Crítica
Ouvimos: Fashion Club, “A love you cannot shake”

- A love you cannot shake é o segundo disco do Fashion Club, projeto criado pela musicista e produtora Pascal Stevenson. Ela fazia parte da banda retrô new wave Moaning, lançada pelo selo Sub Pop. Em 2020, fez transição de gênero, numa época em que já tinha pronto o repertório de Scrutiny (2022), primeiro álbum do Fashion Club.
- Uma excelente definição para seu trabalho foi dada pelo site Them.Us: “Você consegue pintar um som? Pascal Stevenson, também conhecida pelo apelido Fashion Club , tem o dom peculiar de criar paisagens sonoras simplesmente descrevendo-as em voz alta”.
- O novo disco do Fashion Club tem participações de Perfume Genius (em Forget), Jay Som (em Ghost) e Julie Byrne (em Rotten mind).
A love you cannot shake, o disco novo do Fashion Club, é uma experiência sombria e desintegradora. Ainda mais se você prestar atenção às letras, todas cobertas de luto por um passado que se foi. E também carregadas de tristeza por antigas memórias e por momentos em que, aparentemente, traumas obnubilavam a percepção.
Forget, um pop de teor quase psicodélico e hipnagógico, prega que “quando minha memória é apagada/é quase como se a história não fosse minha”. Confusion, um tecnopop melancólico, espalha brasa para trabalhos mal remunerados e para o dia a dia em que, por mais que você tente, ninguém parece precisar do que você sabe fazer: “me sinto estúpida de novo/presa em outro ciclo que não posso terminar (…)/se eu não posso ganhar o que mereço/talvez não valha nada/eu sobrevivo na ilusão”.
Fashion Club é um projeto ligado à música eletrônica, criado por Pascal Stevenson, musicista e produtora de Los Angeles que monta as paisagens sonoras de seus álbuns. Mas vale dizer que A love funciona como um disco de rock – e como um disco de rock da era em que psicodelia e eletrônica andavam de mãos quase dadas (segunda metade dos anos 1990?), mas com a tecnologia de hoje.
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O álbum abre com uma parede de ruídos (Faith) que parece inspirada no Marble index, de Nico, até que ganha um tom quase camerístico. No decorrer do álbum, somos apresentados a um pop fantasmagórico que se transforma numa onda sonora de drum’n bass (a sintomática Ghost), sons mais delicados (Enough), canções eletrônicas e marciais (Ice age), algo próximo do darkwave (Deny) e um tecnopop distorcido e triste (One day, dos versos “um dia eu vou acordar com a liberdade do desejo/e decidir ser alguém novo/um dia eu vou acordar com a liberdade/e parar de tentar te satisfazer”).
A love é repleto de sons que vêm lá de longe e se transformam em canções mais pesadas, de climas musicais que parecem dançantes mas deixam entrever alto grau de melancolia. E é um disco repleto de vida – em letras, constatações, escolhas pessoais. E igualmente repleto de revolta, até mesmo no título (“um amor que você não pode abalar”).
Nota: 8
Gravadora: Felte Records
Crítica
Ouvimos: Billianne – “Modes of transportation”

RESENHA: Billianne estreia com Modes of transportation, misturando soft rock, folk e country moderno em um álbum delicado e cheio de surpresas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: No Wonder Inc.
Lançamento: 15 de agosto de 2025.
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Vinda do Canadá, Billianne virou sucesso em 2022 por causa de uma cover despojada de Simply the best – aquele hit imortalizado por Tina Turner. Um clima de flashback oitentista que não responde exatamente por tudo que rola em Modes of transportation, seu primeiro álbum solo.
Imersa na mesma onda soft rock e country alternativo tentada por muitos artistas no dia de hoje, ela aponta para uma mescla de pós-punk e heranças de Taylor Swift em Baby blue, faz country com solinho de banjo e violões em Jessie’s comet, e faz folkzinho doce e “espacial” em Cassiopeia, três faixas que vão se seguindo no disco, e que ainda não dão totalmente a cara musical de Billianne.
- Ouvimos: Luapsy – I met the devil in a dream
Isso porque Modes vai se tornando um álbum menos introspectivo à medida que as músicas rolam, com direito a uma música tão melancólica quanto dançante (Wishlist) e a um batidão meio soft rock / meio gospel (a bacaninha Memories, que pode causar antipatia por lembrar demais Coldplay), e também a um eletrorock mais explosivo, com vibe meio country (a ótima Crush, por sinal a melhor do álbum).
No final, Let me run vai no dream folk triste e texturizado, com vocais rápidos a ponto de deixarem transparecer algo de rap e trap. Modes of transportation é basicamente uma boa introdução, com delicadeza nos vocais e nas composições.
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Crítica
Ouvimos: Zaina Woz – “Vol. 01”

