Cultura Pop
Panço: turnê, zine, K7 e livros ao mesmo tempo

Quando você estiver lendo essa entrevista, o carioca Leonardo Panço já vai estar em plena divulgação de seu terceiro disco solo, Sombras, que saiu do digital (já está nas plataformas) e ganha lançamento em fita K7.
Como todo lançamento do compositor (e cantor: encarou o microfone em todas as músicas do novo álbum), não é só um disco. Em turnê por Belo Horizonte, Ipatinga, Vitória, Itabuna, Salvador, Aracaju e onde mais for possível, ele leva seus livros, um fanzine que fez (Esopsa, com fotos tiradas durante uma temporada em Berlim) para divulgar o disco e, em algumas datas, une Sombras ao lançamento do doc Tributo ao inédito, de Marcelo Pedra, Renato Cantharino e Vitor Rocha, feito para relembrar o projeto musical lançado na década passada na cena carioca, que rendeu discos autorais e revelou bandas num período em que grupos cover e álbuns no estilo Som do barzinho eram o padrão.
O POP FANTASMA bateu um papo com o músico para falar com ele não apenas sobre o projeto, como sobre o lado deixa-que-eu-chuto (empreendedor, enfim) de Panço, que banca seus próprios lançamentos, corre atrás de suas próprias turnês, faz contatos e, trabalhando numa perspectiva underground, faz o possível para gerar demanda. Uma usina de um homem só que já rendeu um selo (Tamborete, criado por ele junto com Rafael Ramos, hoje DeckDisc), alguns livros (entre eles Jason 2001: Uma odisseia na Europa, sobre as turnês de sua banda Jason, e Caras dessa idade já não leem manuais) e já tem um quarto disco, 60% pronto. Pega aí.
POP FANTASMA: Me fala um pouco dessa turnê que você tá fazendo.
PANÇO: O primeiro lançamento do disco começa na quinta (foi ontem, a conversa foi na segunda) em BH. Saio de casa na terça, chego em BH na quarta de tarde e quinta é o lançamento. Aproveitei férias que eu juntei em duas partes de 20 dias com folgas, aí pensei: “Vou botar uns eventos aqui”. Fiz um fanzine novo para distribuir com o disco nos shows, era uma coisa que eu não fazia há muito tempo, de cortar, grampear. Também vou levar o Superfícies (combinado de CD e livro), já que na maior parte das cidades em que eu vou, não levei o livro. São poucos eventos, existiu a possibilidade de ser um pouco mais, mas preferi não me esforçar para que aumentasse. E uma novidade é que eu vou lá em Lagarto (SC). Você lembra do Lacertae?
Claro! Banda dos anos 1990… Eles são de lá, daí o nome da banda. E o evento é com o Eletricultura, que é a banda de um deles. Acho que ano que vem o Lacertae faz 30 anos, não tenho certeza… Ninguém aqui do Sudeste tocou em Lagarto. A gente deve fazer uns improvisos, umas releituras. E a ideia é juntar em alguns lugares com o lançamento do filme Tributo ao inédito. Cada cidade tem sua programação. O Sesc de Aracaju vai passar o filme, em Maceió devo tocar algumas músicas do Jason…

Nessa época em que muita coisa ganha só lançamento digital, é bem legal levar um trabalho físico para o público. Sim, eu gosto demais dessa parada física. Minha última experiência com fanzine foi lá pra 2001, com um zine chamado Bodega. Saíram uns nove números, em papel jornal. O digital tem a coisa do economizar espaço. Mas os cassetes ficaram lindos com a arte do Flock. Acabou ficando com a mesma qualidade das fotas dos Arctic Monkeys e da Pitty, saíram da fábrica da Polysom.
O fanzine tem o quê? São fotos que eu tenho quase certeza que tirei em 2007 na Alemanha, com uma câmera analógica da Pentax, tudo em p&b, com uns textos bem curtos que eu escrevi. Teve uma vez que fiz uma reunião com Flock para ver o material antigo que eu tinha, e daí partiu a ideia de fazer o fanzine.

