Crítica
Ouvimos: Frog Eyes, “The open up”

Com 24 anos de carreira indie (embora tenha havido um hiato entre 2018 e 2022), o Frog Eyes chega ao décimo-primeiro álbum, The open up, requisitando um lugar na gaveta dos grandes revisionistas moderninhos do rock. Se Carey Marcer (voz, guitarra) e Melanie Campbell (bateria) tivessem montado a banda lá por 1978, o Frog Eyes seria escutado pela mesma turma que botava nas alturas artistas como Elvis Costello, Rickie Lee Jones, Warren Zevon, Talking Heads e outros – a galera moderninha, nerd, que colocava micropontos (ou maxipontos) de tensão nervosa em blueprints do rock e da música pop.
Não por acaso, The open up é fortemente influenciado por uma mescla de Buzzcocks, o Elvis Costello dos primeiros anos e até rock dos anos 1950, com todos aqueles maneirismos e gaguejadas vocais. É o que rola no clima psicodélico de araque de Television, a ghost in my head, no clima Gene Vincent-Buddy Holly de E-E-Y-O-R-E (That’s me!) – música também aparentada de Blondie, The Jam, Buzzcocks e de grupos esquecidos como Medium Medium e The Stroke Band – e nos staccatos de I walk out of there (Ambulance song).
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Nessa primeira parte do disco, é possível achar também punk rock classudo lembrando Clash (Put a little light on the wretch that is me) e mais vibes meio anos 1950 meio new wave (I’m little at a loss). Já no “outro lado” de The open up, o Frog Eyes arrisca e torna-se uma banda climática, ambient, experimental, lembrando as primeiras iniciativas solo de Brian Eno e a fase Berlim de David Bowie, chegando perto do Public Image Ltd em I see the same things e mexendo com células rítmicas de reggae em Adam is my brother friend. Já Chin up tem a mesma dramaticidade do Bowie de discos como Diamond dogs.
The open up despede-se com o experimentalismo de duas faixas. Trash crab, com quase sete minutos, é pós-punk viajante e levemente psicodélico, às vezes lembrando Joy Division. E The open up dream of a lost receipt é o som mais meditativo do disco, com teclados, percussões e guitarras em tom calmo – uma balada anos 1950/60 com banho de psicodelia. O Frog Eyes poderia ter distribuído suas duas faces com “pílulas” nos dois lados, mas preferiu ir seguindo em direção ao menos acessível, no decorrer do álbum – o que denota bastante independência, vamos dizer assim.
Nota: 8,5
Gravadora: Paper Bag Records
Lançamento: 7 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Sault, “10”

O Sault continua misterioso como sempre. 10, novo disco, saiu de surpresa na internet, mas as informações são poucas. Observando os créditos das faixas no Spotify, dá para ver que o casal Cleo Sol (compositora e cantora) e In-Flo (produtor, compositor) fez tudo, juntando forças com colaboradores importantes como o baixista Pino Palladino, o rapper Chronixx, a compositora Lydia Kitto e o jazzista afrobeat Duane Atherley. Levando em conta que o Sault gosta de arremessar discos nas plataformas e depois sumir com eles, sabe-se lá o que vem por aí, se esse 10 vai chegar até 2026 disponível, ou não.
O que se sabia do Sault era que havia um núcleo duro formado por Cleo Sol, Kid Sister, Little Simz, Chronixx, Michael Kiwanuka e o produtor In-Flo. Provavelmente essa corrente foi quebrada para 10: Little Simz reclama que emprestou dois milhões de libras para In-Flo e nunca viu a cor do dinheiro, e a coisa vem rolando nos tribunais.
Já o som, seja lá o que tenha acontecido nas internas, volta mais ágil, mais ligado ao funk, mais ligado a energias de cura e a tons quase religiosos – e mandando bala na fusão jazz-soul, em faixas cujos títulos, vai entender o motivo, surgem abreviadas. The healing, uma música agitada sobre manter as emoções em dia, com sussurros, batuques e recordações do disco Off the wall, de Michael Jackson, vira T.H. Já Know that you will survive, que lembra as incursões de Lulu Santos pelas recordações da disco music durante os anos 1990, até nas linhas vocais, torna-se K.T.Y.W.S., e vai por aí.
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Prosseguindo, R.L. (Real love) é fusion leve com cara boogie, remetendo a Lincoln Olivetti e Earth, Wind and Fire. Outras facetas ligadas à música brasileira aparecem em H.T.T.R. (Higher than the rain), com batida afro latina no comelo, ruídos de chuva e um clima praieiro, de soul impregnado de Gilberto Gil e Caetano Veloso. S.O.T.H. (Sounds of the healing) é soul balançado e hipnótico, e parece coisa de quem escutou muito discos como Limite das águas (1977), de Edu Lobo, com sua fusão nordeste-jazz-soul. Tem ainda S.I.T.L. (Sorry it’s too late), com piano em cascata na abertura, e sequência com piano e synth, num clima de pop adulto que lembra Guilherme Arantes ou 14 Bis, pelo menos inicialmente – porque a bateria seca e o clima de soul progressivo guiam tudo para os anos 1970 e para hits de Stevie Wonder ou Terry Callier.
Esse clima viajante é o que dá a cara do som do Sault, e parece ter virado o verdadeiro objetivo do grupo em 10. Faixas como W.A.L. (We are living) e P (Power) soam como inícios de grandes suítes sonoras e dançantes, com frases insttrumentais e vocais que surgem como loops, e que parecem querer hipnotizar o/a ouvinte. L.U. (Look up) tem clima soul-indie-rocker e distorções na guitarra, parecendo uma música da fase psicodélica de algum grupo da Motown. No geral, algo para descobrir rápido: ouça 10 e aproveite antes que o Sault decida tirar o disco das plataformas.
Nota: 10
Gravadora: Forever Living Originals
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Pai Guga, “O túmulo do mergulhador”

