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Crítica

Ouvimos: FKA Twigs, “EUSEXUA”

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Ouvimos: FKA Twigs, "EUSEXUA"
  • EUSEXUA é o terceiro álbum de estúdio da cantora britânica FKA Twigs. Bem antes dele ser lançado, ela afirmou que se tratava de um disco inspirado pela cultura techno. “Sou obcecada por culturas e subculturas alternativas, então estar em um lugar totalmente novo onde eu nunca estive, aquele tipo de rave techno incrível do East Bloc , crianças techno, eu simplesmente não consegui resistir”, contou no programa de TV Jimmy Kimmel Live!.
  • Entre as definições que ela deu para o título do disco, estão: “é o que eu descreveria como o auge da experiência humana. É a sensação de dançar a noite toda e perder horas com a batida” e “estar tão eufórica que transcende a forma humana”. O conceito influenciou também uma exposição de arte criada por ela, The eleven, que foi exibida entre os dias 14 e 26 de setembro do ano passado na Sotheby’s, em Londres.

Está cada vez mais difícil falar de música pop nos dias de hoje – ou por outro lado, está cada vez mais instigante. Se há cinco décadas a pretensão e ousadia vinham do rock, faz alguns anos que as ambições (aham) “progressivas”, conceituais e cinematográficas vêm mesmo é de um estilo musical cuja base, um dia, foi o compacto de dois minutos.

Esse “novo testamento” pop – que não existiria sem David Bowie, Madonna, Prince e Michael Jackson, vale informar – é o que permite a um cara como The Weeknd se recolocar no mercado como art-pop mórbido (foi o que ele fez no novo disco, Hurry up tomorrow). É o que faz com que Charli XCX mova montanhas e venda Brat não apenas como disco, mas como atitude e estilo de vida. É também o que faz com que Anitta vista uma armadura de ferro no clipe de sua nova faixa, o funk hispânico Romeo, com vibe de barracão de escola de samba. A diferença é que tudo que acontece aqui, vira tendência, vira moda, vira discussão em dois dias – ou não, porque pode não atrair a atenção de ninguém (acontece, e muito).

Nas fronteiras do art pop, as coisas muitas vezes dependem de tempo – até de tempo para o gosto de certos artistas e produtores coincidir com o do público, o que nem sempre é molezinha. No caso de Tahliah Debrett Barnett, a artista britânica conhecida como FKA Twigs, a carreira dela foi se desenvolvendo entre EPs, mixtapes e seus dois primeiros álbuns. Mas com EUSEXUA, o terceiro LP, a coisa ameaça virar estilo de vida pop, algo que ultrapassa as condições de um álbum. Talvez aconteça o que rolou com Brat, muito embora esteja cedo para que algo parecido não soe como farsa. Seja como for, o título do disco significa algo como “estar tão eufórica que transcende a forma humana” – algo que possivelmente acena para a diversão química nas raves, com boas doses de sexo livre.

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E aí que EUSEXUA mexe numa área mais densa e (até) psicodélica, num clima de dream pop dado pelos vocais flutuantes e angelicais de FKA. É o que rola na faixa título, uma dance music congelante e lisérgica, que abre o álbum. E na sequência, com Girl feels good, apresentando uma guitarra em meio a uma argamassa eletrônica que tem algo de Madonna e Prince. Drums of death, por sua vez, é feminismo selvagem, sexualizado, com voz robótica e falada: “escute garota/abaixe sua saia no chão (…)/foda quem você quiser/querida, faça isso só por diversão (…)/destrua o sistema, boneca diva/sirva buceta, sirva violência”.

O álbum tem canções que começam de modo quase pontilhista, em que só depois de alguns segundos elas se revelam. Keep it, hold it, cuja letra fala sobre mudanças pessoais, abre com um sintetizador que vem “de longe”, com voz à frente, e em seguida é trilhada no experimentalismo, graças às gravações de vocais e à combinação de teclados e efeitos. A safada Striptease é dream-pop house, com vocais “voadores”, numa viagem sonora e eletrônica. A misteriosa Sticky começa como uma balada de piano com ritmo incomum, e depois torna-se uma faixa de tom eletrônico e quase industrial. Childlike things, com participação de North West, filha de Kim Kardashian, é, no álbum, a faixa mais próxima de um pop puro, infantil e menos “artístico”, quase k-pop.

