Crítica
Ouvimos: Chloe Slater, “You can’t put a price on fun” (EP)

- You can’t put a price on fun é o primeiro EP da cantora britânica Chloe Slater. Ela tem 20 anos, vem de Manchester (Inglaterra) e começou a fazer música aos 13 anos. “Quero que minha música deixe uma marca no mundo e acho que sempre quis isso”, disse ao New Musical Express.
- Ela postou trechos de uma das faixas, 24 hours, no tik tok – a música fala sobre uma frase da influencer Molly-Mae Hague, que disse que “todos temos as mesmas 24 horas”. “É uma coisa bem horrível de se dizer, porque obviamente nem todo mundo tem as mesmas 24 horas”, contou.
A britânica Chloe Slater faz pós-punk de protesto – numa linha classe-operária que vem da época de grupos como Gang Of Four, e que adiciona às receitas habituais influências de indie rock recente e de bandas como Elastica (os vocais falados-cantados de Chloe têm muito, mas muito a ver com o de Justine Frischmann, vocalista da saudosa banda).
Ouvindo You can’t put a price on fun, especialmente para quem vive bem longe da Inglaterra, chama a atenção o quanto ainda há para se protestar contra na terra de Oasis, Blur e Beatles – um potencial que só de vez em quando é levado adiante por novas bandas e artistas. O dia a dia de um país cuja gênese e cuja política são conservadoras surge no cenário desolador de Nothing shines on this island, com melodia lembrando o encontro entre Gang Of Four e Strokes.
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A marcial 24 hours, que abre o EP. zoa o egocentrismo dos influenciadores digitais. Price on fun é uma canção alegre sobre alienação e privilégios. No final, tem a new wave puladinha e meio eletrônica de Death trap, com letra falando sobre a falta de perspectivas dos jovens da ilha, e a quase dream pop Thomas Street, que vai nas disparidades sociais locais.
Ela mesma, uma artista surgida no tik tok, se coloca em vários momentos do disco como egressa de um meio, as redes sociais, que costuma ser mais usado para enriquecer e entreter do que para tocar nos nervos expostos do mundo, ou para tirar as pessoas das ruas – 24 hours e Thomas Street, que fala sobre um desfile de moda ocorrido de noite nas ruas, estão entre as mais diretas nesse sentido. Price on fun põe em forma de música muita coisa vista e nem sempre falada ou cantada nos últimos anos.
Nota: 8,5
Gravadora: Stolen Juice.
Crítica
Ouvimos: Backxwash, “Only dust remains”

Backxwash é o nome artístico de Ashanti Mutinta, um rapper nascido na Zâmbia e radicado no Canadá. Sua história de vida não foi nada fácil, e basicamente seus discos falam de coisas que ele viu ou viveu, com uma prosódia que lembra os clássicos do zamrock (o heavy metal feito na Zâmbia) somada à vibe ágil que o rap pratica nos dias de hoje, com flows e ritmos incomuns.
Não são histórias fáceis ou tranquilas de ouvir: a guerra que ficou na mente de Backxwash ganha às vezes clima de filme de terror – com direito a influências até de punk e heavy metal na sonoridade. Only dust remains, o álbum novo, continua a tradição, com letras sobre depressão, morte, suicídio, busca de identidade e momentos em que ele olhou em volta e não viu deus ao lado dele.
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A faixa de abertura, Black Lazarus, lida com uma tristeza tão imensa que dá para imaginar Ashanti chorando no estúdio, em meio a uma argamassa de blues pesado (“não há ninguém aqui me salvando / e a única morte que temo é sem dor”). Wake up traz recordações de violências, gritos, abusos e pessoas sendo usadas, com um batidão quase industrial e um clima de gospel antigo do meio para o fim. E a revolta toma conta de Undesirable, um rap sombrio e sonhador ao mesmo tempo, com letra falando sobre solidão e sobre traidores do meio do caminho (“agora é irônico, mas vou te dar um pensamento preocupante / eu me pergunto se você já pensou nos manos que perdeu / porque cada compasso é só um sintoma de quão falso você é”, vocifera).
A vibe de Backxwash é a depressão que vem da pressão social, dos fantasmas carregados pelos antepassados, e de temas como racismo, homofobia – e a solidão que surge do atendimento de expectativas da sociedade (“estou tão afastado da minha alma / que provavelmente terei que reconectá-la por uma espécie de proxy”, diz ele em Black Lazarus). É uma onda que dá para sentir até nos beats e nas melodias, como na emocional e pesada 9th heaven e no metal hip hop de Dissociation. O mesmo rola no rap pesado de History of violence, uma música sobre guerras – a guerra do dia a dia, as disputas entre países e as batalhas em nossa própria mente (“do rio ao mar, a Palestina será livre / pensando em todas as pessoas mortas na rua / quão jovem era esse garoto, tipo onze ou três? / enquanto os presidentes sentam e sorriem nos assentos da embaixada”).
Em faixas como Stairway to heaven, a vinheta Love after death e Only dust remains, o tema é o fim de tudo, o que resta depois disso, quais questões pessoais e sociais lembraram isso – sempre com peso e tom dramático. Sendo que em Stairway, o clima é de bluesão de FM, com guitarra lembrando Eric Clapton, e letra parecendo evocar uma reportagem sobre os últimos minutos de alguém (“não tema a perda e as emoções que vêm com ela / porque você não tem controle / sobre como eles vão se lembrar de você. “). Ouça num momento em que nada poderá te entristecer.
Nota: 8,5
Gravadora: Ugly Hag Records
Lançamento: 28 de março de 2025.
Crítica
Ouvimos: Ryan Adams, “Another wednesday”

