Crítica
Ouvimos: Hurray For The Riff Raff, “The past is still alive”

- The past is still alive é o nono álbum do projeto musical Hurray For The Riff Raff, criado por Alynda Segarra, responsável pelos vocais e composições. O disco foi produzido por Brad Cook.
- Alynda é pessoa não-binária, nasceu no Bronx e viveu bastante tempo em Nova Orleans. Começou a escrever poesia desde cedo e ouvia música da Motown por intermédio de tios com quem morou.
- No fim da adolescência, passou dois anos viajando de trem pelos Estados Unidos com colegas. Alynda e seus novos amigos costumavam pegar carona em trens de carga e a turma já foi pega pela polícia algumss vezes. “Naquele ponto, eu estava ouvindo Woody Guthrie profundamente”, contou Alynda, que pensou até em trabalhar piilotando trens.
É possível criar coisas novas num estilo musical repleto de reis (e poucas rainhas), e que geralmente despeja nas rádios e nas plataformas digitais uma renca de canções sonolentas. A junção de várias nomenclaturas (country, folk, country-rock, heartland rock, rock sulista, bittersweet) que geralmente é comercializada pelo nome de americana, ganhou um/uma correspondente indie na figura de Alynda Segarra, a voz da banda indie Hurray For The Riff Raff.
Não apenas isso: The past is still alive, o novo álbum, mostra de verdade aquela sensação de que o passado ainda é presente. Isso rola não apenas por causa do repertório estradeiro, rico na exibição de aventuras solitárias por lugares que podem ser tão atraentes quanto perigosos. O disco novo do projeto de Alynda vai fundo na noção de que caminho e vida se misturam. E de que a memória dos lugares tem muito a ver com nossa própria existência, nosso desconhecimento dos perigos que eram corridos em determinadas situações.
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Entre violões, slide guitars e canções introspectivas, Alynda fala sobre a “menina com uma faca e uma falsa identidade/um saco de dormir e uma mochila na cidade grande” em Hawkmoon, aconselha que “o tempo pode te levar para um passeio/pode te pegar de surpresa” em Alibi, encara a estrada como fator modificador de vidas e como conexão com o passado na bela Colossus of roads, adere ao country fora-da-lei e nostálgico em Dynamo.
Já o country-rock Vetiver resume o disco com o verso “está tudo no passado, mas o passado ainda está vivo/minha raiz vive no lastro da linha principal”. Hourglass, por sua vez, é a balada triste dos versos “ainda me sinto como o garoto sujo que comia da lata de lixo/sei que provavelmente deveria superar isso/mas de alguma forma parece que ainda estou nessa”. Não é por acaso que lá pelo final, o disco tem uma balada anos 1950 chamada The world is dangerous, e que a quase faixa-título Snake plant (The past is still alive) tem versos aludindo a um duro começo de carreira na música: “toco minha música para o bando de malucos/e vamos roubar na hora de comer/eles nem sabem meu nome”.
Nota: 8
Gravadora: Nonesuch
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Basia Bulat, “Basia’s palace”

O tecnobrega invadiu o alt-pop-country canadense! E a responsável por esse encontro inusitado é Basia Bulat, uma cantora cuja carreira já soma duas décadas, e cujo instrumento de devoção é o autoharp – uma espécie de harpa-cítara de mão que volta e meia é usada no country.
A bem da verdade, Basia mal deve saber que encostou na cena pop paraense, mas Basia’s palace, seu novo disco, tem a gozada Disco polo – que na prática é um rock country com batidinha dançante, que faz referência a uma velha mania musical de seu pai, fã da improvável mistura de ritmos da dance music polonesa (!).
A música, single de Basia’s palace, tem lá seus cruzamentos com os alegres tons sintetizados do tecnobrega. E representa bem o que é o novo disco da cantora, com um pé na beleza country (os arranjos de cordas são lindos, por exemplo) e o outro pé numa noção pop que passa até por Madonna, Fleetwood Mac e ABBA – os três audíveis como referências em faixas como o r&b bubblegum My angel, o soft rock dançante de Baby e Spirit, e até na balada Right now, que abre com um piano no estilo John Lennon e tem certo clima beatle.
É por aí que Basia’s palace segue, trilhado também em corredores como progressivo pop de FM (The moon), pós-punk ambient e robotizado (Laughter) e até sons que lembram diretamente a tristeza do Radiohead (Daylight e o encerramento com Curtain call). No fim das contas, um disco sensível e cheio de lembranças, verdades e cicatrizes, mas que não esfrega a tristeza na cara do ouvinte de forma tão intensa – até porque as melodias e os arranjos garantem mais contemplação do que depressão.
Nota: 9
Gravadora: Secret City Records
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Baths, “Gut”