Uma canção bem instigante em EUSEXUA é 24hr dog, basicamente uma música eletrônica de videogame, ou de aparelho médico, cujo plot bate fundo (e de maneira bem soft-porn) nessa tal história do “transcender a forma humana” que FGA Twigs contou. A letra traz as confissões de uma entidade que se diz “escrava das suas vontades” e que “aparece em outras formas para te agradar” – deixando no ar a ideia de um amor internáutico, feito sob medida e à distância. Enfim, quase um rolê de OnlyFans, já que a tal figura obedece a “tarefas de amor”, e não fica exatamente claro que alguém pegou alguém (“me use para satisfazer o núcleo da sua mente”, diz um dos versos).

Parece que, mesmo com toda a sacanagem envolvida, EUSEXUA parece um Brat do lindo mundo da imaginação. Será uma tendência para 2025?

Nota: 8,5
Gravadora: Young/Atlantic
Lançamento: 24 de janeiro de 2025.

Crítica

Ouvimos: Gaby Amarantos – “Rock doido”

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Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.

RESENHA: Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 29 de agosto de 2025

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Rock doido, o disco novo de Gaby Amarantos, tem um formato que lembra o de discos de bandas casca-grossa como D.R.I.: são 22 faixas curtíssimas em 36 minutos (!). Não é apenas um disco: tem ainda Rock doido, o filme, que traz todas as músicas do álbum filmadas com Gaby, convidados e sua turma, tudo em plano sequência, com o pessoal se movimentando em vários cenários subsequentes.

O disco funciona na medida que você esteja disponível para aprender uma nova forma de ouvir música: Rock doido é totalmente montado como se fosse uma festa, um DJ set, ou um passeio curto pelas festas de aparelhagem do Pará. Junto com a recente volta da Gang do Eletro (resenhada pela gente aqui), é quase um relato de como várias tendências musicais se uniram em momentos diferentes para gerar o tecnobrega e estilos afins.

Não é um disco feito para “tocar no rádio” e está mais para um suposto antecipador de tendências que, provavelmente, vão dar canal no rádio ou na TV em algum momento – a graça de Rock doido é justamente o lado multimídia dele, de ser um álbum que vira filme (está no YouTube na íntegra e pode, quem sabe, ser exibido na TV). A mistura de referências também chega à capa, que lembra tanto Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, quanto Dangerous, de Michael Jackson.

  • Ouvimos: Lambada da Serpente – Lambada da Serpente (EP)

Com tanta rotatividade, eleger uma música preferida fica até complicado – inclusive porque os beats e refrãos vão se seguindo bem rápido. Essa noite eu vou pro rock introduz a/o ouvinte no clima festeiro. Short beira cu, Te amo fudido (com Viviane Batidão), Tumbalatum (terror fake com a já citada Gang do Eletro), Dá-lhe sal e Viciada em seduzir apresentam expressões locais e o clima da noite paraense a quem ouve o disco bem distante do Pará. Bonito feio é uma das faixas que separam um pouco o “tecno” do brega no álbum.

No final, tem Deixa, um samba-reggae que parece meio deslocado no álbum – é a música menos “rock doido” da fornada, mas talvez seja a tal “música de rádio” do disco. Sem crise: Rock doido é um disco-filme que confirma Gaby Amarantos como uma das artistas mais inventivas do pop brasileiro.

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Crítica

Ouvimos: Big Special – “National average”

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Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria britânica com ironia, fúria e riffs venenosos.

RESENHA: Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria com ironia, fúria e riffs venenosos.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: SO Recordings / Silva Screen Records Ltd
Lançamento: 4 de julho de 2025

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Chega a escorrer veneno de National average, segundo álbum do Big Special, dupla britânica cujo clima basicamente é o da dança punk – às vezes soando como um EMF (lembra deles?) que entrou em órbita, ou como um desdobramento da receita doidona do selo Food, na virada dos anos 1980 para os 1990. Em vibe funky, Joe Hicklin e Callum Moloney falam dos problemas mais bizarros vividos pela população britânica nos dias de hoje.

