Crítica
Ouvimos: Carly Rae Jepsen, “The loveliest time”

- The loveliest time é o sétimo disco da canadense Carly Rae Jepsen. É também o “lado B” do disco anterior, The loneliest time, lançado nove meses antes.
- Lançar discos lados-B é comum para Carly, que já havia lançado os EPs Emotion side B e Dedicated side B, companheiros dos álbuns Emotion (2015) e Dedicated (2019). No caso de The loveliest time, ela decidiu não explicitar no título que se trata de um lado B – até porque Carly achou que mais um disco chamado de “o momento mais solitário” seria deprê demais.
- O material de The loveliest time e The loneliest time surgiu de uma fase bastante criativa na época de Carly, durante o começo da pandemia. Na época, ela chegou a montar um estúdio caseiro em sua casa em Los Angeles. O material do novo álbum surgiu de mais de 65 músicas descartadas do anterior.
- Alguns nomes da lista de produtores do álbum de Carly: Cole M.G.N., Ethan Gruska, Jack & Coke, James Ford, John Hill, Kyle Shearer, Lewis OfMan, Rostam Batmanglij. Carly compôs as faixas com alguns deles, além de outros nomes, como a compositora e produtora sueca Noonie Bao.
Quem anda reduzindo Carly Rae Jepsen ao posto de reles replicadora do pop os anos 1980 não tem coração. Tanto nesse The loveliest time quanto na versão “lado A” do disco, The loneliest time (2022), o que aparece está mais para uma misto de pós-disco e pop energético dos anos 1990, com programações parecidas e vocais análogos. Em músicas do novo álbum como Psychedelic switch e So right, parece que Carly quer trazer de volta, com ar conceitual e letras melhores, a estética das musas dance de trinta anos atrás, aquelas que apareciam com um hit monumental e depois desapareciam – hoje em dia, para relembrar delas, você precisa caçar volumes da série Só as melhores da Pan nos sebos. O house Shy boy, por sua vez, aí sim tem o mesmo tom malandro de várias gravações de Madonna nos anos 1980.
O clima reflexivo e meio tristonho da empreitada de fazer “álbuns de pandemia” surge bem mais explícito na balada Kollage, e num pop dançante e crescente que mexe daqui, mexe dali, vira um emo daqueles, Put it to rest. Essa última lembra uma confissão pós-pandemia, de deixar para trás velhas lembranças (“aqueles que eu amei e deixei para trás/coloquei para descansar”), mas ainda assim se ver envolvida/o por memórias (“eu acordo de manhã no mais vazio dos quartos vazios”).
O álbum anterior, o do “lado A”, era, vale dizer, bem melhor e com hits e candidatos-a-hit mais certeiros. Só a faixa-título, parceria com Rufus Wainwright com belo refrão e cordas herdadas da disco music, já valia o disco, e falta algo como Sideways e Beach house aqui, por exemplo. O melhor em The loveliest time fica para o final, com o pop com ascendência rock Stadium love, e um riff tristinho de flautas que transforma a dançante Weekend love em algo bem viciante. Essa música precisa ser descoberta por DJs e transformada em hit, mas por enquanto – vai entender – é ainda a faixa menos ouvida do álbum (pelo menos no Spotify).
Gravadora: 604/Schoolboy/Interscope Records
Nota: 6,5
Foto: Reprodução da capa do disco
Crítica
Ouvimos: The Cure – “Mixes of a lost world”

RESENHA: O novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world, tem ótimos momentos e surpresas, mas com 2h30 de duração, exige paciência e fôlego.
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Só avisando, de início: o novo disco de remixes do The Cure, Mixes of a lost world – que remexe no sorumbático e meditabundo Songs of a lost world, lançado pela banda no ano passado – é uma audição que vai tomar duas horas e meia do seu dia. “Tudo bem, eu ouço treinando, lavando cuecas, passando roupa ou dando um trato na louça”, você pode me responder.
