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Cultura Pop

O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

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O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

Entre outubro de 1975 e abril de 1976, os telespectadores acompanharam na Globo uma novela das 22h que estava mais próxima de uma experiência punk do que de uma história romântica. Era O Grito, assinada por um autor paulistano chamado Jorge Andrade (1922-1984), que já vinha de outra novela da Globo, Os ossos do barão (1973).

O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

As duas novelas tinham algo em comum: tratavam cada uma a seu modo, da decadência das classes aristocráticas de São Paulo. No caso de Os ossos…, a história centrava num filho de Barão (Antenor, interpretado por Paulo Gracindo) que não se conformava com a perda de poder e dinheiro, e se encontrava morando de favor nas casas dos filhos.

Já em O Grito, um prédio construído no terreno pertencente a uma família quatrocentona abrigava moradores de todas as classes sociais. Entre eles um garoto com deficiência mental, Paulinho (Marcos Andreas), filho da ex-freira Marta (Glória Menezes). O garoto gritava todas as noites e atrapalhava o sono de todos os moradores – que conversam em reuniões sobre expulsar ou não mãe e filho do prédio.

O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

A novela deu uma chocada em vários telespectadores, por alguns motivos. O primeiro, especialmente para a população de São Paulo, é que a trama mostrava a metrópole como “dura, fechada, fria” (expressões do próprio autor). Um deputado paulistano chegou a protestar contra a novela no Congresso. Em Ipanema, teve gente aparentemente levando a novela a sério demais: moradores de um prédio tentaram expulsar uma criança excepcional que morava lá.

O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

Um outro motivo – citado por quase todo mundo que assistiu à novela – é que os gritos de Paulinho, na maioria das vezes, apareciam sem aviso prévio. Pra muita gente, era de meter medo.

A novela tinha um monte de segredos malucos. O interceptador telefônico do prédio desaparecia e as ligações poderiam ser monitoradas. De uma hora para outra, os moradores começavam a denunciar uns aos outros. O prédio ainda era habitado por uma contrabandista (a atriz Midori Tange, cujo personagem também se chamava Midori) e por um rapaz que escondia sua homossexualidade dos pais (Agenor, interpretado por Rubens de Falco). O elenco ainda tinha nomões como Walmor Chagas, Leonardo Villar, Ruth de Souza, Castro Gonzaga e Yoná Magalhães.

O Grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

Mensagem final da novela, logo depois da morte e cremação de Paulinho

No YouTube, dá para achar alguns rastros da novela. Poucos, por sinal: tem a abertura, feita pela Blimp Filmes, empresa do irmão de Boni, Guga de Oliveira.

Uma das chamadas da novela.

O primeiro capítulo também está por lá.

https://www.youtube.com/watch?v=ijpEHblUqEE

O último capítulo também foi jogado no YouTube. Maluquice falar em spoiler no caso de uma novela que ninguém vai conseguir ver inteira hoje em dia, então vamos lá: Paulinho, o garoto com problemas, morre. Marta, sua mãe, volta a ser freira e resolve espalhar as cinzas do garoto por todos os lugares dos quais foi expulsa por causa dos gritos do filho.

Os minutos finais são ocupados pela tristonha cena da cremação de Paulinho, e de flashbacks de boa parte do elenco quando eram crianças. No final, os gritos do personagem. Deve ter sido um dos finais de novela mais depressivos já exibidos.

Muita gente assistiu a O Grito. Especialmente os críticos de TV, que localizaram, naquela história difícil de transformar em novela, assunto para vários textos. No acervo do O Globo, dá pra ver várias crônicas de Artur da Távola (que era crítico de televisão naquela época) falando sobre a produção e até dando conselhos ao novelista. Para muita gente, foi uma novela dura de acompanhar: toda a trama se passava em uma semana (!), e ainda assim a narrativa era bem lenta, com muitos silêncios e diálogos esticados.

Jorge, que anteriormente havia escrito peças como A moratória, tinha entrado na Rede Globo numa época em que a empresa desenvolvia o horário das 22h (que permitia mais experimentações) e buscava novos autores. Com O Grito, ganhou fama de incompreendido e “difícil”. Passou a escrever novelas para canais como Tupi e Band. Em 1981 substituiu Ivani Ribeiro nos textos de uma espécie de novela-reportagem da Band chamada Os Adolescentes.

O Grito ainda tá rendendo. Tem até uma tese de doutorado sobre a novela. A doutora em comunicação pela USP Sabina Anzuategui defendeu em 2012 O grito de Jorge Andrade: a experiência de um autor na telenovela brasileira dos anos 1970, que pode ser lida aqui.

