Crítica
Ouvimos: Laura Marling, “Patterns in repeat”

- Patterns in repeat é o oitavo álbum da cantora britânica Laura Marling, que produziu o álbum ao lado de Dom Monks. É o primeiro álbum da cantora em quatro anos.
- O disco foi gravado no estúdio caseiro de Marling e no Bert Jansch Studio, em Londres. As cordas foram gravadas no Smilo Sound no Brooklyn, Nova York.
- O novo álbum foi inspirado pelo nascimento da filha de Laura. “Ao longo de nove meses, eu me preparei alegremente para o fato de que minha vida como compositora seria colocada em espera enquanto eu me ajustava à vida como uma nova mãe. Quão feliz fiquei então ao descobrir que, durante os primeiros meses de vida de um bebê, você pode colocá-lo em um pula-pula e tocar violão o dia todo”, disse. “Pela primeira vez na minha vida, eu pude olhar nos olhos de outro ser humano enquanto escrevia”.
Em alguns momentos da audição do novo disco de Laura Marling, vem à mente Show me a smile, a doce canção de ninar entoada por Christine McVie no final do álbum Future games, do Fleetwood Mac (1971). O belo indie-folk de Laura não tem muito a ver com o blues-rock estradeiro da banda britânica, mas filtrada pela canção de McVie, a lembrança faz sentido: Patterns in repeat é basicamente um disco de conforto, de acolhimento em meio a dias complicados e lembranças nem sempre felizes.
Em Song for our daughter, disco anterior (2020), Laura fez as músicas tendo uma filha fictícia em mente. A ficção virou realidade: em 2023 nasceu a primeira filha da cantora, e o material vem inspirado pelo nascimento, pela criação e pela história que o nascimento de uma mulher carrega – daí os “padrões em repetição” do nome do álbum, aludindo a tudo que passamos adiante ao educar uma criança. A faixa-título traz na letra imagens e lembranças dolorosas, encerrando com a chegada de um novo amor e os versos: “quero que você tenha um pedaço da minha chama maternal/parte de mim, eternidade, uma tolerância à dor”.
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Song for our daughter, o anterior, tinha uma chama musical parecida com a dos discos de Joni Mitchell. Patterns soa mais tranquilo ainda: não tem bateria, não tem nenhum tipo de sujeira rocker, e investe numa combinação quase mágica de voz, violão, cordas e alguns sintetizadores, em canções que soam como cartas para a filha de Laura. Como em Child of mine (“algumas vezes você vai a lugares aos quais não posso ir/mas eu tenho falado com os anjos que vão proteger você”), ou em Patterns, canção com vocais em overdub e cantos de pássaros, com os versos “onforme esses anos passam, eles olharão para você gentilmente como um amigo/um padrão em repetição/e nunca acaba”. Your girl é uma canção de voz, guitarra e cordas, que soa como uma carta de despedida para um pai ou avô (“corri para perguntar aos meus amigos/é assim que a gente se sente quando acaba?”).
Algumas das tais “cartas” de Laura não são para a filha entender agora, como no conto de amor e sexo No one’s gonna love you like I can, o abandono da cantiga The shadows ou o conto de desamor Caroline, que parece bastante inspirado em Bob Dylan. Uma curiosidade é o terno retrato da velhice de Looking back, uma balada de ninar que abre com uma referência de My way, hit de Frank Sinatra. Chegando no final, a simplicidade de Lullaby, canção de ninar que ganha também uma versão instrumental, e o clima meio Carpenters, meio Judee Sill da faixa-título.
Nota: 9
Gravadora: Chrysalis/Partisan
Crítica
Ouvimos: Davido – “5ive”

