Crítica
Ouvimos: Mogwai, “The bad fire”

- The bad fire é o 11º álbum de estúdio da banda escocesa Mogwai, produzido por John Congleton. O álbum foi feito enquanto um dos músicos da banda, Barry Burns, enfrentava um problema gravíssimo com a saúde de sua filha.
- “Minha filha, ela tinha um ano na época, e ela tinha esses hematomas estranhos no corpo. Suas gengivas estavam sangrando uma noite, então a levamos para o hospital e ela tinha uma condição sanguínea bem rara chamada anemia aplástica”, contou ele a newsletter Last Donut of The Night, dizendo que ela já estava melhor.
- “Mas eu não conseguia fazer nenhum trabalho. Eu estava no hospital ou cuidando da nossa outra filha, então eu estava fora do jogo, na verdade. Mas a banda foi muito legal sobre isso. Eles apenas disseram: “Não tenha pressa”, e eles seguiram em frente. Eventualmente, eu consegui um tempo no meu estúdio e realmente tentei fazer as coisas rapidamente — mas você sabe como é a música. Às vezes você simplesmente não consegue fazer isso. Então demorou o tempo que demorou, e aqui estamos”, continuou ele.
Uns críticos musicais chegaram a chamar as bandas de pós-punk (isso lá pelos anos 1970 e em pequeníssima escala) de “punk progressivo” – isso no sentido de que era punk, mas havia uma certa elaboração que ia bem além dos três acordes geralmente atribuídos ao estilo musical. Pois bem, o Mogwai é o mais próximo que existe dessa denominação. Um rótulo absurdo, mas que faz sentido quando se observa o ruído ambient, alternando teclados circulares, progressões e algumas distorções, que a banda faz em The bad fire, o novo disco.
O Mogwai já foi mais barulhento, mas não deixou de soar ruidoso, ainda mais numa época especialmente tensa para o grupo – várias perdas, uma doença grave (tida pela filha do integrante Barry Burns). De modo geral, a banda parece fazer música para acalmar os próprios integrantes, sem deixar de perceber que as coisas andam estranhas.
O material de The bad fire soa como um abraço calmo no caos, em faixas como What kind of mix is this?, a autoexplicativa Hi chaos (quase um blues gelado, frio, em que o som fica distorcido como o de uma fita de desfazendo), God gets you back (um som viajante e pós-punk, simultaneamente) e no trip hop orgânico Pale vegan hip pain. Já Fact boy abre com um som que vem lá de longe, ganha um piano que parece uma caixinha de música, e, perto do final, soa como bombas sendo atiradas.
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Boa parte de The bad fire lembra documentários sobre terras arrasadas, ou trilhas de filmes bem introspectivos, cheios de paisagens e cenas desérticas e dramáticas – mesmo que em vários momentos a fúria, musicalmente falando, vá nascendo e transforme tudo. Algumas faixas lembram fases diferentes da carreira do Wire, como acontece com Fanzine made of flesh (que tem também uma voz de robô análoga a de Behind the mask, da Yellow Magic Orchestra), Hammer room e a pesada Lion rumpus. E um tom funéreo e quase shoegaze toma conta de uma das músicas mais venturosas do álbum, If you find this world bad, you should see others. Um disco de fim de guerra. E de reconstrução.
Nota: 8,5
Gravadora: Rock Action
Lançamento: 24 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Guided By Voices, “Universe room”

Comandado há décadas pelo cantor e compositor Robert Pollard, o Guided By Voices vem trabalhando há alguns anos em esquema de incontinência criativa. O grupo chega a lançar até três discos por ano, e Robert, como comandante do projeto, faz com que cada álbum seja envolvente — mesmo quando a sonoridade não varia tanto entre eles. A fórmula do Guided By Voices se resume a uma energia crua que mescla a intensidade do grunge com a pegada melódica do heartland rock (aquele rock simples, pesado e apegado a raízes country e folk, mesmo tendo guitarras em profusão), mas com mumunhas de experimentação musical que geram, às vezes, várias partes e segmentos até em canções curtas.
Universe room, mesmo não sendo tão brilhante quanto os discos imediatamente anteriores, traz algumas mudanças no cenário. São 17 músicas em trinta e nove minutos, e boa parte das faixas viaja em duas, três partes diferentes, quase transformando o álbum numa melancólica ópera-rock. Um outro detalhe é que Pollard faz com que o álbum soe lo-fi em vários momentos, e seu vocal parece bem mais angustiado que o normal (cabendo desafinações às vezes).
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- Mais Guided By Voices no Pop Fantasma aqui.
Driving time, na abertura, traz voz e violão gravados como se viessem de uma fita K7, com ruídos de fundo como se tudo tivesse sido gravado numa oficina ou fábrica – na sequência, vai se tornando um rock entre o industrial e o psicodélico, com uma letra repleta de imagens pra lá de cruas: “vamos carregar flechas envenenadas/estou suando lençóis de chuva (…)/deixe-o andar na ponta dos pés no sangue/e eles não poderiam voltar”. O uso de gravações “de campo” retorna no instrumental The well known soldier e, no desfecho do álbum, Everybody’s a star brinca com o formato das antigas transmissões de rádio. A faixa traz uma guitarra solitária, evocando a imagem de um artista isolado no palco—ou diante de um estádio lotado.
De grudar no ouvido, tem The great man, que abre com cordas evocando a trilha do filme Psicose, de Alfred Hitchcock, e prossegue em meio a uma argamassa grunge, de guitarras pesadas. Destaque também para Clearly aware, com guitarra e bateria dividindo-se em canais diferentes, como num estéreo “sujo” – a melodia lembra The Who, que parece ser uma das maiores referências do GBV desde sempre. E para Fly religion, música de ritmo e andamento constantes, um power pop que lembra uma cruza de Pixies e Badfinger. Já bandas como Pink Floyd, Neil Young & Crazy Horse, Beatles e R.E.M. parecem ter sido referências em momentos de faixas como I couldn’t see the light, Independent animal, I will be a monk e a suíte de bolso 19th man to fly an airplane – aberta com ruídos de avião e levada adiante com andamento idêntico ao de The Jean Genie, de David Bowie.
O excesso de faixas em Universe room resulta no problema clássico de discos longos: algumas ideias poderiam ter sido mais bem desenvolvidas. Isso acontece, por exemplo, na hendrixiana Hers purple e na apocalíptica Play shadows, o que acaba ofuscando momentos mais inventivos, como Aesop dreamed of lions, perdida no meio do caminho entre uma enormidade de faixas. Ainda assim, se o Guided By Voices voltou disposto a explorar novas possibilidades em um mercado musical tão estranho, parabéns para eles.
Nota: 7,5
Gravadora: Guided By Voices Inc
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Drop Nineteens, “1991”

