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Crítica

Ouvimos: Manic Street Preachers, “Critical thinking”

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Ouvimos: Manic Street Preachers, "Critical thinking"

Dear Stephen, uma das faixas mais marcantes desse Critical thinking, novo disco do Manic Street Preachers, é uma mensagem do baixista e letrista Nicky Wire para Morrissey – inspirada por um cartão postal que ele recebeu do cantor em 1984, quando estava doente e não pôde ir a um show dos Smiths. Um som que poderia ter sido feito pelo R.E.M. ou até por Tom Petty, em cuja letra Wire confessa toda sua saudade dos tempos em que gostar de Stephen Patrick Morrissey era coisa de gente cool: “eu fui o menino com o espinho no lado/eu quero você vívido no seu auge (…)/caro Stephen, por favor, volte para nós/eu acredito em arrependimento e perdão”.

É meio por aí que Critical thinking acaba seguindo. Misturando power pop, britpop, sonoridades oitentistas e climas folk, o 15º disco dos Manics soa em vários momentos como um recado para todos que se tornaram irreconhecíveis com o tempo – ou para aqueles cujas máscaras caíram. “O que aconteceu com seu pensamento crítico?/tudo bem não estar bem, viva sua melhor vida/seja gentil, tenha um pouco de empatia”, diz o cantor e guitarrista James Dean Bradfield (a banda é completada pelo baterista Sean Moore) na faixa-título, uma mescla de New Order, U2 e The Clash na fase Sandinista que também parece ser um recado para Morrissey.

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Decline and fall, um pop eletrônico que parece herdado de Ultravox e Orchestral Manoeuvres In The Dark, é sobre aceitar o futuro, o fim das coisas e o caos – e, ainda assim, encontrar uma maneira de construir algo positivo enquanto a bomba explode (um tema que surgiu em vários momentos da discografia do grupo, por sinal). People ruin paintings, uma baladinha power pop cujo som lembra bandas como The Feelings e Nada Surf, só acompanha a destruição de tudo que tem alguma virtude, beleza e verdade.

Essa tensão entre desencanto e melodias cativantes define boa parte do álbum, repleto de pérolas de beleza explosiva. Brushstrokes of reunion evoca as bandas emo influenciadas pelo Queen no início dos anos 2000, enquanto Being baptized carrega uma herança smithiana evidente. Já Out of time revival mergulha no pós-punk, cruzando bigodes com Every breath you take, do The Police. E a oitentista Hiding in plain sight traz Wire, na voz de Bradfield, admitindo que é difícil lidar com o peso do lixo tóxico emocional dos dias de hoje: “Eu quero estar apaixonado pelo homem que eu costumava ser/em uma década eu me senti livre (…)/O amor está escondido, o ódio exposto/mantenha as cortinas fechadas o dia todo”.

Não deve ser coincidência, mas Critical thinking saiu no mês em que se completou 30 anos do desaparecimento do guitarrista e letrista original dos Manic Street Preachers, Richey Edwards – cuja morte foi declarada apenas em 2008. No álbum, o peso da perda do músico e amigo parece surgir em My brave friend, uma canção com cara de anos 1960, e produção de anos 1980/90: “Você ainda vive nas profundezas de nossas almas/em nossos corações, mentes e lares/então navegue, meu bravo amigo/você lutou tanto até o fim/então navegue, meu mais bravo dos amigos/navegue até o fim”. Um dos momentos mais sensíveis do novo álbum, e uma saudade de quando tudo parecia mais simples – mesmo que talvez nunca tenha sido.

Nota: 9
Gravadora: Columbia
Lançamento: 14 de fevereiro de 2005

Crítica

Ouvimos: Garbage – “Let all that we imagine be the light”

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Ouvimos: Garbage - "Let all that we imagine be the light"

RESENHA: Garbage lança Let all that we imagine be the light, disco surpreendentemente positivo, político e provocador, com rock ruidoso e dance sombrio.

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Confesso que eu não esperava que o Garbage voltasse com um disco cujo título traz tanta positividade. “Que tudo que imaginamos seja luz” é um nome tilelê inimaginável para uma banda que estourou com o hit Only happy when it rains. Talvez ninguém esperasse. Ainda mais que No gods, no masters (2021), álbum anterior, vinha carregado de energia anti-fascista e anarquista.

Dessa vez, em Let all that we imagine be the light, o Garbage volta mais positivo. Sim, dá para estranhar, embora tenha bastante contexto nisso – nos últimos anos Shirley Manson (vocalista) precisou fazer uma cirurgia delicada no quadril, e o próprio Garbage andava em descrédito após alguns discos que fizeram pouco barulho. Vale dizer que a raiva não foi deixada de lado. Surge, por exemplo, no radicalismo musical e político de There’s no future in optimism e no rock ruidoso de Chinese fire horse, faixa na qual Shirley lida com o etarismo do dia a dia. “Você diz que meu tempo acabou / que eu fiquei velha (…) / que eu devia apenas me aposentar”. Guerras, capitalismo e ódio pelas redes sociais acabaram inspirando o novo material.

É um ponto a considerar o quanto um Garbage “construtivo” é emocionante, vá lá. Como argumentos, o novo álbum apresenta canções provocadoras como Hold, a dance music soturna e sexy de Have we met (The void), o blues tecnorock Radical e até uma música eletrônica, quase pop e estranhamente solar – Sisyphus, sobre o rolar de pedras do dia a dia. R U happy now é um eletrorock sombrio de excelente refrão, falando sobre os males do capitalismo. Já o hard rock Love to give, se fosse lançado nos anos 1980/1990, seria o tipo de rock que faria sucesso entre surfistas e skatistas – algo como o que já foram o Concrete Blonde, o Nirvana e o próprio Garbage, numa época em que surfistas e skatistas eram personagens definitivamente cool.