Após quase uma década, Will Weisenfeld retoma o nome Baths e entrega Gut, um álbum que não apenas expande seu espectro sonoro – do eletropop aos sons acústicos – mas também sua franqueza emocional. Se sua discografia sempre foi marcada por experimentação e coragem, aqui ele dá um passo além: expõe sua verdade sem filtros, explorando seu cotidiano e sua vivência como homem queer. Sexo, desejo, relacionamentos enrolados, inveja de amores tranquilos, carências, homofobia – tudo está ali, abordado com honestidade quase desconcertante.
Em uma entrevista à newsletter Last Donut of the Night, Will lamentou que músicas sobre sexo costumem ser enxergadas de maneira “sexy”. Seu objetivo em Gut era ser assertivo, direto, sem romantizações. “Esta é a maneira como uma pessoa gay moderna interage com o mundo por meio da atividade sexual”, afirmou, dando a medida da franqueza que buscava. Letras como a de Governed traduzem bem essa abordagem crua: “ator, cronicamente atuando / eu fodo sem honestidade / tenho tido menos amigos em minha cama do que a maioria dos homens gays”. Já Homosexuals escancara seu manifesto: “por favor, me devore / que a massa de todos nós digeridos / seja camaradagem”.
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O álbum se encerra com The sound of a blooming flower, um épico dream pop de sete minutos que começa melancólico no piano e cresce em intensidade. No refrão, Will entrega uma confissão devastadora: “alguma beleza simplesmente aniquila completamente / passei um ano suspirando por alguém cego para mim / comportando-me como se habitasse algum tipo de monstruosidade”.
Se as letras já chocam pela franqueza, a diversidade sonora de Gut também impressiona. Há beats inventivos mesclados com folk e chamber pop (Eyewall, American mythos, Homosexuals, Sea of men), além de faixas etéreas e introspectivas (Eden, Peacocking). Cedar stairwell, uma das poucas canções que exploram um amor gay tranquilo, traz um instrumental contemplativo de cordas, mas ainda assim é uma balada R&B com ares de pop adulto dos anos 1980. Já Chaos soa como um Queen-ABBA sombrio, enquanto Governed aposta num rock eletrônico com vocais graves e quase falados.
De modo geral, mesmo o que não funciona de cara em Gut, ou tem absorção difícil, acaba instigando. No mais, as verdades ditas nas letras levam quem ouve o disco a encarar suas próprias verdades – o que já garante pontos.
Nota: 9
Gravadora: Basement’s Basement
Lançamento: 21 de fevereiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Father John Misty, “I love you honeybear demos etc”

I love you, honeybear (2015), o segundo disco de Father John Misty (codinome usado pelo músico Josh Tillman, você deve saber), costuma disputar com Pure comedy, de 2017, o título de “melhor disco dele” – particularmente achamos que Mahashmashana, lançado ano passado, merece entrar na briga. As demos de Honeybear começaram a circular em K7 oficial da Sub Pop/Bella Union quase ao mesmo tempo que o álbum, e agora chegam finalmente às plataformas digitais.
Não é nada que vá ultrapassar o disco oficial em termos de qualidade. Basicamente são os esqueletos das canções do álbum, em versões bem cruas – algumas delas, parecendo que FJM tinha acabado de compor as músicas, ou estava tocando simultaneamente ao processo de composição. Violões vindo “lá de longe” surgem em I luv U honeybear (com quase 30 segundos de silêncio no fim), Chateau/First time (primeira passada da nupcial Chateau lobby $4 – In C for Two virgins) e True affection, que fica parecendo mais uma canção ambient dos anos 1970, ou uma faixa de um disco de BGs de rádio.
Já Holy shit volta com o nome de Past is a nightmare I’m trying to wake up from, e mais parece uma demo de algum nome cabisbaixo dos anos 1970, como Stu Nunnery ou John Denver. Como bônus da nova edição, Heart shaped box, do Nirvana, ressuge em voz e violão, com interpretação OK e sem dramaticidade – e junta-se à versão de Nobody’s Nixon, de Cass McCombs, que já fazia parte do K7.
No fim, é basicamente o disco original soando como se viesse de alguma gaveta que não era remexida desde 1981, com estalidos e sons de fundo – sem cordas, sem o clima grandiloquente, etc. É para fãs, e tem seu charme.
Nota: 7,5
Gravadora: Sub Pop/Bella Union
Lançamento: 25 de janeiro de 2025.
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