Crítica
Ouvimos: Nicolas Não Tem Banda, “Nicolas Não Tem Banda”

- Nicolas Não Tem Banda é o álbum epônimo de estreia da banda paulistana, que foi formada em 2014 na ocupação artística Ouvidor 63, considerada a maior ocupação cultural da América Latina. O grupo começou como uma dupla de voz e violão, e hoje é um quarteto, com Luiz Só (voz), Leo Satan (guitarra), Rodrigo S. (baixo) e Andy Marshall (bateria).
- O som do grupo abarca punk, new wave, black music, sons ancestrais, tropicalismo e até sertanejo raiz – o quarteto define seu estilo como “esquizomusic”.
- As músicas do primeiro álbum foram criadas durante as “hellsidências artísticas” do grupo na Ouvidor 63. O disco foi produzido por Rodrigo Ferreirinha e Leonardo Ferlin Dias, com co-produção de Gabriel Thomaz (Maxilar Music/Autoramas).
Tem algo que aproxima o Nicolas Não Tem Banda (nome ótimo, aliás) do que o Camisa de Vênus poderia ter representado no rock brasileiro dos anos 1980 – e de um inconformismo que o rock feito aqui já ostentou, e acabou cedendo para o hip hop e até para a MPB. É um clima, um design musical e ideológico, uma espécie de senha que une poucas bandas nacionais atuais (e ao Nicolas, eu somaria a música do grupo mineiro Lupe De Lupe).
Da mesma forma, existe algo “politicamente incorreto” no imaginário do grupo paulistano – só que da mesma forma perturbadora e incômoda que se esperou por vários anos que a incorreção cultural agisse, e não com o mesmo tom imbecil e reacionário associado a esse tipo de coisa. É o que já começa na introdução do disco – uma vinheta tirada das falas do psiquiatra Paulo Gaudêncio no programa Jovem Urgente (TV Cultura, anos 1960), antes da apresentação dos Mutantes tocando Panis et circensis na atração. O texto refere-se a “um adulto chato, quadrado, moralista, preocupado excessivamente com dinheiro ou só com dinheiro (…). Um adulto realmente nada atraente”.
O velho problemas dos adultos “caretas” e excessivamente preocupados com dinheiro se transformou: virou guerra entre jovens (de idade e de espírito) avançados e seres Chernobyl que adotam ideologias políticas bizarras e destrutivas. Tudo a ver com a música do Nicolas Não Tem Banda, que prossegue em seu álbum de estreia fazendo funk-rock vanguardista herdado de Titãs e Patife Band em Ódio, hardcore estranhíssimo em Borboleta di okupa, stoner pós-punk em Pássaro negro e Esquizosummer e blues rock de Satã em Buenos Aires. E mexe em fios de alta tensão em Cidades (“meu mestre é Jesus/as igrejas que se fodam”), Bissexual e Karen Dalton.
No final do álbum, o Nicolas investe em pós-punk estranho à maneira do Killing Joke em Lissen to me (que, aliás, foi inspirada, segundo a própria banda, na levada de I wanna be adored, dos Stone Roses). E vai para um clima selvagem e quase progressivo no single Espírito da floresta – cuja letra daria uma história em quadrinhos. Literalmente para ouvir no último volume.
Nota: 9
Gravadora: Maxilar Music
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Crítica
Ouvimos: John Fogerty – “Legacy: The Creedence Clearwater Revival years (John’s version)”

RESENHA: John Fogerty, aos 80 anos, recupera direitos das músicas de sua ex-banda Creedence Clearwater Revival e relança vinte clássicos em versões idênticas às originais.
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Aos 80 anos, John Fogerty, ex-vocalista, guitarrista, compositor e déspota do Creedence Clearwater Revival, conseguiu ganhar finalmente todos os direitos sobre suas composições da época do grupo – sim, porque todos os hits autorais da banda foram compostos por ele. Para comemorar, o músico decidiu regravar 20 canções do CCR na base da “versão do John”.
Na prática, são substituições, e não versões. Em Legacy: The Creedence Clearwater Revival years (John’s version) Fogerty revisitou canções como Have you ever seen the rain, Born on the bayou, Proud Mary, Lodi, Who’ll stop the rain, Green river e Fortunate son em leituras quase 100% iguais aos originais – em timbres, arranjos, detalhes e até gritos e uivos. Facilita o fato da voz de John estar igualzinha a antigamente. Detalhe: até no Bandcamp as músicas novas estão – visão, o cara tem.
- Ouvimos: The Doobie Brothers – Walk this road
- Ouvimos: Faces – Faces at the BBC: Complete BBC concert and session recordings 1970-1973
Alguma diferença do original? Bom, Long as I can see the light teve uma pequena mudança de tom, Have you ever seen the rain teve mudanças discretas nas linhas vocais do refrão, e de modo geral todas as músicas ganharam mais peso na bateria e nas guitarras – mas praticamente tudo soa como os originais dos anos 1960 e 1970 remixados ou remasterizados.
De modo geral, não é um lançamento dos mais úteis para fãs antigos – serve mais como um demarcador de independência, já que John oferece aos fãs as versões gravadas por ele. O complicado é entender como se comportar diante de um lançamento que reembala o material oldies e apenas isso. Acaba tendo mais graça ouvir os antigos álbuns do Creedence.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Concord
Lançamento: 22 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Thistle. – “It’s nice to see you, stranger” (EP)

