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Crítica

Ouvimos: Julien Baker e Torres, “Send a prayer my way”

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Julien Baker e Torres, “Send a prayer my way”

Do clima confessional, indie e quase sempre ruidoso das carreiras solo de Julien Baker e Torres, só sobrou o confessional nesse disco em dupla, Send a prayer my way, voltado para o country. E surgido de algo que parece o “vamos marcar” típico do Rio de Janeiro, com as duas virando-se uma para a outra após um show em 2016, e dizendo “vamos fazer um disco juntas?” (três anos depois, numa mensagem de texto, o lance evoluiu para “vamos fazer um disco country?”, ideia que ainda levaria um tempo para se concretizar).

O começo de Send a prayer my way até engana e dá a entender que as duas resolveram seguir fielmente tal proposta. Dirt une violão, guitarra e cordas numa música que fala sobre relacionamento enrolado e abusivo, The only marble I’ve got left é uma balada country sobre gente encrenqueira (“está é uma musiquinha sobre ser maluca e um pouco estranha”, andaram dizendo as duas). Daí para a frente, Julien e Torres entregam-se a um metacountry que soa mais como country de roqueiro, ou como as experiências soft rock que Julien fez no disco do Boygenius. E a graça do disco é justamente essa: é o country delas, com a cara delas, sem estatuto.

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O som fica mais urbano na canção de amor-até-o-fim Sugar in the tank, na música para beber e brigar Bottom of a bottle, e daí para diante muito do som de Rumours, do Fleetwood Mac, bate em faixas como Downhill both ways e No desert flower, duas músicas em clima montanhês. Tape runs out e Off the wagon, por sua vez, são duas canções com ar pinkfloydiano, enquanto Showdown é uma balada de violão que tem até algo de Dear Prudence, dos Beatles, na abertura.

Send a prayer my way é um disco country que se conecta com o rock – não o oposto, vale dizer. E que usa o storytelling do country para bater fundo no imaginário queer. Tuesday, uma canção que fala sobre um namoro que naufragou por causa de pressão familiar, culpa religiosa e homofobia, é um dos melhores exemplos disso. Torres e Julien contam a história da perspectiva de quem sofreu mas tudo é passado (“por uma década deixei você viver na minha cabeça / mas com esse exorcismo, coloquei nossa história para dormir / e mais uma coisa: se você ouvir essa música / diga pra sua mãe ir chupar um ovo”, um recado malcriado para a Tuesday, a garota do título).

Goodbye baby, por sua vez, encerra o disco respondendo a todas as canções de Send… com amor tranquilo e felicidade (“o mundo não parou de girar / porque ela está indo embora por um tempinho / graças a deus, hoje à noite, aquela mulher / ela está voltando para casa, para mim”). Um disco que cruza fronteiras musicais, e reorganiza tudo.

Nota: 9
Gravadora: Matador Records
Lançamento: 18 de abril de 2025.

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Ouvimos: Mark Pritchard & Thom Yorke, “Tall tales”

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Ouvimos: Mark Pritchard & Thom Yorke, "Tall tales"

DJ e produtor, o britânico Mark Pritchard é uma companhia perfeita para Thom Yorke mergulhar em experimentações. Além da experiência de ambos em criar atmosferas sonoras densas e sensoriais, há um espírito comum: o gosto por projetos paralelos. Pritchard coleciona codinomes e colaborações; Yorke, por sua vez, é o tipo de artista que raramente se acomoda.

Tall tales, projeto que une música e filme, nasceu de um encontro entre os dois em 2011, quando Pritchard remixou faixas do Radiohead, e começou a tomar forma em 2020, em plena pandemia. Foi justamente o isolamento que impulsionou a colaboração: Thom, entediado em casa, pediu que Mark lhe enviasse ideias para trabalhar. O que se seguiu foram cinco anos de trocas virtuais — mensagens, conversas no Zoom — sem um único encontro presencial.

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A proposta era buscar sons não convencionais. Mark cavou fundo em synths fora de linha e softwares obscuros, enquanto Thom deixou de lado guitarras e investiu em sintetizadores e distorções vocais. O resultado? Um disco sem calor, nascido da distância e da incerteza — e que reflete exatamente isso. E não entenda o “sem calor” como depreciativo: o gelo faz parte da aventura.

Mesmo para os padrões já estranhos de Yorke, Tall Tales soa dissonante, tenso e desolador. A fake in faker’s world e Ice shelf, que abrem o disco, sugerem que estamos sempre à beira de um abismo — a segunda amplifica essa sensação com uma sirene circular e hipnótica. Bugging out again até soa etérea, quase sonhadora, mas só depois de atravessarmos um corredor de vocais distorcidos e espectrais.

