Crítica
Ouvimos: Ela Minus, “DÍA”

- DÍA é o segundo álbum do Ela Minus, projeto da artista colombiana Gabriela Jimeno. O release do disco conta que DÍA é um álbum sobre “se tornar”, com canções que perguntam “para onde iremos a partir daqui, muito depois de termos sido traumatizados, mas muito antes de nos acharmos traumatizados para sempre”.
- O álbum foi feito após uma jornada que incluiu passagens por vários lugares – incluindo uma série de apartamentos alugados e quartos de hotel pela América do Norte e Europa.
- Jimeno contou ao New Musical Express que ao escutar as primeiras gravações que fez para o disco, descartou muita coisa, “porque eu ouvia todas essas coisas nas faixas: barulho, inseguranças e tentando obter aprovação”. Procurou fazer uma espécie de acerto de contas pessoal, em que percebeu que tinha dado pouca atenção às letras em seu primeiro álbum.
Gabriela Jimeno, a mente criativa por trás do projeto Ela Minus, vai bem além do synth pop. Formada na prestigiada Berklee, ela não apenas domina os sintetizadores, mas entende a fundo as técnicas por trás da construção de melodias e atmosferas sonoras. E não para por aí: seu talento a levou a trabalhar diretamente na fabricação de synths — chegando até a montar um especialmente para Jack White.
Se você achava possível esperar facilidades musicais da parte dela, se enganou, claro. Gabriela é mestra em contar histórias a partir do design musical, e seu repertório é repleto de partes 2, 3 e 4. Quase todas as faixas de DÍA, seu segundo álbum, ameaçam alguma coisa no começo, até que vão ganhando outras caras musicais. Abrir monte, a faixa que (por acaso) abre o álbum, inicia com barulhos que lembram o som de um LP cheio de estática. Passam-se alguns minutos e o teclado sinistro da abertura descamba num synth-blues experimental, que depois ganha uma cara quase drum’n bass.
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Uma tendência de DÍA é guiar o timão para o synth pop mágico – ou abrir com ele, para só então chegar a outros lugares musicais. Broken, por exemplo, vai desenvolvendo-se como uma house celestial. QQQQ tem começo ambient, ganhando aparência dançante logo depois. Já Onwards abre como um drum’n bass e torna-se uma house music selvagem e rápida, e distorcida – os sons finais têm uma cara de videogame que também surge no riff de teclado do synth pop pesado Upwards. Por sua vez, I want to be better mergulha em uma sonoridade etérea, com teclados gélidos e uma voz envolta em eco, criando uma atmosfera de puro dream pop. A faixa soa como um hino de amadurecimento, em versos sinceros como: “eu quero ser melhor/eu pensei que era melhor/mas parece que continuo agindo como uma criança”.
Por sinal, as letras em tom íntimo e pessoal, repletas de mensagens e questionamentos pessoais, são outra inclinação séria do álbum. Como em Broken, em que ela fala sobre crescimento e vulnerabilidade: “Mãe, eu fui uma tola/eu os deixei entrar/mesmo quando você disse para não ouvir/fui até o inferno e voltei rindo o caminho todo/agora estou quebrada”. O synth pop pesado de Upwards traz a frase “minha mente continua mentindo para mim” repetida várias vezes. Tudo isso reflete o processo de criação do disco, marcado por momentos de profunda reflexão durante viagens a lugares como o deserto de Mojave, na Califórnia.
Na reta final do álbum, a surpresa: Combat (“combate”) surge como um inesperado respiro, trazendo um clima leve, orientalista e quase meditativo, que em outros tempos poderia até ser classificado como new age. E assim, com suavidade e contemplação, chegam ao fim tanto o disco quanto a jornada sonora e pessoal que o inspirou.
Nota: 8,5
Gravadora: Domino Recordings
Lançamento: 17 de janeiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: The Cure – “Mixes of a lost world”

RESENHA: O novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world, tem ótimos momentos e surpresas, mas com 2h30 de duração, exige paciência e fôlego.