RESENHA: Thistle., da Inglaterra, une grunge e shoegaze em It’s nice to see you, stranger, EP coeso que ecoa Nirvana, Dinosaur Jr e My Bloody Valentine.
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Vindo de Northhampton, Inglaterra, o Thistle. (sim, existe um ponto após o nome do grupo) tem uma onda grunge + shoegaze séria no seu som – a ponto de, numa audição inicial, ser possível imaginar que a banda vem dos cafundós dos Estados Unidos. Num papo com a newsletter First Revival, eles citam o Nirvana como sua banda grunge favorita, e um dos integrantes diz não ter se entusiasmado especialmente com o shoegaze quando descobriu o estilo.
Um outro detalhe sobre o EP It’s nice to see you, stranger é que o grupo precisou de quase um ano para gravá-lo, já que cada integrante tem seu trabalho e ninguém pediu folgas. “Por isso é que ele é um EP, e não um álbum”, afirmam. Soa estranho descobrir isso, já que as cinco faixas do disco têm peso, coesão e emanações que vão de Nirvana e Dinosaur Jr a Idlewild e The Cure. Cobble/mind funde barulho, melodia e vocais doces, enterrados na música. A faixa-título volta aos anos 1990 e faz lembrar My Bloody Valentine e Sonic Youth. Fleur rouge abusa da beleza triste, com guitarras melódicas e passagens bem ruidosas, do meio para o fim.
No final, o Thistle. adere a um punk repleto de guitarras emparedadas e sensações turvas, em Holy hill, e faz a melhor fusão grungegaze do EP, com Wishing coin. Ouça.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Venn Records
Lançamento: 4 de julho de 2025.
- Ouvimos: Water From Your Eyes – It’s a beautiful place
- Ouvimos: Superchunk – Songs in the key of yikes
Crítica
Ouvimos: Camaelônica – “Eletrotropical”

RESENHA: Camaleônica mistura samba, rock, macumba e psicodelia em Eletrotropical, disco pesado e cheio de invocações.
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“Rock, macumba e samba”, trio de referências que embandeira o som do Camaleônica, pode querer dizer muita coisa – pode afirmar inclusive que a banda apenas revisita sons dos anos 1990 (Planet Hemp, Chico Science, O Rappa) e mais nada. Eletrotropical, primeiro disco de Felipe Dantas e Fernando Reis – os dois do grupo-dupla – faz qualquer ideia preconcebida cair por terra quando se percebe que a vocação do grupo é para um experimentalismo que faz tudo soar bem palpável e pesado no som deles.
A música de Felipe e Fernando soa mais como um retropicalismo pesado e turbinado, que une samba, umbanda e rock psicodélico na faixa-título, além de jazz, rock e afrosambas em Capoeira. Rola uma mescla de samba, reggae e grunge em Maravilhoso e Caprichoso. Nessa última, a percussão é forte e os tambores são tocados com raiva. E falando nisso, Língua e revolta é axé, MPB e ódio pulsando contra apagamentos históricos (“quem é você pra me dizer aqui / que eu não sou ninguém?”).
Muito de Eletrotropical são invocações – canções em que melodia, letra, percussão e indignação (e guitarras) unem-se quase numa mesma massa. No samba psicodélico e pesado de Boa noite, por exemplo, coaches, big techs e exploradores do trabalho alheio são cozidos no mesmo caldeirão a partir de raízes e histórias (“toda malandragem será perdoada/ tudo que delira, toda vadiagem”). Geral abre com vocal solitário pedindo “muita luz, saúde e axé pra geral”, e vai seguindo com tristeza herdada do blues, guitarras e percussões.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Fliperama Lab
Lançamento: 27 de junho de 2025.
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