Não é a melhor maneira de ouvir um disco, enfim. Mas lançar um compilado de remixes é o modo mais, digamos, “familiar” que Robert Smith encontrou para esticar a vida útil de Songs, um álbum que fez sucesso quando saiu – e já havia ganhado uma edição deluxe com disco ao vivo. Afinal, o Cure já havia se saído muitíssimo bem com Mixed up, de 1990, que trouxe novos públicos para o grupo (tem ainda Torn down, de 2018, segundo disco de remixes, feito para o Record Store Day e pouco lembrado).
- Quando Jimmy Page e Robert Plant cantaram The Cure.
- Ué, e o Dinosaur Jr, que gravou The Cure e Peter Frampton?
- E o aniversário de Standing on a beach, do The Cure?
- Vocês têm noção de que o tema do Roda Viva de 1985 a 1994 era… The Cure?
A pergunta é: faz sentido repetir a dose com um disco em que Robert Smith basicamente anuncia o fim iminente do mundo e de si mesmo? Sim e não. Sim, porque mais de um milhão de ouvintes no Spotify já correram para os ótimos remixes lançados previamente, como o retrabalho do Four Tet em Alone e a versão de Chino Moreno (Deftones) para Warsong.
E não, porque são duas horas e meia de som – e é remix demais. Muitos deles confundem experimentação com chatice, como All I ever am, com Meera. Quem não ouviu o disco original talvez nem se anime a procurar. A boa notícia é que há surpresas: o remix desértico de Omid 16B em Warsong, o brilho inesperado de Cosmodelica em Nothing is forever e a reconstrução post-rock de Endsong pelo Mogwai.
Mais: o Joycute extrai algo do The Cure de Disintegration (1989) de Drone: nodrone e Daniel Avery esculpe quase um nu-metal na mesma faixa – que já era bem pesada e eletrônica no original. No fim das contas, Mixes of a lost world é um disco que recompensa quem insiste. Mas cansa, viu?
Texto: Ricardo Schott
Nota: 6
Gravadora: Fiction/Polydor
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: King Gizzard & The Lizard Wizard – “Phantom Island”

RESENHA: Misturando Electric Light Orchestra, Roy Wood solo e progressivo de FM, Phantom Island, novo álbum de King Gizzard & The Lizard Wizard, divide opiniões – mas traz faixas criativas e grooves que merecem ser descobertos.
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O King Gizzard & The Lizard Wizard, que acaba de lançar Phantom Island, é uma banda cuja situação é a mesma do Ty Segall (cujo disco mais recente, Possession, resenhamos aqui): tem sua história marcada por discos a rodo e mudanças rápidas de direção.
No fundo – e faltou observar isso quando falamos do Ty – esse modus operandi é herdeiro da maneira como Neil Young sempre encarou sua carreira. Ou seja: os discos reproduzem meu momento, faço o que tenho vontade, fã que é fã entende minhas mudanças, quero ir para todos os lados que eu quiser, e é isso aí. Dá certo em alguns casos: Neil tem mais discos ótimos em sua discografia do que momentos entediantes, Ty idem, e o King Gizzard une discos excelentes a outros que beiram o tédio.
A julgar pelas resenhas que andam saindo de Phantom Island, o 27º (!) disco do KGLW agradou pouco. A Pitchfork falou que as faixas costumam ser “frustrantes e exageradas, mas incluem ocasionais faíscas de magia”. O brasuca Popload não se animou igualmente, lembrando que Phantom Island foi gravado nas mesmas sessões do anterior, Flight b741 (2024), e que é composto pelas músicas menos empolgantes da leva.
Olha, sei lá: Phantom Island tem mais músicas ótimas do que desperdícios de tempo, e é um disco recomendadíssimo para quem curte Electric Light Orchestra, por exemplo. Aliás, o disco se parece até mais com The Move (embrião da ELO), porque Phantom Island super tem a cara do Roy Wood, que era o geninho da banda nos primeiros tempos.