RESENHA: Zaina Woz estreia com Vol. 01, um tributo pop, safado e modernizado à musicalidade dos anos 1980, entre disco, tecnopop e ecos de Angela Ro Ro e Rita Lee.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 21 de agosto de 2025
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“Angela Ro Ro morreu, amigos. Quem viveu, viveu. O mundo de hoje é PornHub, IA e Zolpidem”, escreveu o escritor Anderson França outro dia nas suas redes sociais, ao comentar sobre o reality show Terceira metade, da Globoplay (que fala sobre poliamor, formação de trisais, etc).
Nem tanto: a catarinense Zaina Woz estreia com Vol. 01 falando de amor, sexo, vida afetiva (nos momentos bons e ruins) e aventuras noturnas. O repertório tem faixas numa onda mais disco music, como Solta o corpo – que lembra os discos de ginástica dos anos 1980, até pelo “vamo lá!” na abertura – e M.S.F., música com vocal falado, letra simples e cordas patinantes.
Por acaso, Vol. 01 faz referência justamente a Angela em duas faixas. Uma delas: Zaina gravou Sucesso sexual, de Leo Jaime, que foi um sucesso dela no disco A vida é mesmo assim (1984) – e que surge em Vol. 01 numa versão mais leve, ligada aos anos 1980 mas com toque de órgão Hammond. A outra é Não quero ninguém, pop com piano Rhodes – dá pra definir como yacht rock – linkado a Angela, Cazuza e Rita Lee.
Em boa parte de Vol. 01, Zaina faz uma espécie de tributo a safadeza no pop, com o disco-rock de I need love, o tecnopop de Bomba e Forbidden, a autoexplicativa Dominatrix e a alegre Nós dois – essa última poderia ser uma música gravada pela Rita Cadillac. Muita coisa do disco também chegou a tempo de pegar a onda de Brat, álbum de Charli XCX – até mesmo o eletropop Boneca de porcelana, um dos singles que adiantaram o álbum. Mas a onda aqui é pop mais vintage, e safado como a disco music nacional foi.
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Crítica
Ouvimos: Taylor Swift – “The life of a showgirl”

RESENHA: The life of a showgirl traz Taylor Swift em busca de si própria na década passada — um disco eficiente, mas sem grandes ideias.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Republic
Lançamento: 3 de outubro de 2025
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E aí, com paciência para mais um texto sobre o disco novo de Taylor Swift? Esperamos que sim. Mas vale já começar falando que o pior pecado ou a maior virtude do álbum novo dela não é nem ser um disco ruim ou bom. Até porque musicalmente, ele não é nenhuma das duas coisas: The life of a showgirl fica bastante em cima do muro.
Showgirl não é um álbum animador como alguns dos vários discos anteriores dela – ainda que Taylor tenha dito que a ideia foi “criar melodias que fossem tão contagiantes que você quase ficasse com raiva delas”. Ele também não tem as qualidades de álbuns como Folklore (2020), 1989 (2014) e Reputation (2017), e não é um álbum torturado e pretensioso como The tortured poets department (2024).
Mas muito menos é essa coisa horrível que muitos críticos andam comentando. O pop clássico encartado em Elizabeth Taylor, o pop-rock gostosinho de Opalite e Ruin the friendship, o r&b texturizado de Father figure, e as chupadas (er) conceituais de Wood (direto em Jacskon 5) e Actually romantic (o mesmo com Weezer e Pixies) têm muitos encantos. Isso tudo aí funciona – ainda que o clima de “volta ao passado pop”, com Max Martin e Shellback novamente produzindo Taylor, não tenha sido atingido de verdade.
O maior problema de Taylor em The life of a showgirl talvez seja o que um fã dela comentou recentemente em seu canal no Tik Tok. Depois de uma turnê como a The Eras tour, em que Taylor comemorava sua história ao lado dos fãs, e de conseguir reaver seus masters (após regravar vários álbuns), ela supostamente vende “simplicidade” e “volta ao passado pop” – num movimento de retorno parecido com o de Lady Gaga em Mayhem e Zara Larsson em Midnight sun.
Mas não é bem assim: Showgirl fala pouco sobre música, e mais sobre capitalismo, estratégias do mercado fonográfico e fãs que papam tudo que Taylor lança. Até por não ser um disco cheio de grandes ideias, e por ter sido lançado no mesmo esquema de vários discos anteriores dela: várias versões com cores e capas diferentes, que muitos fãs já se apressam em comprar. Na real, parece o mesmo imaginário do mundo dos ingressos, em que muita gente vende um rim para ir a um show, só que levado para o mundo do disco da maneira que é possível (até porque você não escuta shows no Spotify ou no Deezer).
Há quem ande dizendo que Taylor – uma cantora branca que, em plena era Trump, bateu seus próprios recordes e estabelece parâmetros quase inigualáveis – aproveita o disco novo para comemorar as vitórias e espetar colegas de uma forma que tem mais a ver com arrogância do que com empoderamento. Sendo assim, The life of a showgirl cheira mais a supremacia do que a poder.
Faz sentido, já que é uma vitória (e veja lá que vitória!) de menina branca em época bastante apropriada para meninas brancas ligadas ao country, embora Taylor não seja obrigada a nada. Falando do conteúdo do álbum, ninguém duvida que Taylor tenha seus problemas pessoais e que eles devem ser inúmeros – muito menos de todo o machismo e descrédito que ela deve ter que encarar. Mas até mesmo questões existenciais como as da letra do pop anos 1990 Eldest daughter (“toda filha mais velha / foi o primeiro cordeiro para o matadouro”) acabam sendo abordadas de forma ingênua e apressada, mais rasa que um pires.
No fundo, esse tipo de comparação não se faz, mas aqui é inevitável: Cardi B, em seu quilométrico álbum novo, Am i the drama?, tem mais a dizer sobre mulheres indo para o abate e espetamento de colegas – assim como a rapper baiana Duquesa, em seu curtíssimo disco Six., pode acrescentar mais sobre competição na música, machismo e vibes estranhas nos meandros do showbusiness.
O fato é que, numa safra razoável de melodias pop, e num desejo de voltar a tempos “mais simples”, Taylor apostou numa discurseira que não anima lá muita coisa, e Showgirl saiu dessa combinação torta de música, capitalismo, política (sim, por que não?) e propaganda.
Agradecemos a Rafael Chioccarello (Hits Perdidos) pela sugestão do vídeo do fã no Tik Tok.
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