Essas fotos vieram de alguma turnê pela Alemanha? Foi uma história bem louca. Fui contratado por uma banda para trabalhar numa turnê deles, eles pagaram minha passagem, e depois: “Não vamos mais fazer”. Nessa época, aceitei um emprego no site do Globo Esporte, mas sabendo que iria me demitir para viajar com a banda. Eu já tinha me demitido, estava com a passagem e fui sozinho. Era para passar 90 dias na Alemanha com 500 reais! Eu conheci muita gente por causa das turnês do Jason, então fiquei em squats.
Panço, como é ser criador e simultaneamente vendedor de um projeto, já que você é quem liga para marcar turnês, faz venda de CD junto com livro e zine… Bom, minha família é toda de vendedores, minha avó vendia coisas. Acho que a gente acaba aprendendo, e a necessidade de vender vem da ansiedade de que o negócio aconteça. Não tem outra maneira. Eu curto fazer essa parte do processo. Hoje eu tenho menos energia e menos paciência para algumas coisas. No passado, se fosse marcar essa turnê, já estava em 30 cidades. Mas agora precisa de mais tempo, não é pra fazer em qualquer lugar, tem lugar que não dá pra fazer… Isso tudo começou lá pra 1988, 1989, quando eu estudava no Cefet e a escola estava de greve, e acabava fazendo fanzine, lançando…
É bem aquela coisa de que ninguém vai acreditar mais no seu projeto do que você. Tem que acreditar. Agora mesmo pela primeira vez vou lançar um livro de outra pessoa. Ele vai estar em quatro datas comigo, é o Paulo de Almeida, que lança um livro de terror chamado Cadaveric Hotel. Tem mais coisa para sair pela Tamborete, é o K7 de uma banda chamada Eutha. Deve sair em CD mas não estou envolvido no CD, só no K7. O single do Pinheads, que foi feito por crowdfunding pela comunidade 90under também sai pela Tamborete. Tem que ser tudo pensadinho porque muita gente quer fazer coisas com a Tamborete, mas não somos a Sony Music, é tudo com parceria! Consigo ajudar até certo ponto, mas já que vou investir e arriscar dinheiro, estou preferindo arriscar e investir comigo mesmo.

Como ficam questões de grana nessa história, de empatar, ganhar, etc? Eu não vivo disso. Vivi da Tamborete alguns anos no começo de 1997, acho que no máximo uns cinco anos. Tem vários lançamentos que se pagaram. Os três primeiros livros se pagaram, o Superfícies ainda não. A ideia é que seja uma retroalimentação: você investe e aquele dinheiro volta, e dá pra fazer o próximo. Acho divertido fazer minhas coisas mas tem que ser com parcimônia. Tem muitas coisas que voltam, que eu consigo pagar. Estou confiante nesse momento do zine, dos K7s, das camisetas. O zine vai a R$ 15, vai ser um mistério se vai vender, porque nunca vendi um fanzine. O Flock acha que ele é mais um fotolivro, eu quando olho vejo um fanzine. Ficou com uma impressão muito boa.
Sombras é um disco bem curto, 22 minutos. Isso veio por causa dessa época em que artistas valorizam mais singles e EPs? Ou você pensou no disco desse jeito e pronto? Nunca pensei no que mercadologicamente as pessoas iriam pensar, acho que desde o começo do Jason nunca tive esse tipo de pensamento mais analítico. Ele foi arranjado na casa do Barba (Rodrigo Barba, baterista do Los Hermanos e também baterista do disco), na sala da casa dele. Ficamos alguns dias conversando, “tem essa aqui”, “essa aqui”. As músicas são amigas, digamos. Da mesma forma quando a gente estava na casa do Flock vendo as fotos, achamos que as fotos eram amigas. No caso do disco, essas dez músicas eram amigas e todas eram curtinhas. No Jason mesmo, as músicas eram pequenas. É assim que meu cérebro funciona.
E esses clipes que você fez? Os que foram feitos em Berlim e saíram ano passado? Tenho sete clipes até agora, já até me ofereceram para fazer um clipe do disco novo. Os dois de Berlim foram feitos no telefone e editados em casa, nesse nível de investimento. Quem fez o de Uma vez mais foi o Frank Heusing, que é um alemão que foi amigo de escola da Nina Hagen, e dirigiu muita coisa de TV: coisas do Duran Duran, Motörhead. Frank filmou um monte de coisas de dia e eu filmei a noite (as cenas do clipe Vinho ou chá). Fizemos de bobeira. Já que estávamos em Berlim, por que não filmar?
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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