Crítica
Ouvimos: Merli Armisa – “Ortensie comete”

RESENHA: Merli Armisa mistura shoegaze, krautrock e folk em Ortensie comete, disco experimental, suave e ruidoso, cantado em italiano.
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E o shoegaze italiano – cantado no idioma de Nico Fidenco – vai muito bem, obrigado. Merli Armisa é o codinome usado pelo músico Michele Boscacci, e Ortensie comete, o segundo álbum do projeto, sai depois de uma trabalheira em estúdio que durou quatro anos. Chega às plataformas unindo shoegaze tecladeiro, krautrock e experimentações com velocidades alteradas – como no som de fita de Ti ho sognata… appena prima dell’alba (“sonhei com você… pouco antes do amanhecer”, se você ficou curioso/curiosa), repleto de uma sonoridade derretida e soturna.
Após uma faixa-título de violões e ruídos, surge o dream pop, com baixo forte à frente, de Koto – que tem mesmo um koto japonês entre os instrumentos. Muita coisa do repertório tem clima tranquilo e próximo do folk, até que o barulho tome conta – como acontece em Al cader della giornata, a sombria Che ne sarà e Oh mi amor! (esta, a música mais doce e inesperada do álbum).
Ruídos e experimentações com teclados tomam conta de Koto 2 – que chega a lembrar o lado eletrônico da Legião Urbana – e Capelli argento. Sei qui con mi tem percussão que soa como uma máquina em serviço e vocal doce (da convidada Arianna Pasini), encerrando com um violão quase silencioso. E loops e paredões de guitarra tomam espaço em Il cielo é cosi terso e Tutti i gioielli. No final, os sete minutos psicodélicos e ruidosos de Astro del cielo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Dischi Sotterannei
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Fito Páez – “Novela”

RESENHA: Fito Páez resgata sua ópera-rock perdida Novela, cheia de magia, crítica social e ambição sonora — um épico pop feito pra ouvir inteiro, sem distrações.
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Até Fito Páez tem seu (bem mal comparando) Lifehouse – aquela ópera-rock complicada e cheia de elementos de Pete Townshend que foi cortada e virou o disco Who’s next (1971). Novela foi uma ópera-rock que Fito imaginou em 1988, inicialmente como um projeto multimídia. Foi deixada de lado, algumas demos circularam em versões bootleg, e certos detalhes do álbum original foram fragmentados – a música Circo Beat, que deu nome ao disco mais vendido de Fito (1994), não apenas faria parte de Novela como dá nome ao circo que aparece na trama.
Dá para ver uma certa semelhança entre Novela e a história de The scholars, a ópera-rock lançada há pouco pelo Car Seat Headrest. Ambas são histórias que se passam em ambientes escolares e que têm um subtexto meio “espiritual” e sobrenatural. No disco do argentino – cuja trama se passa em sua província natal, Santa Fe – o cenário é uma escola de feitiçaria chamada Universidad Prix.
Os personagens e as outras arenas vão aparecendo: as bruxas Maldivina e Turbialuz (alunas da escola), além dos jovens Jimmy, músico de rock, e Loka, adolescente idealista, filha do administrador do (aí sim!) Circo Beat, que chega à cidade. Lá pelas tantas, a trama ganha ares de O Mágico de Oz, com todos os personagens desenvolvendo tramas próprias e seguindo em ondas de autodescoberta.
- Ouvimos: Car Seat Headrest – The scholars
- Ouvimos: Os Paralamas do Sucesso – Cinema mudo (remasterizado)
- Ouvimos: The Who – Who’s next: Life house
As semelhanças com The scholars param por aí, já que, se o disco do Car Seat Headrest é cheio de momentos que não se sustentam em separado, Novela tem inúmeras faixas que seguram a onda por si só, além de uma série de elementos imaginários. Alguns deles foram revelados por ele numa excelente entrevista à Rolling Stone – e são típicos de quem cresce em cidades muito pequenas, quase num espelho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Marquez, e seu universo fantástico.
Musicalmente, Novela, um produto da Sony Music argentina, não seria feito no Brasil sem uma empresa enorme patrocinando, e seria um disco independente – Fito convocou orquestra, narradores, etc. Nem Chico Buarque conseguiria fazer algo assim hoje em dia numa gravadora normal. Universidad Prix, na abertura, une pós-disco music orquestral com synthpop no estilo de What a feeling, hit de Irene Cara.
O folk toma conta de Bruxas Salem de Prix, enquanto Maldivina y Turbialuz leva a sonoridade para o universo dos Rolling Stones setentistas – com um piano que lembra o de Nicky Hopkins. Uma alma glam, por sua vez, toma conta de Cuando el circo chega al pueblo – esta, um rock balançado, melódico, chegando a lembrar Paralamas do Sucesso e Erasmo Carlos.
Isso é só o começo de Novela. Referências a Beatles, comuns na obra de Fito Páez (o álbum Circo Beat não tem esse nome à toa) tomam conta de boa parte do repertório – especialmente em Cruces de gin en sal, Balas y flores, Herencia, Love is falling over my heart, El vulo (essa, na cola de She’s leaving home). Fito passeia por outros estilos, como numa trilha de musical, cabendo synthpop em Superextraño, mais rock stoniano em Modo Carrie, punk em Argentina es una trampa, blues rock de terno e gravata em El triunfo del amor. A esperançosa Sale el sol une Beatles e o bubblegum setentista que brotou do som deles.
O som que você ouve em Novela vai se recusar a sair da sua mente, e do seu coração – ainda que você não domine o espanhol e precise parar em alguns momentos para entender o universo quase literário de Fito Páez. No geral, é um disco que depende da interação do ouvinte, de sua vontade de parar e ouvir um álbum inteiro, e foi feito pra quem realmente para tudo e ouve música. E felizmente, volta e meia ainda saem álbuns assim.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Sony Music
Lançamento: 28 de março de 2025.
- Por acaso, durante os últimos dias, saiu um perfil bastante revelador de Fito na revista Piauí – e depois disso, declarações dele sobre a política de seu país foram mal-interpretadas e tiradas de contexto.
- O site Scream & Yell tem também uma ótima resenha de Novela, escrita por Davi Caro. Leia aqui.
Crítica
Ouvimos: Rubel – “Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?”