A espera foi longa, mas 1991 finalmente veio à tona. O álbum traz, pela primeira vez de forma oficial, as demos que o Drop Nineteens gravou em (adivinhe só) 1991 para enviar a gravadoras. Porém, ao conceberem o debute Delaware (1992), a banda optou por compor material inédito, deixando essas gravações de lado – o que acabou alimentando o mercado de bootlegs por anos. Esse material chegou a circular com o nome de Mayfield.
Na era do Rapidshare (lembra?), essas demos ressurgiram e uma renca de fãs e curiosos saiu baixando tudo. Agora, transformadas em álbum, oferecem um retrato fascinante da gênese do grupo. No início dos anos 1990, o Drop Nineteens soava mais como uma banda neopsicodélica, mas com um fascínio particular por paredes de guitarras e microfonias. Daymom, que abre o disco, até lembra os Cocteau Twins, só que em preto e branco, ganhando uma aura fantasmagórica do meio para o fim. Song for JJ é dream pop glacial, feito mais para contemplar do que para sonhar, e seus vocais soterrados na mixagem tornam quase impossível distinguir em que idioma a banda canta. A bateria, ao fundo, não dita o ritmo, mas cria um ambiente etéreo e envolvente.
A diversidade de 1991 é um dos seus trunfos: há muralhas de guitarras e distorções em Back in our old bed, Shannon waves e na tribal e misteriosa Snowbird. Por sua vez, Mayfield traz instrumentos socados e quase irreconhecíveis, enquanto Soapland flerta com um som robótico, que lembra um loop de voz e percussão. Kissing the sea começa com guitarras psicodélicas e vocais nebulosos antes de se transformar em um pós-punk marcial. Já Another summer encerra a seleção com guitarras palhetadas que evocam um The Smiths invernal, encerrando o disco com uma melancolia fria e elegante.
1991 não é apenas um registro de raridades, mas um vislumbre cru e fascinante de uma banda ainda tateando sua identidade – e soando bem mais intrigante do que em discos posteriores.
Nota: 8
Gravadora: Wharf Cat Records
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: The Hausplants, “Into equilibrium” (EP)

- Into equilibrium é o segundo EP da banda canadense The Hausplants. O trio é formado por Amir (guitarra e produção), Sondor (bateria) e Zel (baixo e vocais).
- O disco novo foi gravado pelo trio em uma despensa, “um espaço peculiar e aconchegante que reflete o espírito brincalhão e engenhoso da banda”.
- A banda afirma também que o disco é “uma dedicação ao momento, encontrando espaço para viver em um tempo cada vez mais sombrio. Simultaneamente, o EP destaca nosso crescimento como banda, e o impacto que a cena de Vancouver teve em nossa música. Ao criar essas músicas, abrimos espaço para explorar sons mais experimentais, explorar nossos backgrounds sonoros e também nossas identidades individuais dentro e fora da música”.
De onde vem esse som? O trio canadense The Hausplants pega emprestado ecos de Velvet Underground, The Sundays, The Smiths e chamber pop, misturando tudo com ritmos ciganos e hispânicos em Into equilibrium. Um EP que parece um pequeno universo próprio, graças à variedade das canções, e à voz de Zel, cantora do grupo: o timbre lembra, e muito, Mariska Veres, a enigmática vocalista do Shocking Blue (aquela banda do hit psicodélico Love buzz, regravado até pelo Nirvana, e de outro hit de enormes proporções, Venus).
Com seis faixas gravadas em uma despensa, o grupo abre o EP com October, canção com tom sonhador, como se esperaria de uma faixa calma do Velvet Underground – tem clima de música de girl group, com pandeirola e tudo. Dreams of falling tem certo ar de Motown, com guitarra simples, vocal quase jazz e baixo costurando a faixa. Hypocrite (faixa que, conta a banda, “explora a dissonância cognitiva da nossa geração”) é o pós-punk mais prototípico do disco, mas ainda assim os vocais e os metais funcionam em clima cigano-hispânico.
Normalcy e Too close to the sun exploram um lado solar do EP, com timbres lembrando Pretenders e as já citadas The Sundays e The Smiths. Duas músicas que ajudam a tomar fôlego para a beleza arábica da faixa-título, com escalas peculiares nos vocais e na guitarra, e ótimo arranjo de metais. Uma banda para adotar e dar o play repetidas vezes.
Nota: 10
Gravadora: Independente.
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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