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Só avisando, de início: o novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world – que remexe no sorumbático e meditabundo Songs of a lost world, lançado pela banda no ano passado – é uma audição que vai tomar duas horas e meia do seu dia. “Tudo bem, eu ouço treinando, lavando cuecas, passando roupa ou dando um trato na louça”, você pode me responder.
Não é a melhor maneira de ouvir um disco, enfim. Mas lançar um compilado de remixes é o modo mais, digamos, “familiar” que Robert Smith encontrou para esticar a vida útil de Songs, um álbum que fez sucesso quando saiu – e já havia ganhado uma edição deluxe com disco ao vivo. Afinal, o Cure já havia se saído muitíssimo bem com Mixed up, de 1990, que trouxe novos públicos para o grupo (tem ainda Torn down, de 2018, segundo disco de remixes, feito para o Record Store Day e pouco lembrado).
- Quando Jimmy Page e Robert Plant cantaram The Cure.
- Ué, e o Dinosaur Jr, que gravou The Cure e Peter Frampton?
- E o aniversário de Standing on a beach, do The Cure?
- Vocês têm noção de que o tema do Roda Viva de 1985 a 1994 era… The Cure?
A pergunta é: faz sentido repetir a dose com um disco em que Robert Smith basicamente anuncia o fim iminente do mundo e de si mesmo? Sim e não. Sim, porque mais de um milhão de ouvintes no Spotify já correram para os ótimos remixes lançados previamente, como o retrabalho do Four Tet em Alone e a versão de Chino Moreno (Deftones) para Warsong.
E não, porque são duas horas e meia de som – e é remix demais. Muitos deles confundem experimentação com chatice, como All I ever am, com Meera. Quem não ouviu o disco original talvez nem se anime a procurar. A boa notícia é que há surpresas: o remix desértico de Omid 16B em Warsong, o brilho inesperado de Cosmodelica em Nothing is forever e a reconstrução post-rock de Endsong pelo Mogwai.
Mais: o Joycute extrai algo do The Cure de Disintegration (1989) de Drone: nodrone e Daniel Avery esculpe quase um nu-metal na mesma faixa – que já era bem pesada e eletrônica no original. No fim das contas, Mixes of a lost world é um disco que recompensa quem insiste. Mas cansa, viu?
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Fiction/Polydor
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: King Gizzard & The Lizard Wizard – “Phantom Island”

RESENHA: Misturando ELO, Roy Wood e prog de rádio, Phantom Island, novo álbum de King Gizzard & The Lizard Wizard divide opiniões – mas traz faixas criativas e grooves e melodias que merecem ser descobertos.
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O King Gizzard & The Lizard Wizard, que acaba de lançar Phantom Island, é uma banda cuja situação é a mesma do Ty Segall (cujo disco mais recente, Possession, resenhamos aqui): tem sua história marcada por discos a rodo e mudanças rádpidas de direção.
No fundo – e faltou observar isso quando falamos do Ty – esse modus operandi é herdeiro da maneira como Neil Young sempre encarou sua carreira. Ou seja: os discos reproduzem meu momento, faço o que tenho vontade, fã que é fã entende minhas mudanças, quero ir para todos os lados que eu quiser, e é isso aí. Dá certo em alguns casos: Neil tem mais discos ótimos em sua discografia do que momentos entediantes, Ty idem, e o King Gizzard une discos excelentes a outros que beiram o tédio.
A julgar pelas resenhas que andam saindo de Phantom Island, o 27º (!) disco do KGLW agradou pouco. A Pitchfork falou que as faixas costumam ser “frustrantes e exageradas, mas incluem ocasionais faíscas de magia”. O brasuca Popload não se animou igualmente, lembrando que Phantom Island foi gravado nas mesmas sessões do anterior, Flight b741 (2024), e que é composto pelas músicas menos empolgantes da leva.
Olha, sei lá: Phantom Island tem mais músicas ótimas do que desperdícios de tempo, e é um disco recomendadíssimo para quem curte Electric Light Orchestra, por exemplo. Aliás, o disco se parece até mais com The Move (embrião da ELO), porque Phantom Island super tem a cara do Roy Wood, que era o geninho da banda nos primeiros tempos.
