Crítica
Ouvimos: Triángulo de Amor Bizarro, “Sed”

- Formado em 2004 em La Coruña, na Galícia, o Triángulo de Amor Bizarro tem na formação Isabel Cea (baixo e voz), Rodrigo Caamaño (guitarra e voz), Rafael Mallo (bateria) e Zippo (guitarra e teclados). Sed é o sexto álbum.
- O nome do grupo foi tirado, evidentemente, do hit do New Order, Bizarre love triangle. Mas pós-punk não é a única definição que o grupo aceita: noise rock e shoegaze também costumam ser usados para bandeirar o som deles.
- Um dia depois do lançamento do disco anterior da banda (epônimo, em 2020), foi decretada a pandemia. “Toda a Espanha estava fechada. Estávamos trabalhando nisso há dois anos, passamos cerca de seis meses nos preparando para a turnê e o lançamento”, contou Isabel ao site Science Of Noise. A banda passou a realizar reuniões online como forma de decidir o que fazer e se manter na ativa. O álbum chegou no quinto lugar da parada espanhola.
O som do Triángulo de Amor Bizarro é bem mais amplo do que faz supor seu próprio nome (que pressupõe uma adoração enorme a New Order). Até porque, musicalmente, o grupo se coloca mais do lado dos adoradores de bandas como My Bloody Valentine do que dos fãs de Blue monday e outras canções da banda de Manchester. Sed varia: vai das canções mais puramente oitentistas, como o single Estrella solitaria (com baixo e guitarra realmente lembrando Peter Hook e Bernard Sumner) a noise-rocks mais barulhentos e gritados, como Huele a colonia chispas e Estrella antivida.
Já La espectadora, a melhor do disco, cai dentro de melodias que lembram bandas hoje pouco lembradas do rock britânico, como House Of Love, e traz versos na onda futurista e espacial do synthpop: “Eu sou a espectadora/que finge ser uma estrela/eu gostaria de atravessar a rua e me dissolver no neon”. Isabel Cea e Rodrigo Caamaño dividem os vocais e não necessariamente atuam como cantores em diferentes lados do grupo. Em Sed, a banda ainda inclui uma balada indie ruidosa, Canción de muerte del Pez Dorado, e um desvio pós-grunge, em faixas como Él, além do pós-punk quase falado e cheio de efeitos de Cripto hermanos. Já os seis minutos de La condena unem emo e shoegaze no fechamento do álbum.
Já o hard rock Compráte un yate lida com a tristeza de um popstar que perdeu seu público, e de quebra, com as incertezas do mundo dos shows e discos na pandemia. “Para quem você canta se quase ninguém mais dança?”, perguntam, abordando um tema que passa por todas as letras de Sed.
Gravadora: Mushroom Pillow
Nota: 7
Crítica
Ouvimos: Wado – “Obstrução samba”

RESENHA: Com 21 minutos, Obstrução samba, de Wado, impressiona pela completude e reinvenções criativas de faixas feitas com Momo. Um disco breve e denso.
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Nem sempre álbuns curtos costumam ser completos – alguns às vezes ficam com uma baita cara de mixtape, de ponte entre um trabalho e outro, ou de EP bem fornido. Pois bem: Obstrução samba, disco novo de Wado, tem 21 minutos (é menor que o lado A de muitos álbuns) e chama a atenção justamente pela completude e pelos universos visitados ao longo da audição.
O conceito de Obstrução samba nasceu do documentário As cinco obstruções, de Lars Von Trier e Jørgen Leth, no qual Lars propõe a Leth a refação de um filme dele. A “obstrução” aqui foi que Wado retrabalhou músicas que havia composto com o músico Marcelo Frota, o popular Momo, para um álbum deste lançado em 2023, Gira. E incluiu outras faixas na lista final.
No caso do primeiro single, o samba-funk Jão, originalmente gravado por Momo, já dava pra sentir as mudanças de cara. A leitura de Wado, que traz a participação de Fábio Trummer (Eddie), é menos afrobeat que o original de Momo e joga na área do samba-rock, com emanações de Mundo Livre S/A e Paralamas do Sucesso (este, nos metais, que têm algo do hit Pólvora).
Gira, Para e Passo de avarandar estão entre as outras, gravadas com participações especiais (João Menezes, Marina Nemesio e a dupla Priscila Tossan/Janu respectivamente). A primeira é afoxé-pop com metais, orgânico e mântrico. Para, curtinha (1:11), é samba e maracatu com vibe afro e orquestral. Passo de avarandar invade áreas como a do soul e do dub, propondo a observação da natureza e do dia a dia.
Sereia vem na sequência de Jão e continua o som dela, também com Marina Nemesio, enquanto vibes espiritualistas surgem em Atotô Obaluaê, com Alvaro Lancelotti. No final, Moraes Moreira é a sombra que paira sobre os frevos Esse mar e Deixa acontecer – não é por acaso, já que Davi Moraes, filho do compositor baiano, é coautor de ambas.
Esse mar, por acaso, fala do mar como quem fala da vida (“mesmo sem saber nadar, eu fui pro mar / aprendi com as ondas e com a mão de Iemanjá”) – e traz Wado, Davi Moraes, Adriano Siri e Otto, autores da faixa, unindo ritmo, existência e luta, numa das melhores faixas de Obstrução samba.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Lab344
Lançamento: 11 de julho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Crizin da Z.O. – “ACLR + 6”