Sabina, nascida um ano antes da novela ir ao ar (tem 44), tinha começado o doutorado em 2008 com a intenção de pesquisar as telenovelas experimentais dos anos 1960/70. “Alguns amigos mais velhos falam de experiências narrativas incríveis, e eu estava curiosa”, lembra ela. “Na biblioteca do departamento de Cinema e TV da ECA-USP, tinha um DVD com o primeiro e os dois últimos capítulos. Adorei os capítulos! São realmente impressionantes. Marquei uma visita ao centro de documentação da TV Globo, pra ler os roteiros originais digitalizados, e verificar se o texto era realmente bom. Foi uma paixão, e a novela se tornou o foco da minha tese”.

Conversei com Sabina sobre a tese dela. Segue aí.

Como avalia o impacto das cenas finais, com a cremação, os gritos, aquela mensagem final? Considera aquilo uma mensagem de ameaça, do tipo “se a atitude das pessoas não mudar, mais Paulinhos serão incompreendidos por aí”?
Na minha tese, fiz uma interpretação sobre isso. Essa frase seria uma resposta do autor ao público e aos críticos da novela. Há uma relação na obra entre Marta (mãe de Paulinho) e Jorge Andrade. Os dois desejam que “uma parte de seu filho” fique dentro de cada pessoa depois que ele morrer. No caso de Jorge, o “filho” é a novela, e a “morte” é o último capítulo. Do mesmo modo que os moradores querem expulsar Paulinho, parte do público rejeitou a novela. Então Jorge Andrade declara metaforicamente que não adianta fechar os olhos para o que não queremos ver. Há sempre alguém corajoso (ele/Marta), que perseguirá em sua missão, dizendo as coisas que precisam ser ditas.

Afinal, a Globo ainda tem todos os capítulos guardados ou só o primeiro e o último?
Eu nunca pesquisei isso. Minha pesquisa era sobre o texto. Li todos os roteiros originais. Creio que para a TV Globo os roteiros eram mais importantes que as imagens, pois todos eram microfilmados no mesmo ano em que a novela ia ao ar. Eles provavelmente pensavam que uma novela boa poderia ser regravada mais tarde, se houvesse interesse. Já uma reprise da gravação original só valeria a pena para novelas que foram sucesso de audiência.

O Grito ainda tem um enorme impacto sobre muita gente, tanto que um cara fez até uma abertura falsa de remake pra ela, que está no YouTube (acima). Como você vê esse impacto que ela ainda tem? Aliás como você vê o fato de uma novela que enfrentou tantos problemas nunca ter sido esquecida?
A novela é excelente! Esse é o primeiro ponto. Ela tem elementos para atrair o público: tem uma trama de mistério, uma investigação policial, contrabandistas, homossexualidade, travestismo, mulheres livres, ricos hipócritas, empregados batalhadores e emergentes. E a figura de Marta, religiosa, meio mística, com uma missão de cuidar do filho, muito comovente. A lentidão da novela teve origem nos longos diálogos morais e existenciais de Jorge Andrade. Isso assustava parte do público, que esperava uma trama mais rápida. Se ela fosse reduzida a uns 40 capítulos, concentrados no enredo, com diálogo mais enxuto, teria muito potencial de audiência.

Considera que ela merecia um remake? E como você vê essa coisa de os moradores do prédio terem segredos (e ficarem preocupados com ligações interceptadas) nesses tempos de redes sociais, em que todo mundo pode ver (e acompanhar) a vida de todo mundo?
Ela daria um remake sombrio, meio como American Horror Story, seria ótimo! Os dois “segredos” da novela – os contrabandistas, e as cartas anônimas – poderiam existir ainda nos dias de hoje. Há muitas maneiras de se esconder atrás de perfis falsos na internet. Neste caso, Marta, além de ex-freira, poderia secretamente ser uma hacker!

Você chegou a conversar com a família do Jorge? O que eles comentam sobre ele na época da novela?
Sim, conversei com as duas filhas dele, que foram super generosas, e me emprestaram o texto original durante 30 dias, para eu fazer a leitura completa da obra. Não fiz entrevistas com elas perguntando sobre Jorge, pois encontrei muito material na imprensa escrita, principalmente na coluna sobre TV da Helena Silveira. Ela acompanhou as polêmicas sobre a novela durante toda a exibição, e relatava conversas que teve com Jorge sobre isso. Considerei que o material da Helena Silveira era muito rico, pois era um relato direto da época.