Do início ao fim, Tall Tales é um álbum gelado. Suas letras lembram fábulas, e suas faixas se alinham ao modelo de “não-canção” explorado pelo Radiohead em Kid A. Back in the game e Gangsters poderiam muito bem estar em trilhas de videogame — assim como a batida seca e minimalista de This conversation is missing your voice evoca o som vintage de um Tele-Jogo (lembra disso?). The white cliffs traz um blues ambient repleto de sintetizadores, com clima espectral e distante, quase como uma miragem — uma imagem potente para um mundo confuso como o de 2020. Já a faixa-título sintetiza o mundo como um deserto, em clima sombrio.

Entre tantas abstrações, The man who dances in stag’s head se destaca por lembrar uma canção de verdade — ainda que no sentido mais torto do termo. É uma balada que remete a Lou Reed, com pandeirola, vocais quase falados e atmosfera desolada que remete a Here she comes now, do Velvet Underground. Já a faixa final, Wandering genie, mistura vocais sobrepostos, cordas e sintetizadores até virar puro vento — como se tudo fosse varrido por uma força invisível.

No fim das contas, é art rock — mas bem mais art do que rock puro, como boa parte da trajetória do Radiohead.

Nota: 9
Gravadora: Warp
Lançamento: 9 de maio de 2025

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Ouvimos: Shn Shn, “Serpent’s skin”

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Ouvimos: Shn Shn, “Serpent’s skin”

Vinda do Canadá, a musicista, compositora e cantora Shn Shn (nome verdadeiro: Shanika Lewis-Waddell) se dedica a um experimentalismo eletrônico que lembra bastante a vibe dos anos 1980 – e daquele som que costumava ser chamado de new age. A música de seu primeiro álbum, Serpent’s skin, é um ambient relaxante, que se cruza com vários estilos, e que alterna silêncios e sons em poucos segundos. Outerlands une esse design sonoro com reggae, Divergent paths é um soul eletrônico que lembra um tema de filme (com direito a conversas ao fundo) e Home is another place cria um ambiente relaxante e caseiro, com teclados, cordas e poucas notas.

O som esparso do disco traz outras coisas na receita. Há um toque forte de jazz e afrobeats distribuídos pela sonoridade de Serpent’s skin. Um som que lembra uma steel drum coadjuva a visonária Glimmer, batidas afro criadas por baixo, teclados e cordas criam New horizons e um concretismo musical cavernoso dá as caras em Tender bodies. Anomalies e Blip in the… são temas de piano, marcados por ruídos de fundo, barulhos marítimos e por uma microfonação que revela o ruído do banquinho usado por Shn Shn. Já Flow é um ambient “voador” e percussivo. Um disco que convida à escuta atenta, e que revela novas camadas a cada audição.

Nota: 8
Gravadora: Stadik Records
Lançamento: 28 de março de 2025.

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Ouvimos: Big|Brave, “OST”

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Ouvimos: Big|Brave, "OST"

O som do grupo canadense de metal experimental Big|Brave já está bem longe de ser um dos mais acessíveis do mundo – sonoridades como rock industrial e shoegaze são pouca areia na hora de definir a banda. Mas dessa vez o grupo foi longe demais: OST (original soundtrack, “trilha sonora original”) é uma “trilha sonora” feita sem que haja um filme para o qual ela tenha sido composta – e a banda entrou em estúdio sem ter nenhuma composição pronta, só com a disposição para improvisar em cima do que aparecesse.

Esse clima de Araçá azul do demo perpassa todas as oito faixas do disco – todas chamadas Innominate, variando apenas o número delas (de I a VIII). Quem quer conferir sons aterrorizantes, pode pular para a Innominate nº II, com notas sombrias de piano, ruídos de estática e um zumbido que parece alguém bem de longe querendo dizer algo. O disco abre com ruídos que vêm de longe (na Innominate nº I), segue com tremeliçações sonoras (na III) e com algo que se assemelha a barulho de metal vibrando (na IV) – praticamente uma enciclopédia experimenta musical, que soa mais como os ruídos de fundo de um filme do que com a música usada para um galã beijar a gatinha, ou a câmera mostrar um cenário infinito.

Se você não estiver com a menor vontade de se irritar, recomendamos pular a Innominate nº V – os barulhos soam tanto como um inseto voando, que chega a dar vontade de pegar um jornal para matar o bicho. A Innominate nº VII volta vagamente para o clima de terror da segunda faixa, com gritos que parecem vir de uma comemoração, mas ganham logo um tom de horror – em meio a sons que lembram um berimbau sendo tocado e tratado eletronicamente. Ousadia musical para poucos, e poucas.

Nota: 7,5
Gravadora: Thrill Jockey Records
Lançamento: 25 de abril de 2025

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