RESENHA: Rubel surpreende em Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?, disco de MPB com ambiência rica, sons intimistas e canções que desafiam padrões.
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Se você não via tanta graça assim no som de Rubel, pode se preparar para ser surpreendido/surpreendida. No quarto disco, Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?, ele parece finalmente ter encontrado uma identidade sonora que diferencia sua música não só pela composição, mas também pela ambiência e pelo design musical – aqueles detalhes que fazem toda a diferença na experiência de escutar um disco.
Beleza é um disco de MPB que você vai querer ouvir numa caixa acústica gigante – e talvez até se pergunte por que os CDs, antes símbolos de audiofilia avançada e altíssima fidelidade, perderam o charme. Sim, porque assim como acontece com a estreia de Joaquim, Varanda dos palpites (resenhado pela gente aqui), o novo de Rubel parece um daqueles discos que, lá por 1990, 1991, davam a impressão de que você podia “ver” a disposição dos músicos no estúdio. Ruídos de respiração, toques de instrumentos e até sons que lembram cliques de computador criam uma sensação de intimidade, como se estivéssemos assistindo a um ensaio enquanto a vida acontece ao redor.
É o caso da MPB guiada pelo violão em Feiticeiro gozador – faixa multipartida, com clima pós-bossa-folk, orquestrações e cara de trilha de novela dos anos 1970. Ou de A janela, Carolina, versão da canção A la ventana, Carolina, do mexicano El David Aguilar, que soa como uma resposta à Carolina, da canção de Chico Buarque. Só que aqui a personagem ganha liberdade, convidada a olhar para dentro de si, e não mais para rosas e estrelas pela janela. Ouro evoca uma MPB de dentro pra fora: soa antiga, mas com um balanço renovado.
Beleza foge da curva de Rubel e, como álbum, abriga músicas que fogem da própria curva. É o caso de Carta de Maria, com balanço afro, metais e clima que remete ao Caetano Veloso de Cores, nomes (1982). E também do encerramento com Reckoner, cover do Radiohead, reinventada no formato voz e violão. São interlúdios em um disco que, na maior parte do tempo, soa como uma faixa só. Nessa “faixa” cabem o quase folk de Azul, bebê, a MPB de quarto da pessimista e realista Noite de réveillon (“todo ano eu ouço: tudo vai mudar / eu já não caio / vou dormir”), e a dissonância em letra e música de Praticar a teimosia.
Inclui também a ousadia de Pergunta ao tempo. Na cola de Resposta ao tempo, de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos, Rubel formula perguntas de desconcertar. Pelo menos uma delas, garanto que você já se fez: “desculpa perguntar / não quero atrapalhar / mas por que o ano encurta / depois de virar?” Um disco de pulgas atrás da orelha, e de sons que reverberam na mente por bastante tempo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 28 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Atalhos – “A força das coisas”

RESENHA: Dupla de art rock de Birigui (SP), o Atalhos une dream pop e pós-punk oitentista no disco A força das coisas, com ecos de Smiths, Sundays e New Order.
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Banda de art rock com origens no interior paulista (vieram de Birigui), o Atalhos une som, literatura e profecias em seu novo disco, A força das coisas. Mas nada de progressivismos ou algo do tipo. Basicamente o álbum de Gabriel Soares e Conrado Passarelli demonstra orgulho por soar próximo do dream pop e do pós-punk dos anos 1980. Assim falou Zaratustra, na abertura, tem ecos de The Smiths e Echo and The Bunnymen, clima de sonho e ritmo leve e quase insinuado.
Anjo mau, com a chilena Antonia Navarro no vocal, tem vibe tranquila e meio gótica, lembrando os britânicos do The Sundays, e soando como um rock britânico vindo de um país próximo da Inglaterra, mas pertencente ao mesmo reino – da mesma forma que Belo Horizonte, combinando guitarras e synths, soa como uma banda dos anos 1980 que você não conhecia, mas a qual foi apresentado/apresentada numa plataforma de música. Delirios en Paraguay, música realmente bonita, com participação do projeto paraguaio El Culto Casero, soa como uma releitura indie do som do Skank e de Samuel Rosa.
O som do Atalhos aponta também para um guitar rock sereno em Ondas de calor e Ayer morí, e para a sonoridade mais recente do New Order na faixa-título. Desejos de uma tempestade, no final, é uma balada de oito minutos, entre a MPB e o rock texturizado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Costa Futuro
Lançamento: 24 de junho de 2025
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