Cultura Pop
Rock In Rio 2017 em quinze itens

Você passou todo o Rock In Rio 2017 chamando o festival de “pop in Rio” e resmungando? Então engole essa: é melhor estar lá na Cidade do Rock do que fora dela, com todos os defeitos, problemas e injustiças (ingresso caríssimo) que o evento tenha. Por força do meu local de trabalho, encarei seis dos sete dias de Cidade do Rock. Quem vai, reclama, se cansa, vê mais shows a trabalho que um ser humano normal aguentaria ver por diversão. Mas é sempre bem legal. Para não dizer que não escrevi nada mais pessoal a respeito da Cidade do Rock, escolhi quinze itens para comentar a respeito da Cidade do Rock em 2017.
FORA, TEMER. O grito de guerra contra o presidente Michel Temer foi “a música mais cantada do festival” (piada entreouvida na sala de imprensa). Muito bom, e como disse Roberto Frejat no palco, “tá na hora, né?”.
https://www.youtube.com/watch?v=Xxy0F1LZ97I
FEAT. Lá fora, a coisa mais comum do mundo é que artistas, às vezes de universos completamente diferentes, participem dos trabalhos uns dos outros – para formar parcerias descompromissadas e para mostrar um determinado som para o público de outra pessoa. Aqui no Brasil, rola o contrário: tem muito artista (tem que eu sei) que acha que isso é sinal de crise criativa, ou de botar azeitona em empada alheia. No Rock In Rio 2017, o hábito de levar convidados no Palco Sunset invadiu o Palco Mundo: teve Projota no show do 30 Seconds To Mars, Pabllo Vittar, Sergio Mendes e Gracinha Leporace no show de Fergie, Dream Team do Passinho com Alicia Keys, etc. E deveria ter mais, assim como também são importantes shows alternativos como o que levou os Raimundos para a Arena Itaú.
https://www.youtube.com/watch?v=pHxa2l1G8lY
SIM, TEM QUE TER FUNK. O Rock In Rio é, mais do que tudo, uma baita celebração da música. A marca “rock” abriga isso tudo muito bem – e que bom que não é o Polca In Rio, o Minueto In Rio ou o Pagode In Rio, já que é bem mais bonito para quem ama o gênero ter o nome “rock” num dos maiores eventos do mundo. Sim, não chamar Anitta foi vacilo. Sim, o festival estava preparado para o funk e o estilo combina com o Rock In Rio, já que teve riff de Deu onda, do MCG15, no show de CeeLo Green, Dream Team do Passinho com Fernanda Abreu e Alicia Keys, e vai por aí. Tem que ter mais rap no Palco Mundo também, já que como bem lembrou a reportagem de capa do O Globo desta segunda (25), feita por Liv Brandão, o estilo hoje é mais popular nos EUA que o próprio rock.
https://www.youtube.com/watch?v=vwhpcL7UGNg
THE WHO. Sim, foi o ponto alto do Rock In Rio 2017. Ninguém imaginava que Pete Townshend fosse aquela simpatia de pessoa, e só os muito fãs (os que acompanham cada passo do grupo) tinham ideia de que a voz de Roger Daltrey ainda estivesse na alta, a ponto de barbarizar no berro final de Won’t get fooled again. Antes tarde do que nunca. Fez valer o nome “Rock In Rio” por mais uns vinte anos e, depois dessa, escalações altamente vendedoras com Ivete Sangalo e Claudia Leitte são compreendidas e aceitas. O repertório do show não foi matador – foi despedaçador, esquartejador. Sparks, trecho instrumental de Tommy (1969), foi de ouvir rezando.
GUNS N ROSES. Parem de reclamar da voz de Axl Rose: o cantor do Guns descuidou tanto da própria saúde que dá para dizer que a potência vocal dele está prodigiosa. Teve lá suas falhas, mas foi até o fim. O show histórico de mais de três horas permite à galera encarar a apresentação do jeito que quiser. A hora em que rolam canções do controverso Chinese democracy (2008) dão um descanso na turba – é hora de dar uma volta e pegar uma cerveja. O repertório ajudou a recordar várias ótimas músicas dos dois álbuns Use your illusion, de 1991: Coma, Civil war, You could be mine e November rain estavam lá. E a seu modo foi uma aula de rock para quem vivia com o nariz grudado na tela da TV vendo MTV nos anos 1990. Cada geração tem direito a seu clássico do rock. Aproveito para lembrar que se você foi à Cidade do Rock, esteve durante três horas e meia cara a cara com Duff McKagan, elo perdido bizarro entre o rock dos anos 1990 e o pré-punk, e responsável por cantar no show You can’t put your arms round a memory, memorável faixa solo do ex-New York Dolls Johnny Thunders, ídolo de Joey Ramone.