RESENHA: ACLR + 6, EP de Crizin da Z.O., mistura funk, punk e poesia crua pra retratar um cotidiano sufocante, acelerado e cheio de dor — mas também de criação.
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ACLR + 6 é a continuação (talvez um bônus) de Acelero, quarto álbum de Crizin da Z.O., projeto criado por Cris Onofre em parceria com os produtores Danilo Machado e Marcelo Fiedler. Num espelho do que fazem grupos como o norte-americano clipping, e os também cariocas Caxtrinho e Disstantes, o lance de Crizin é falar da vida de hoje quase como um meme aterrador, ou um chip indesejado, do qual não podemos fugir. Transporte público incipiente, dia a dia de operário, baixos salários, fome, miséria, miséria existencial, vida acelerada e apertada, remédios prescritos, indignação, racismo geográfico… tudo isso bate ponto na poética e no som de Crizin.
ACLR + 6 acelera, sem trocadilho, com o funk gélido de Repetição zero, entre ônibus e trens lotados, decepções e boletos: “marmita azedou dentro da mochila / enquanto eu sofria den’do busão / o ódio sobe, a lágrima escorre / e assim nóis caneta mais um refrão”. Fatal, com Edgar, é uma pancada meio metal, meio funk 150 bpm, que desfere chicotadas nas big techs, no capitalismo e no jogo sujo disfarçado de limpo. Sem atalho, com Sarine, invade os ouvidos com vocal quase percussivo, enquanto Reflexán di dia é metal, funk, punk e candomblé, tudo junto, com o projeto Scúru Fitchádu levando tudo para a vibe e o idioma de Cabo Verde.
Lcuas Pires e Mbé, igualmente convidados do disco, surgem em Baía, com sons que vão embarcando em outros sons e criam um universo sombrio e belo, que contempla as adversidades (“eu olho pra Baía de Guanabara e penso / essa água é tão preta”) e fala das big techs atravessando nossa vida, pensamentos e gestos. Repetição um encerra o disco com vibração de samba pós-punk: baixo à frente, violão (de Kiko Dinucci) tocado de forma sombria e repetitiva, letra apontando para as mortes do dia a dia e para os apagamentos da memória. Uma ilha de edição musical.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: QTV
Lançamento: 17 de julho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Veigh – “Eu venci o mundo”

RESENHA: Veigh lança Eu venci o mundo, trap com discurso de vitória, ostentação e dilemas modernos, entre crítica social e autoafirmação intensa.
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O trap tem movido montanhas e conquistado fãs no Brasil – e tem se posicionado como o mais novo som preparadíssimo para irritar pais, professores e pessoas mais velhas em geral. Uma irritação que vem acompanhada de boas doses de racismo e preconceito social, e que também surge lado a lado com a mesma complacência com que ouvimos os “bitches” desferidos por rappers – afinal que lado é pra correr?
Enquanto ninguém decide, vale conferir o que Veigh faz em Eu venci o mundo, basicamente um trap com o mesmo discurso de vitória na guerra que tem dominado álbuns de rap no Brasil, como os mais recentes de Djonga e BK*. É uma linguagem da nova geração: temas como mindset, mindfullness, foco e outras coisas que aparecem em palestras de coaches são pulverizados e levados para um universo mais realista, em letras como as de Reuniões comigo mesmo, a gangsta e safada Hiperfoco (pura ostentação em versos como “quando você tem mais de uma dama / o dia dos namorados é mais difícil”) e a balada triste fake Perdoe-me por ser um astro (“se eu não fosse eu / também me invejaria /perderia horas falando de mim”).
Com flow bacana e bases criativas, Veigh é o puro “se eu posso, você também pode, irmão” em gotas. Eu venci o mundo fala de neymarização e fãs interesseiras em Belieber, que conta a história de uma atual admiradora que já foi do fã clube de Justin Bieber – e mandando recado: “tô solteiro agora / alguém por favor avisa a Anitta”. Também é pura sacanagem macha em Dono da verdade e na sombria Taylor, dedo na cara de traidores em Artista genérico e Indiretas com a voz, e mais ostentação em Sangue do cordeiro, formando um cenário que causa admiração em muitas pessoas, estranhamentos em outras tantas, indiferença em várias, e sentimentos que nem me arrisco a dar nome numa turma enorme.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Supernova Entrertainment
Lançamento: 26 de junho de 2025
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