Wednesdays, disco de 2020 de Ryan Adams, foi um lançamento problemático – aliás um lançamento problemático de um cantor (bastante) problemático, para não dizer outra coisa. Foi anunciado em 2019 e adiado assim que surgiu um vendaval de acusações de abuso e má-conduta sexual em cima de Adams. O álbum saiu finalmente no ano da pandemia, com as edições físicas chegando as lojas apenas em 2021.
Como resultado, muita gente ignorou o disco. Já as poucas resenhas publicadas não separaram a conduta de Adams do material de Wednesdays, descrito por muita gente como um lançamento repleto de autopiedade, pés na bunda e toxicidades mil. Adams sempre demonstrou todos esses sentimentos bisonhos ao compor, e a própria seleção de canções de Blackhole – disco “perdido” dele, lançado oficialmente há poucos meses, com várias faixas feitas entre 2003 e 2006 – tem muito desse clima aí.
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Especificamente no caso de Wednesday, Adams parecia antever que o karma iria pegá-lo na esquina: as letras relembram paixões não-correspondidas, amores que se foram, épocas em que o mundo parecia mais risonho e, mesmo que tudo seja bem bonito, quem não gosta de chororô deve passar longe desse disco. Another wednesday por sua vez, é uma maneira de fazer os fãs redescobrirem o álbum. O cantor mudou a ordem das faixas, gravou tudo ao vivo com um público animado e deu uma baixada de bola até em Dreaming you backwards e I’m sorry and I love you, as músicas “com bateria” do álbum original.
Quem ama Ryan Adams já deve ter até uma cópia física de Another wednesday em casa, daí o papo é com quem tem 300 discos na fila das plataformas. E lá vai: mesmo tendo canções legais, Wednesdays já podia ser visto como uma emulação meio piorada de artistas como John Denver, Jim Croce, James Taylor e outros – portanto não era um disco que apresentava nada de novo. Another wednesdays vai na mesma onda, só que na frente de um público, com Adams exorcizando histórias de amor e desamor que foram originalmente lançadas em má hora.
No disco, Ryan insere terror, tristeza e morte em Mamma, descreve um amor que evanesce em Wednesdays, lembra dias mais venturosos em Birmingham e emula Elton John e Supertramp em I’m sorry and I love you, além de incluir covers de músicas como Moon river (sucesso de Frank Sinatra) na lista. O resultado tem beleza, mas ao mesmo tempo tem muita egolatria, e muitas lágrimas de crocodilo, que saem bem na frente – e dão uma estragada na audição.
Nota: 6
Gravadora: Pax AM
Lançamento: 14 de fevereiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Snapped Ankles, “Hard times furious dancing”

“Ainda podemos manter a linha da beleza, forma e batida. Não é uma pequena conquista em um mundo tão desafiador quanto este… Tempos difíceis exigem dança furiosa. Cada um de nós é a prova”. Esse trecho, escrito em 2010 por Alice Walker – autora estadunidense mais conhecida pelo romance A cor púrpura, que virou filme – inspirou o quinto disco do Snapped Ankles, grupo londrino que por falta de denominação melhor, pode ser chamado de pós-punk.
Isso porque, na prática, o Snapped Ankles veio para confundir, causar e criar um som difícil de colocar em caixinhas. Você percebe um Kraftwerk torto aqui e ali, influências de grupos como Wire, Suicide e The Fall (o vocal lembra o de Mark E Smith), mas o mais bizarro é que os integrantes não revelam suas identidades e todos se apresentam com roupas camufladas (!). Hard times furious dancing, a visão deles a respeito da dança furiosa dos tempos difíceis asseverada por Alice Walker, põe em música o espanto com o capitalismo, com as corporações, com o descaso das pessoas e com a transformação de todo mundo em números e algoritmos.
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Viajando pelas faixas, Pay the rent, um samba eletrônico torto, com clima meio sujo e simultaneamente meio psicodélico, abre o álbum soando como um The Clash mais experimental – mandando bala numa letra que praticamente prevê o fim do mundo por falta de verbas. Personal responsibilities mete bala nas empresas que só querem saber de lucrar sem se preocupar com mais nada, em meio a um som que evoca um Devo do mal, ou um Suicide moderno. Raoul une Kraftwerk e Ministry. Dancing in transit é dance music de altas energias, mas com ritmos tortos, consistindo num jazz-rock doidão e ríspido.
E isso aí é só o começo. Dai para a frente, somos apresentados ao sarcasmo de Where’s the caganer?, som uptempo com uma letra citando a velha tradição do duende cagalhão, um boneco que faz parte da decoração de Natal da Catalunha. Smart world é um tecnorock que soa como uma música daqueles novelty records de música eletrônica dos anos 1970 – com uma letra que conclui que “todo mundo que eu conheço está ficando mais preguiçoso da cabeça quase dia após dia”.
As razoáveis Hagen im garten e Bai lan, músicas com partículas de reggae, industrial e até eletrohardcore, servem de ponte para Closely observed, que encerra o álbum. Uma canção bem mais meditativa que o restante do disco, e que em meio a sons espaciais, propõe a fuga do sistema maluco atual (“economize, prepare / empacote o que puder / fuja, fuja / para outro plano de inverno / aterrissamos em uma cidade vazia”). Resta saber para onde…
Nota: 8
Gravadora: The Leaf Label
Lançamento: 28 de março de 2025.
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