CAPITAL INICIAL. Te conheço: você zoa os “cara” e “velho” de Dinho Ouro-Preto, ficou putinho com o discurso político dele no domingo (poxa, mas ele até poupou o Lula e o Sarney), mas já pegou gente ao som de À sua maneira e Depois da meia-noite, e quando rola Primeiros erros no rádio do táxi, canta mentalmente. Pode engolir essa: fazer festival de rock sem chamar o Capital Inicial é burrice. Reunir “200 mil mãos pra cima” na beira do Palco Mundo e abrir a noitada de shows tirando à força a plateia da apatia não é pra qualquer banda. Vai ter que cantar junto com eles no Rock In Rio 2019 também. E no fundo você gosta.
https://www.youtube.com/watch?v=65p0CoyD0zE
TEARS FOR FEARS. O segundo melhor show do festival. Quem solta coisas como “Alpha FM In Rio” para zoar a apresentação de Roland Orzabal e Curt Smith tem lá sua dose de razão (se você pegar três táxis num dia, arrisca-se a escutar três músicas diferentes da dupla). Mas vale citar que a fase mais deprê e pós-punk do disco The hurting (1983), estreia deles, estava bem representada lá, e o grupo ainda arriscou-se a incluir duas (lindas) músicas do disco Everybody loves a happy ending, último deles, de 2004. Do primeiro disco, senti falta de Watch me bleed.
https://www.youtube.com/watch?v=q2drmAwC4x0
ALICE COOPER COM ARTHUR BROWN. O terceiro melhor show do Rock In Rio 2017. Para mim, que nunca o tinha visto ao vivo, foi o famoso “você sempre ouviu falar, agora vai assistir”: Alice é decapitado, vai pra cadeira elétrica e esvazia o saco de maldades no show, “esfaqueando” uma garota (teve gente que problematizou). A lista de músicas tem Feed my Frankenstein, Halo of flies, No more Mr Nice Guy, Only women bleed, Under my wheels, tudo o que você sempre sonhou em ver ao vivo. Mas poderia ter tido mais Arthur Brown, que apareceu no fim, cantou Fire e juntou-se ao coral de School’s out.
NILE RODGERS. O quarto melhor show do Rock In Rio 2017. Foi no Palco Sunset e merecia o Palco Mundo. A parte em que o guitarrista do Chic avisou que estava livre do câncer foi tão emocionante que fez um sujeito desabar de chorar no ombro da namorada, na minha frente. O repertório incluiu material que ele compôs ou produziu para Chic, Madonna, David Bowie, Diana Ross. E, doenças à parte, Nile está vivo por milagre, de qualquer jeito. Se você tem dúvidas, leia todo o histórico de detonação do figura exposto na autobiografia Le freak, que a Zahar lançou por aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=udbP9J-1kA4
RED HOT CHILI PEPPERS. Me desculpe quem gosta muito, mas lá vai: Red Hot Chili Peppers sempre foi uma banda ok e apenas isso. O repertório do grupo sempre combinou músicas brilhantes com sons que não chegam a lugar algum – poucos álbuns da banda não sofrem desse mal. Anthony Kiedis mal se comunica com o público e deixa o carisma para Flea, no baixo. Fases excelentes da banda, com John Frusciante e Dave Navarro na guitarra, já se foram. Deixar de lado músicas ótimas como Aeroplane, Suck my kiss, Dani California e Scar tissue – substituídas por sons como Sir Psycho Sexy, Power of equality e Right on time, sem tanta graça – foi um equívoco.
https://www.youtube.com/watch?v=R4CMPL2LqLs
NEY E NAÇÃO Sim, o encontro de Ney Matogrosso com a Nação Zumbi deu nisso: desencontros vocais durante todo o tempo. Mas pra piorar, musicalmente, a Nação não estava num bom dia. A bem da verdade, nem Ney, que parecia estranhamente encabulado em seu próprio território, o palco. Nada ali deu certo. Boa parte do repertório original do Secos era marcado por linhas geniais de baixo – cortesia de Willie Verdaguer, um argentino radicado no Brasil que tem no currículo a elaboração do arranjo original de Alegria, alegria, de Caetano Veloso, e que hoje toca com Guilherme Arantes. Pelo menos esse detalhe merecia cuidados especiais por parte da banda.
https://www.youtube.com/watch?v=RISL1803LqI
O SOM DO PALCO MUNDO. Estava uma merda. Em shows como o do Aerosmith, a cada momento um instrumento falhava. No (bom) show do Offspring, estava baixíssimo. Nas laterais do Palco, pouco se escutava em várias apresentações.
EU JÁ SABIA. Alicia Keys foi responsável pelo mais belo show de música pop do Rock In Rio 2017. E ainda expôs a preocupação com a causa indígena (e com as reservas minerais do Brasil) de maneira bem mais incisiva que qualquer outro artista brasileiro. Se ela voltar ao Brasil, não perca.
https://www.youtube.com/watch?v=jDptRog9fOQ
CIDADE NEGRA, DIGITAL DUBS E SPOK FREVO ORQUESTRA CANTANDO GILBERTO GIL. Puta show. Sério. Pede turnê pelo Brasil urgente.
SEPULTURA NO PALCO MUNDO. E não no Sunset, como rolou esse ano. Tem que ser assim em 2019.
Foto: Andrea Pessoa
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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