Crítica
Ouvimos: Cristian Dujmovic, “Desde acá”

O cantor e compositor argentino Cristian Dujmovic faz em Desde acá um pós-punk puro, sem muitas concessões a referências mais recentes. O álbum parece saído diretamente dos anos 1980, com arranjos e timbres que remetem à época, mas sem soar forçados. Dá até aquela impressão de um disco “de volta” de uma banda ilustre da década.
A viagem começa com Desafio, que combina guitarras e elementos eletrônicos em uma melodia envolvente, seguindo a tradição do rock argentino e latino-americano. Em seguida, Elevar reforça essa pegada retrô, não apenas no estilo, mas até na qualidade da gravação, especialmente da bateria. É uma faixa que ecoa o início dos anos 1980, flutuando entre o hard rock e a new wave, com solos marcantes e um andamento típico do pós-punk.
Já Farsantes investe num ritmo marcial e em certo experimentalismo nas guitarras, resultando em uma das composições mais bacanas do disco. Depois, tem Salvara, que é uma vinheta e mesmo assim não passa despercebida: começa em com sintetizadores, ganha camadas de guitarra inspiradas em The Edge e flerta com o dream pop.
Bailar é uma ponte entre o hard rock e o pós-punk, e é uma daquelas faixas feitas para tocar no rádio – enfim, se houvesse uma rádio mais comercial disposta a abrir os ouvidos. Já Habitantes entrega um belo diálogo entre teclados gélidos, guitarra e batidas. Fechando o disco, Desahogo cria um encontro entre batidas programadas e riffs de guitarra logo na introdução. Os vocais vêm carregados de reverb, reforçando o clima etéreo da faixa, que lembra um Depeche Mode mis voltado para o rock do que apenas para o synth pop. No fim das contas, Desde acá não tenta reinventar a roda, e acerta em cheio ao recriar um pós-punk que parece atemporal.
Nota: 7,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: Andy Bell, “Pinball wanderer”

Se o galês Andy Bell for escrever seu currículo à mão, vai faltar tinta na caneta. Ele é até hoje um dos vocalistas e guitarristas do Ride, foi baixista do Oasis e tocou na banda-solo de Liam Galagher, o Beady Eye, além de outros projetos. É também integrante do super-grupo doidão Mantra Of The Cosmos – do qual também fazem parte os ex-Happy Mondays Shaun Ryder e Bez, e o baterista do The Who (e filho de você sabe quem) Zak Starkey.
Sua discografia solo é quase tão variada quanto seu histórico, pendendo mais para o lado da experimentação do que para o da canção comum. Em seu terceiro disco solo, Pinball wanderer, sua voz aparece mais como um detalhe em meio a uma sonoridade que evoca bastante o rock alemão dos anos 1970, o lado mais podre do synthpop e projetos como Stereolab. Sobre as referências de krautrock no som dele, vale lembrar que em 2023 Bell lançou um single com uma releitura de Hallogallo, composição da banda alemã Neu!, gravado ao lado do duo de theremin Masai.
Panic attack, logo na abertura, vai para os lados do noise pop, só que com tons robóticos, e sons lembrando as partes mais agitadas de Autobahn, do Kraftwerk. Muitas vezes, mesmo o que não é eminentemente “eletrônico” (como os sons tirados por Bell da guitarra) ganha um design musical sintetizado, como no krautrock venturoso de I’m in love, (cover da banda britânica Passions, por acaso com participação de Michael Rother, do Neu!, e um ex-Kraftwerk) e na onda sonora de Madder lake deep – esta, lembrando os tons contemplativos e “selvagens” dos primeiros álbuns solo de Brian Eno.
Essa abordagem também aparece em Apple green UFO, um rock de beatmaker, com o baixo à frente, remetendo a uma evolução futurista do som de Madchester (a Manchester doidaralhaça dos anos 1980/1990). Ou a uma perversão de Fool’s gold, dos Stone Roses, com ritmo quebrado.
O “lado B” de Pinball wanderer soa ainda mais setentista que a primeira parte do disco. Há viagens meio floydianas na faixa-título, que começa com uma guitarra entre o folk e o progressivo antes de mergulhar em climas sintéticos e programados. Music concrete faz jus ao nome, oferecendo um soul esparso com beat surdo, baixo em clima disco e mais evocações do Kraftwerk. The notes you never heard mistura bateria eletrônica rudimentar e algo da atmosfera dos discos solo de David Sylvian (Japan).
O álbum se despede com Space station mantra, uma viagem espacial conduzida por sintetizadores e vocais em clima de cântico, encerrando tudo com uma sensação de hipnose cósmica.
Nota: 9
Gravadora: Sonic Cathedral
Lançamento: 28 de fevereiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: Skinner, “New wave vaudeville”

