breaking all the rules, de Peter Frampton (a produção por sinal, é do mesmo Alex Newport do Nailbomb).
DALI’S CAR – “THE WAKING HOUR” (1980). Projeto de Peter Murphy (ex-Bauhaus) e Mick Karn (ex-Japan), com o amigo Paul Vincent Lawford. The waking hour é o único (bom) disco da turma, lançado em 1984 pelo selo Paradox Records e depois reeditado pela Beggar’s Banquet. E a Roadrunner também soltou isso por aqui nos anos 1990, já em CD. Em 2010, o grupo quase voltou, mas Mick Karm acabou morrendo. O repertório que deu tempo de ser gravado virou um EP em 2012.
AMEN – “AMEN” (1999). Um dos projetos pesados dos anos 1990 que tinham bastante influência de luminares do peso como Sepultura e Slayer – por acaso, Ross Robinson, que cuidou de Roots, da banda mineira (1996), foi não apenas produtor do Amen como ajudou a banda a consdeguir contrato com a gravadora. Rolou um hype violento com a banda por causa de Amen, o segundo álbum – considerado o “disco da década” pela Kerrang! – mas a coisa desandou. O grupo acabou contratado pela Virgin, entrou numa bizarra disputa contratual com a gravadora e teve o quarto disco engavetado.
“PARTY UP” – TOYSHOP (1999). Banda paulistana de power pop que se chamava Party Up, tinha a bela Natasha Cersosimo nos vocais e foi contratada pelo selo Banguela, capitaneado pelos Titãs e por Carlos Eduardo Miranda – mas acabou tendo seu primeiro disco engavetado quando a gravadora fechou as portas. O grupo retornou como Toyshop, produzido por Iggor Cavalera e gravou pela Roadrunner um disco cujo título era seu nome original. Daydream esteve na programação da MTV.
“CATAPULTA” – CATAPULTA (1997). Numa determinada época no rock brasileiro, parecia que todo mundo que misturasse punk, heavy metal e ritmos brasileiros iria fazer sucesso. O produtor Carlos Eduardo Miranda bancou o trio baiano Catapulta como revelação do rock brasileiro e levou-os para a Roadrunner (numa associação com um selinho chamado Original Discos). Puêra, misturando sons pesados e ritmos de capoeira, passou na MTV. Marcar esse esquema e Tái do mêi, sexistas como elas só, ganhariam muita problematização hoje. De realmente genial, tem o heavy-axé de Nego dão e a versão grunge de Retirantes, de Dorival Caymmi e Jorge Amado (tema da novela Escrava Isaura).
“VISION OF DISORDER” – VISION OF DISORDER (1996). Essa banda novaiorquina de hardcore, entre hiatos e períodos de bonança, existe até hoje – o grosso da carreira deles aconteceu entre 1992 e 2002. Boa parte dos fãs considera o primeiro disco, lançado pelo selo Supersoul em associação com a Roadrunner, como o melhor deles. No Brasil, era disponível tanto em CD nacional quanto em cópias importadas e vendidas a preço de banana.
E + 1
MAURICIO MATTAR, “VERDADES E MENTIRAS” (1999). Acredite ou não, a Roadrunner lançou um CD de Mauricio Mattar no fim da década de 1990 (no Mercado Livre, caso você queira comprar, uma cópia seminova custa R$ 30). Deslocadíssimo entre os grupos de punk, hardcore e heavy metal do selo, o CD destacou Onde foi que eu errei. Olha aí o clipe.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
Ver essa foto no Instagram
O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
- E assine a newsletter do Pop Fantasma para receber todos os nossos posts por e-mail e não perder nada.
Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
- Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
- Notícias8 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
- Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
- Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
- Cultura Pop7 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
- Cultura Pop9 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
- Cultura Pop8 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?