RESENHA: Com clima de verão, 5ive mostra Davido misturando tendências do afropop em um disco ambicioso e cheio de possíveis hits – mas precisava mesmo fazer um feat com Chris Brown?
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Aquele clima de praia, azaração (ainda se diz isso?), gente bonita e você, portando um drinque com guarda-chuvinha e usando uma camisa de botão no estilo do Magnum. Provavelmente é o que vai ficar na sua mente enquanto você ouve 5ive, quinto disco do popstar norte-americano de ascendência nigeriana David Adedeji Adeleke, ou simplesmente Davido.
Com um número enorme de convidados e um passeio por uma gama de estilos que pode ser definida como afropop (mas abarca reggaeton, trap, kuduro, pop latino, o africano highlife, etc), Davido é um cara cascudo e autoconfiante – a ponto de abrir seu álbum novo com uma vinheta orquestrada e narrada na qual se compara ao Davi da batalha bíblica com o gigante Golias. O repertório de 5ive mistura gastação de onda típica do trap, vibes afrolatinas e, volta e meia, temas de amor, sexo e territórios dominados.
É o que rola em faixas como Anything, Offa me (com Victoria Monet), R&B (que une o estilo ao trap) e Awuke – essa última, uma parceria com YG Marley, o filho de Lauryn Hill e Rohan Marley, e neto de Bob Marley, e uma das músicas em que Davido mostra influências do amapiano, um combinado de estilos e misturas musicais vindo da África do Sul. Essas mesclas dominam também faixas como Lover boy (com os franceses Tayc e Dadju) e With you (com Omah Lay), duas músicas que surgem no finalzinho do disco, e que dariam bons hits no Brasil.
Isso porque algumas coisas de 5ive são, digamos, análogas a muita coisa já testada e aprovada por aqui – só que vêm com uma cara bem diferente. A ótima Lately poderia ser gravada pela Shakira, e Tek (com Becky G), ganha um ar de lambada, e é aberta por um riff de sax que parece um corte feito a gilete no saxofone de Careless whispers, de George Michael. Indica que Davido, provavelmente, em algum momento, pode acabar estourando por aqui. E esse número enorme de convidados, claro, já é um esforço para chegar nos fandoms mais variados, o que também indica que, em algum momento, pode rolar um feat com algum nome brasileiro (Ivete Sangalo, não, pelo amor de deus).
A vontade de variar os feats acabou fazendo alguém da produção de 5ive, talvez o próprio Davido, viajar feio na maionese. O canceladaço Chris Brown surge soltando (mal) a voz em Titanium, uma música nota 2 do disco, e faz vir à mente a pergunta: “quem pediu isso?”. Em compensação, no animado afropop Funds, Davido dá espaço a dois nomes do pop nigeriano, Odumodublvck e Chike, e ele mesmo acaba servindo de ponte para que o afropop surja no mercado norte-americano diretíssimo da fonte. Mesmo com a irregularidade típica dos enormes discos pop de hoje em dia, 5ive vem com cara de território dominado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: DMW/Columbia
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: 43duo – “Sã verdade” (EP)

RESENHA: O 43duo mistura pós-punk e psicodelia com naturalidade no EP Sã verdade, unindo grooves, ecos 60s/80s e letras poéticas e instintivas.
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O 43duo é uma dupla-banda de Paranavaí (PR) que toca de maneira bem peculiar: enquanto Hugo Ubaldo faz guitarras circulares, assemelhadas a loops de fita, Luana Santana toca teclados – inclusive synth bass – e bateria ao mesmo tempo (haja coordenação motora!). E os dois dividem os vocais. Com influências assumidas de Tame Impala, Boogarins, The White Stripes e Pink Floyd, mostram no EP Sã verdade uma mescla quase natural de pós-punk e psicodelia, buscando climas e timbres que aludam tanto a The Who, Kinks e Beatles quanto a Echo and The Bunnymen.
A faixa-título abre com um ataque de guitarra e bateria bastante sessentista, mas que logo vai buscando lugar no lado mais garageiro e profundo do rock britânico oitentista – com psicodelia vaporosa e delicada, algum peso, uma guitarra meio The Edge, meio blues-rock e final viajante. Sal e sina tem base forte, som que ocupa espaços e união de sons cavalares e brasilidades. Navio de sonhos une mod rock e vibrações sombrias num espaço repleto de eco e trevas – muito embora as letras do 43duo sejam poéticas e até naturalistas.
Essa sonoridade ganha contornos mágicos na voadora Guabiruba pt. II, um dream pop sobre as mutações do mundo e a força da natureza, unindo punk garageiro e ritmos nacionais. A balançada Cabeça vazia (Chuva cinza) lembra uma versão groovada dos Mutantes e do Som Imaginário. Concreto, aberta por clima desértico, soa quase stoner, lascada, lisérgica no arranjo, punk na execução, enquanto Lispector é um pós-punk com discreta cara beatle.
Uma das principais características do 43duo é que o som deles não parece vir de uma enorme esquentação de mufa. A sonoridade e o clima das letras parecem vir de uma mistura natural, e de uma voz pessoal como compositores e músicos adquirida em ensaios e reuniões de criação. Sã verdade – uma brincadeira poética com a “pós-verdade”, como se fosse o oposto dela – consegue parecer confortável e desafiador ao mesmo tempo, e conquista os ouvidos por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Beto – “Matriz infinita do sonho”

RESENHA: Em Matriz infinita do sonho, Beto cria uma MPB psicodélica e cinematográfica, misturando rock, ritmos afro-brasileiros e espiritualidade vivida.
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Beto, músico e cantor pernambucano, impressiona pelas texturas e pelo clima quase cinematográfico que imprime às faixas de Matriz infinita do sonho – sempre apontando para os lados da negritude, da espiritualidade e dos conhecimentos que só aparecem com a vivência pessoal. Coração preto, na abertura, é um rock abolerado com metais, guitarra com várias distorções no solo, e melodia com certo ar beatle – uma MPB com clima de rock que evoca Lanny Gordin. Pedra verde traz cordas rangendo, dando um som mágico e forte a uma música cujo violão tem emanações de Gilberto Gil.
Beto também apresenta em Matriz canções marítimas (Never die, Yara do mar), pequenos ritos musicados (Peixa), um tema jazzístico, experimental e percussivo (Marx Mellow, com Vitor Araújo no piano) e um reggae com células rítmicas alteradas pelo piano, que vai se aproximando de um dub (Brinquedo). Dandara é som com cara de Gal Costa e João Donato, e Valsinha, surpresa no disco, é uma valsa selvagem, com bastante percussão no começo e psicodelia injetada pela guitarra.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: YB Music
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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