Na real, nada que seja estranho até mesmo aqui no Brasil. A faixa God save the pony, tributo pago a Talking Heads e à turma de Madchester, inclui no mesmo saco hambúrgueres superfaturados, gentrificação, gente instagramável (“mal ganho o salário mínimo / e sou um clichê do rock and roll / e, para ser honesto / não consigo acreditar em quanto tempo isso já durou”) e um estado de letargia total, como se todo mundo já estivesse acostumado com isso – à Rolling Stone, a banda disse que se trata de um “boa noite e boa sorte para o peso que todos carregamos. Somos os cavalos cansados ​​arrastando uma carga pessoal e, muitas vezes, o peso de outra pessoa”.

Outras canções falam também da merdificação geral que todo mundo vai levando adiante na vida, como The mess (que soa como um Tom Waits alt-metal) e Hug a bastard – esta, um reggae preguiçoso transformado em indie rock, com cara de Beastie Boys, Beck e até de Gorillaz, iniciado com os versos “encontrar deus? / cara, não consigo achar minhas chaves”. Nada se comparado a Shop music, synth pop stoner que equivale a um soco na boca do estômago de quem acredita em virtudes no mundo fonográfico, em versos como “vamos vender suas merdas / (…) e depois de vender suas merdas, vamos vender outras merdas” e “não consigo identificar o monstro quando ele está bem vestido / é o seguinte: dinheiro fala, mas não canta”.

Esse clima de desesperança e ironia é a cara de National average, disco que também fala sobre merdas passadas de geração a geração em família (o blues zoeiro Pigs puddin), de choque com o mercado fonográfico “profissional” (Professionals, uma mescla de The Who e Viagra Boys, se é que é possível), e de como todo e qualquer emprego ou chefe é uma merda (Yesboss, rap-punk sem o menor cacoete de rapper, com voz praticamente falada).

O disco novo do Big Special chega a ser um projeto multimídia – no sentido de que você tem que prestar atenção nas letras, ler as entrevistas, saber qual é a da banda e acompanhar o que eles andam falando para ter uma fruição total do disco. Em letra e música, tudo em National average soa como uma sequência de porradas bem dadas. O Big Special revisita-parodia o blues a la Eric Clapton em Domestic bliss, uma espécie de canção sophisti-punk que revira ao contrário o mito de Sísifo para falar sobre depressão e máscaras do dia a dia. Tem ainda Judas song, dance-punk sobre traição e rancor, com guitarras pesadas e um clima “eletrônico” que faz lembrar o Ultravox – mas com bastante sujeira.

Em resumo: National average é daqueles discos que fazem você rir, pensar e se envenenar ao mesmo tempo — e ainda sair dançando no final.

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Ouvimos: Helado Negro – “The last sound on Earth” (EP)

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Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.

RESENHA: Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Big Dada
Lançamento: 7 de novembro de 2025

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Realizado em 1967 por um cineasta então ainda inexperiente (o canadense Michael Snow), o documentário Wavelength – disponível no YouTube – mostra várias experimentações com sons, imagens, situações e emoções. Foi esse filme que inspirou o músico norte-americano Roberto Carlos Lange, mais conhecido como Helado Negro, no conceito de seu novo EP, The last sound on Earth. Basicamente um disco que trabalha numa questão que muita gente jamais gostaria de imaginar: qual seria o último som ouvido imediatamente antes da morte?.

Na real, o EP de Helado Negro é mais uma experiência existencial do que apenas espiritual, falando também sobre solidão (More, cujo clipe traz emoções sendo representadas por um coração de origami) e política (Protector). Em todo caso, a música de The last sound é uma experiência transcendental, na qual cabem sons espaciais e futuristas, vocais quase fantasmagóricos e, em muitos casos, um clima meio “o Prince que veio do espaço”, como na dance music de More e na gélida e animada Don’t give up now.

  • Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)

Em Sender receiver, tema psicodélico e eletrônico com frases e palavras soltas que formam uma mensagem sobre tecnologia, desigualdade e solidão (no estilo de Arnaldo Antunes e do Can: “crescendo sozinho / amigos fantasmas / eleve a esperança / diminutiva preocupação consigo mesmo”), surpresa: Helado canta de forma impostada, quase lembrando seu xará brasileiro Roberto Carlos. A “onda sonora” do doc que inspirou Helado ganha comentários musicais no jungle Protector (com clima lo-fi e derretido, como uma fita que se desfaz) e no instrumental Zenith, cuja espacialidade é dada pelos teclados.

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