Certo: dá para ver no som do irlandês Skinner bons ecos da mania de indie sleaze (sons dançantes, provocativos e pesados) que vem vindo da vizinha Inglaterra. No álbum de estreia New wave vaudeville, esse tom surge de vez em quando e domina pelo menos uma faixa, Geek love, cuja letra é uma espécie de declaração de princípios, com versos como: “o médico diz que você está quebrado/a TV diz que você é estranho/e a mídia está dizendo para você cavar sua cova/ (…) você tem que assustar a cena/ (…) opiniões organizadas em um saco plástico/porque ninguém aqui quer ser um esquisito”.
Convém informar que o lance aqui é (bem) outro: Aaron Corcoran (nome verdadeiro do rapaz) é o último grito da no wave, aquele estilo experimental feito por James Chance e Lydia Lunch (e Arto Linsday) para zoar o punk setentista. Sim, e com direito a berros, guitarras explosivas, batidas pesadíssimas e a um saxofone que serve mais como provocação do que como luxo musical.
Dá para aproximar Skinner também da onda funk-punk dos anos 1970 (Gang Of Four, por exemplo), ou de sons malucos como Devo. Mas o som dele é mais mal-humorado ainda, com sax, guitarra e percussão em desalinho na sacolejante faixa-título, caos punk berrado em Tell my ma, e som de lixa em When you live in a shoe. A curiosidade aqui é o encerramento do álbum com Here comes the rain, um canção “sombria” que lembra mais o pop adulto nacional dos anos 1980, tipo Lobão ou Kiko Zambianchi.
New wave vaudeville também chega perto do lado “new wave” do Nirvana em faixas como Sour milk, e dá um inacreditável banho de distorção em guitarra e baixo no hard rock punk Calling in sick – que lembra um David Bowie puto da vida, ou um filhote dele e de Iggy Pop. Não faltam provocações nas letras e Jesus wore drag é a mais direta delas, falando sobre um Jesus Cristo drag queen que jamais seria aceito pelo catolicismo (“olha só o que ser eu mesmo me custou/morrendo por seus pecados/e mentindo por dentro/para tentar manter meu segredo na bolsa/porque Jesus Cristo não pode ser visto vestido de mulher”). Sim, Skinner pode virar mania e liderar outro movimento, mais moleque que o de Brat, e mais reflexivo e provocativo.
Nota: 9
Gravadora: Faction Records
Lançamento: 10 de janeiro de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Pedra Relógio, “I”

Vindo de São João Nepomuceno (MG), o Pedra Relógio é uma banda de rock que exibe suas influências dos anos 1990 sem pudor. A capa da estreia I é praticamente uma cópia de Rated R (segundo álbum dos Queens of the Stone Age, de 2000), e o som da banda passeia por um caldeirão de grunge, stoner rock e alt-metal, evocando nomes como Nirvana, Bush e até Red Hot Chili Peppers. Faixas como Enforcado — impulsionada por guitarras afiadas —, As longas horas da tarde, Resposta, Velho amigo (que lembra o som dos Screaming Trees) e Primeiro dia vibram com essa energia crua e sem filtros.
Mas o Pedra Relógio vai além da nostalgia distorcida. Pensando demais flerta com o britpop, ecoando Oasis e Ride, enquanto o rock-MPB dos anos 1990 aparece em Ciranda, lembrando Titãs, Cássia Eller e Nando Reis. Já Ouro de tolo (sem relação com o clássico de Raul Seixas) se aproxima da zoeira psicodélica do rock britânico do início dos anos 90, enquanto um cruzamento de indie rock anos 2000 e punk rock 77 dá as caras em Se eu não voltar e Não vou olhar pra trás.
É uma banda com faro para boas melodias e referências sólidas— embora ainda esteja descobrindo como costurar essas influências de forma mais coesa.
Nota: 7
Gravadora: Independente.
Lançamento: 17 de dezembro de 2024
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