Por consequência, o disco igualmente pode interessar a fãs do Wizzard – a banda que Roy montou após sair do ELO, uma espécie de ABBA místico com músicos fantasiados de alquimistas glam, que estourou com o hit See my baby jive. E a fãs de álbuns solo de Roy como Mustard (1975). Admiradores das fases yacht rock de bandas como Gentle Giant e Grateful Dead – respectivamente os discos Giant for a day! e Shakedown Street, ambos de 1978 – também não vão se arrepender se derem uma escutadinha.
O King Gizzard larga de vez a psicodelia surrealista que marcou vários álbuns do grupo e invade a grande área do rock orquestral e do progressivo de FM. Phantom Island abre com o progressivo dançante da faixa-título, prossegue com a vibe Elton John/The Who de Deadstick, ganha batida funkeada e clima orquestral celestial em Lonely cosmos – esta, com cordas lembrando Marionette, sucesso do Mott The Hoople.
A boa tradição do prog de rádio é louvada com Eternal return, com o clima meio beatle, meio Alice Cooper de Aerodynamic e Sea of doubt, e com o balanço quase disco de Silent spirit – cujo início lembra a abertura de Sleepwalker, hit da fase norte-americana dos Kinks. Vale conferir também o groove de Panopsych, o tom Madchester de Spasesick e a vibe voadora de Grow wings and fly.
E enfim, eu se fosse você, ouvia Phantom Island correndo: poucas vezes o King Gizzard fez um disco com uma soma de referências e emanações tão bacana.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: p(doom) Records
Lançamento: 13 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Billy Nomates – “Metalhorse”

RESENHA: Em Metalhorse, Billy Nomates transforma perdas e dor em um disco sombrio, intenso e visceral, entre o pós-punk, o glam e ecos dos Stranglers.
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Tor Maries, que assina como Billy Nomates, descobriu recentemente ser portadora de esclerose múltipla – pouco depois de perder o pai, vítima de complicações causadas pelo Mal de Parkinson. Entre essas duas pancadas da vida, ela começou a gravar seu novo disco, Metalhorse: um álbum que oscila entre o pós-punk e o glam rock, com o peso maior do lado punk. Mas nada é tão direto: logo no início, a faixa-título surpreende, abrindo caminho para um clima de café-concerto, com pianos e vocais de presença.
Atravessado por temas como morte, doença e os perrengues da existência, Metalhorse tem momentos como o tecnopop sombrio de Nothing worth winnin (“este quarto é alugado / estou de olho nas horas / diga que estou louca / como se todos estivessem bem”) e o folk enigmático de Strange gift (“a morte é um presente estranho que você não queria / alguém te entrega isso”). A angústia noventista e os timbres oitentistas se cruzam em The test, no pós-punk seco de Override e no eletrônico nervoso de Gas, faixa que passeia entre o country e o hard rock com vocais cheios de veneno.
- Stranglers avacalhando uma dublagem do hit No more heroes na TV holandesa
- Ouvimos: Ty Segall – Possession
- Ouvimos: Raveonettes – PE’AHI II
Hugh Cornwell, ex-vocalista dos Stranglers, aparece na sombria Dark horse friend, selando de vez a influência do lado mais sinistro da clássica banda britânica no som de Billy Nomates – que nos primeiros discos flertava mis com o tecnopop, mas aqui mira em terrenos mais obscuros. O fantasma dos Stranglers também ronda Comedic timing, música sobre como o mundo muda quando a gente muda (e nem sempre para melhor), com ecos de ironia e mistério.
O título Metalhorse alude a forças estranhas e incontroláveis, e esse mesmo espírito atravessa Plans e Moon explodes, que ficam entre o punk e a new wave, além da vinheta Life’s unfair, que junta blues e jazz com atmosfera de fim de festa. Intenso, imprevisível e rasgado de dor, Metalhorse é o trabalho mais sombrio e poderoso da carreira de Billy Nomates – e também o mais visceral.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Invada Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
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