Por consequência, o disco igualmente pode interessar a fãs do Wizzard – a banda que Roy montou após sair do ELO, uma espécie de ABBA místico com músicos fantasiados de alquimistas glam, que estourou com o hit See my baby jive. E a fãs de álbuns solo de Roy como Mustard (1975). Admiradores das fases yacht rock de bandas como Gentle Giant e Grateful Dead – respectivamente os discos Giant for a day! e Shakedown Street, ambos de 1978 – também não vão se arrepender se derem uma escutadinha.
O King Gizzard larga de vez a psicodelia surrealista que marcou vários álbuns do grupo e invade a grande área do rock orquestral e do progressivo de FM. Phantom Island abre com o progressivo dançante da faixa-título, prossegue com a vibe Elton John/The Who de Deadstick, ganha batida funkeada e clima orquestral celestial em Lonely cosmos – esta, com cordas lembrando Marionette, sucesso do Mott The Hoople.
A boa tradição do prog de rádio é louvada com Eternal return, com o clima meio beatle, meio Alice Cooper de Aerodynamic e Sea of doubt, e com o balanço quase disco de Silent spirit – cujo início lembra a abertura de Sleepwalker, hit da fase norte-americana dos Kinks. Vale conferir também o groove de Panopsych, o tom Madchester de Spasesick e a vibe voadora de Grow wings and fly.
E enfim, eu se fosse você, ouvia Phantom Island correndo: poucas vezes o King Gizzard fez um disco com uma soma de referências e emanações tão bacana.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: p(doom) Records
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Billy Nomates – “Metalhorse”

RESENHA: Em Metalhorse, Billy Nomates transforma perdas e dor em um disco sombrio, intenso e visceral, entre o pós-punk, o glam e ecos dos Stranglers.
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Tor Maries, que assina como Billy Nomates, descobriu recentemente ser portadora de esclerose múltipla – pouco depois de perder o pai, vítima de complicações causadas pelo Mal de Parkinson. Entre essas duas pancadas da vida, ela começou a gravar seu novo disco, Metalhorse: um álbum que oscila entre o pós-punk e o glam rock, com o peso maior do lado punk. Mas nada é tão direto: logo no início, a faixa-título surpreende, abrindo caminho para um clima de café-concerto, com pianos e vocais de presença.
Atravessado por temas como morte, doença e os perrengues da existência, Metalhorse tem momentos como o tecnopop sombrio de Nothing worth winnin (“este quarto é alugado / estou de olho nas horas / diga que estou louca / como se todos estivessem bem”) e o folk enigmático de Strange gift (“a morte é um presente estranho que você não queria / alguém te entrega isso”). A angústia noventista e os timbres oitentistas se cruzam em The test, no pós-punk seco de Override e no eletrônico nervoso de Gas, faixa que passeia entre o country e o hard rock com vocais cheios de veneno.
- Stranglers avacalhando uma dublagem do hit No more heroes na TV holandesa
- Ouvimos: Ty Segall – Possession
- Ouvimos: Raveonettes – PE’AHI II
Hugh Cornwell, ex-vocalista dos Stranglers, aparece na sombria Dark horse friend, selando de vez a influência do lado mais sinistro da clássica banda britânica no som de Billy Nomates – que nos primeiros discos flertava mis com o tecnopop, mas aqui mira em terrenos mais obscuros. O fantasma dos Stranglers também ronda Comedic timing, música sobre como o mundo muda quando a gente muda (e nem sempre para melhor), com ecos de ironia e mistério.
O título Metalhorse alude a forças estranhas e incontroláveis, e esse mesmo espírito atravessa Plans e Moon explodes, que ficam entre o punk e a new wave, além da vinheta Life’s unfair, que junta blues e jazz com atmosfera de fim de festa. Intenso, imprevisível e rasgado de dor, Metalhorse é o trabalho mais sombrio e poderoso da carreira de Billy Nomates – e também o mais visceral.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Invada Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
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