Guga Valiante está há quase duas décadas cantando na banda Amplexos, de Volta Redonda (RJ) – um grupo cuja sonoridade une rock, afrobeat, brasilidades e boa mão para a composição pop. Com o nome artístico de Pai Guga, ele estreia em carreira solo com o álbum O túmulo do mergulhador, e se dedica não apenas a um som pessoal, como também a um imaginário pessoal. As faixas do álbum falam sobre descobertas, psicanálise, ansiedade, conversas com o espelho (Mirror) e palavras não ditas de modo geral (Feitiço, soul com cara de Titãs que ganha aparência de música eletrônica anos 1990, é bem isso).
Musicalmente, Pai Guga faz de O túmulo um disco psicodélico e variado. Essa vibe já surge na primeira faixa, Preciso, um samba-marcha que evoca Caetano Veloso, com guitarra lembrando Lanny Gordin e a Gal Costa de 1971. Lua rosa é MPB bregadélica, focando em gatilhos, crises de pânico e necessidade de respirar. Vento é MPB dream pop lembrando simultaneamente Charlie Brown Jr e Marcos Valle. Relacionamentos entre pai e filho, e entre tipos diferentes de masculinidade, brotam no drum’n bass tenso de A chave.
Guga traz de volta pensamentos e histórias da infância na parte final do disco, na união de folk e Jorge Ben de Gira e no diálogo entre ele e sua criança do neo soul Voo. O túmulo do mergulhador ressoa como uma sessão de terapia que virou letra e música, e ponte entre artista e ouvinte.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Florist, “Jellywish”

O Florist é “um projeto de amizade, vindo das montanhas Catskill” – uma região montanhosa do sul de Nova York, onde se localiza a cidade de Bethel, que abrigou em 1969 o festival de Woodstock. É também um grupo que mexe com as seguranças e as dúvidas de quem o escuta. Jellywish, segundo disco do Florist, é sem dúvida um disco que estabelece uma relação de proximidade com o/a ouvinte, entre violões, teclados, percussões discretas e os vocais angelicais de Emily Sprague.
Mas aí você escuta Levitate, a primeira faixa, um folk tranquilo relacionado com Joan Baez, e depara com os versos: “todo dia eu acordo, espero pela tragédia / humanidade desequilibrada / alguma coisa deveria ser prazerosa quando o sofrimento está em toda parte”. Have heaven, folk percussivo na onda de Peter Gabriel e Cat Stevens, mas com certo design sombrio, prega que “logo logo não seremos nada mais do que um desenho animado / flutuando pelo universo”. Jellyfish, folk meio Bob Dylan meio Joan Baez, com guitarra coberta de efeitos e pandeirola, enxerga a luz no fim do túnel (“sua vida vale muito / destrua o sentimento de que você não é o suficiente”), mas faz pausa dramática depois do verso “nada é garantido, só a morte”.
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E é nesses extremos que vai patinando Jellywish, um disco de consolo, mas que fala de sofrimento e dureza como se os músicos da banda tivessem 60 anos, e não uns trinta e poucos. Started to glow é um folk irremediavelmente triste que prega “estou pensando em morrer de novo / é a única coisa que visita minha cabeça”. Em This was a gift, Emily despedaça a voz cantando que “você pode me descrever como se sente estando vivo? / só os mortos sobrevivem”.
O som de Jellywish vai ficando menos introspectivo e pouca coisa mais “pra cima” no clima Wilco-Nando Reis de All the same light, na infantil Sparkle song e na ligeiramente esperançosa Our hearts in a room. Mas a cara do disco é mesmo formada por músicas como Moon, sea, devil, balada folk com micropontos de Knockin on heaven’s door (Bob Dylan) e versos que descrevem a total falta de conexão: “eu olho para fora, há alguém aí? / posso ver através desse véu? / ou estou sozinho agora?”. Ouça quando nada puder te deixar mal.
Nota: 7,5
Gravadora: Double Double Whammy
Lançamento: 4 de abril de 2025.
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