No final, The day that I met god poderia significar a elevação espiritual de Shirley Manson e a explicação para a “luz” do título do disco – na verdade fala sobre o uso do analgésico Tramadol, em meio a uma base de pós-punk sombrio, com riffs circulares de teclados e qualquer coisa relacionada a David Bowie e ao krautrock. Let all that we imagine be the light mostra o Garbage tentando encontrar sentido (e esperança) em meio ao caos.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: BMG
Lançamento: 30 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Matt Berninger – “Get sunk”

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Ouvimos: Matt Berninger - "Get sunk"

RESENHA: Matt Berninger lança Get sunk, disco solo introspectivo com ecos de David Bowie e Neil Young, sobre depressão, perda e beleza na escuridão.

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Matt Berninger, cantor do The National, andou sofrendo bastante nos últimos anos. Uma depressão brabíssima que ele teve em 2020 afetou o repertório de sua banda – os dois álbuns lançados pelo grupo em 2023, Laugh track e First two pages of Frankenstein, traziam o músico tentando voltar a compor e cantar. Seu segundo álbum solo, Get sunk, lida com a sensação de ter estado afogado em climas ruins por quatro anos. Aliás, tenta explicar esses sentimentos para a/o ouvinte.

A musicalidade de Get sunk tem o mesmo clima de paraíso perdido de discos como Country life, do Roxy Music, e a mesma ambiência dos primeiros álbuns de Neil Young, e de Hunky dory, de David Bowie – ou seja: é um disco que encontra beleza e uma certa vibe sexy na introspecção, e se alimenta disso. Tanto que em faixas como No love, Inland ocean e Frozen orange, além do single Bonnet of pins, a ideia é criar um clima elegante e belo, com os vocais de Matt equilibrando-se entre referências de Leonard Cohen, Bryan Ferry, Serge Gainsbourg e até Kevin Ayers.

Climas de R.E.M. e Pink Floyd, por sua vez, surgem em Breaking into acting e Little by little. Nowhere special, por sua vez, é uma música quase falada, soando como uma tentativa torta de reproduzir os raps sem convicção de Serge Gainsbourg – na real, parece mais um texto enorme encaixado à força numa melodia, e que precisava ter sido editado para virar música. Fechando o disco, a ótima Times of difficulty relaciona-se com o lado mais tranquilo de Lou Reed, com os Rolling Stones de 1970/1971 e ate com bandas como Faces.

As letras, por sua vez, dão clima pesado e desnorteante – por acaso Get sunk já vinha sendo feito desde a época de barra pesada de Matt, em 2021. Em No love, Matt diz que “este lugar tem uma sensação de afundamento / a energia é tão estranha”. Inland ocean avisa que “causa perdida, não tenho emoção / nenhuma emoção (…) / não há nada que eu possa fazer? / tudo acaba antes que eu queira”. Nowhere special repete várias vezes frases como “não tenho nenhum lugar para estar” e “não sei para onde ir”. Ouça quando nada puder te abalar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Concord Records
Lançamento: 30 de maio de 2025.

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Crítica

Ouvimos: Foxwarren – “Foxwarren 2”

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Ouvimos: Foxwarren - "Foxwarren 2"

RESENHA: Foxwarren constrói seu segundo disco à distância, em clima lo-fi e onírico, com colagens sonoras que misturam Joni Mitchell, ABBA e Pink Floyd.

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Não fosse pelo fato de samples serem algo bastante acessível nos dias de hoje – e não traquitanas caras e com usabilidade complicada – discos como Foxwarren 2 jamais teriam sido feitos. Andy Shauf, Dallas Bryson, Colin Nealis e os irmãos Avery e Darryl Kissick, espalhados em quatro lugares diferentes, basicamente construíram o disco em suas próprias salas de gravação, inserindo material à distância numa pasta compartilhada.

Se por um lado, esses trabalhos remotos são comuns no dia de hoje, por outro a distância acaba se tornando um integrante a mais desse tipo de projeto. Foi o que rolou, por exemplo, em Tall tales, disco de Mark Pritchard & Thom Yorke, feito durante cinco anos de trocas virtuais – mensagens, conversas no Zoom – e sem um único encontro presencial.

Foxwarren 2 tem a mesma onda de colagem sonora, o que muitas vezes pode tornar tudo desnorteador até demais. Mesmo em momentos de beleza como Dance, balada levada adiante pelo piano, e com emanações de Joni Mitchell e Laura Nyro. Ou em Serious, canção sixties, com clima meio psicodélico, lembrando as ondas cinematográficas do começo do Pink Floyd. Tudo soa “distante”, como fantasmas de outra dimensão.

Um lado dançante surge em Deadhead, com riff de guitarra à frente, piano e flauta conduzindo a faixa, e algo de Prince. Round&round é uma faixa curta que poderia ter ficado maior: um r&b indie com ares de ABBA, Beach Boys e Stereolab. O pop elegante e barroco comanda faixas como Dress, Slepping, Strange e Listen2me.

Yvonne, uma das mais brilhantes do álbum, é um som praiano e solar, mas discreto – como a musica de uma praia distante, deserta e misteriosa. Enquanto Wings surge com climas lo-fi e heranças musicais da era disco, com cordas patinantes. Um disco em que você vai passando pelas músicas como quem muda de canal, ou procura um filme para ver no streaming, e acaba escutando trechos de diálogos enquanto decide o que ver.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Anti
Lançamento: 30 de maio de 2025.

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