Tem mais produção acadêmica sobre O Grito. Heloisa Pait, da UNESP, lembra no texto O silêncio da televisão: desafios e esperanças da comunicação mediada que a novela causava uma reação inesperada em sua família. “Meus pais desligavam a TV mudos. O que essa novela falava para eles? Penso que algo solene, profundo, algo sobre o país, talvez, sobre o casamento, quem sabe? Algo que as pessoas não queriam ouvir, com certeza, novela estilo remédio amargo”, escreveu.

Infos de Revista Amiga e Novelas

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No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a “Jagged little pill”

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No nosso podcast, Alanis Morissette da pré-história a "Jagged little pill"

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. No segundo e penúltimo episódio desse ano, o papo é um dos maiores sucessos dos anos 1990. Sucesso, aliás, é pouco: há uns 30 anos, pra onde quer que você fosse, jamais escaparia de Alanis Morissette e do seu extremamente popular terceiro disco, Jagged little pill (1995).

Peraí, “terceiro” disco? Sim, porque Jagged era só o segundo ato da carreira de Alanis Morissette. E ainda havia uma pré-história dela, em seu país de origem, o Canadá – em que ela fazia um som beeeem diferente do que a consagrou. Bora conferir essa história?

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: Capa de Jagged little pill). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

Ouça a gente preferencialmente no Castbox. Mas estamos também no Mixcloud, no Deezer e no Spotify.

Mais Pop Fantasma Documento aqui.

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No nosso podcast, Radiohead do começo até “OK computer”

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Radiohead no nosso podcast, o Pop Fantasma Documento

Você pensava que o Pop Fantasma Documento, nosso podcast, não ia mais voltar? Olha ele aqui de novo, por três edições especiais no fim de 2025 – e ano que vem estamos de volta de vez. Para abrir essa pequena série, escolhemos falar de uma banda que definiu muita coisa nos anos 1990 – aliás, pra uma turma enorme, uma banda que definiu tudo na década. Enfim, de técnicas de gravação a relacionamento com o mercado, nada foi o mesmo depois que o Radiohead apareceu.

E hoje a gente recorda tudo que andava rolando pelo caminho de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Colin Greenwood, Ed O’Brien e Phil Selway, do comecinho do Radiohead até a era do definidor terceiro disco do quinteto, OK computer (1997).

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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4 discos

4 discos: Ace Frehley

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Dizem por aí que muita gente só vai recordar de Gene Simmons e Paul Stanley, os chefões do Kiss, quando o assunto for negócios e empreendedorismo no rock – ao contrário das recordações musicais trazidas pelo nome de Ace Frehley, primeiro guitarrista do grupo, morto no dia 16 de outubro, aos 74 anos.

Maldade com os criadores de uma das maiores bandas de rock de todos os tempos, claro – mas quando Frehley deixou o grupo em 1982, muita coisa morreu no quarteto mascarado. Paul Daniel Frehley, nome verdadeiro do cara, podia não ser o melhor guitarrista do mundo – mas conseguia ser um dos campeões no mesmo jogo de nomes como Bill Nelson (Be Bop De Luxe), Brian May (Queen) e Mick Ronson (David Bowie). Ou seja: guitarra agressiva e melódica, solos mágicos e sonoridade quase voadora, tão própria do rock pesado quanto da era do glam rock.

Ace não foi apenas o melhor guitarrista da história do Kiss: levando em conta que o grupo de Gene e Paul sempre foi uma empresa muito bem sucedida, o “spaceman” (figura pela qual se tornou conhecido no grupo) sempre foi um funcionário bastante útil, que lutou para se sentir prestigiado em seu trabalho, e que abandonou a banda quando viu suas funções sendo cada vez mais congeladas lá dentro. Deixou pra trás um contrato milionário e levou adiante uma carreira ligada ao hard rock e a uma “onda metaleira” voltada para o começo do heavy metal, com peso obedecendo à melodia, e não o contrário.

Como fazia tempo que não rolava um 4 Discos aqui no Pop Fantasma, agora vai rolar: se for começar por quatro álbuns de Ace, comece por esses quatro.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Reprodução

“KISS: ACE FREHLEY” (Casablanca, 1978). Brigas dentro do Kiss fizeram com que Gene, Paul, Ace e o baterista Peter Criss lançassem discos solo padronizados em 1978 – adaptando uma ideia que o trio folk Peter, Paul and Mary havia tido em 1971, quando saíram álbuns solo dos três cujas capas e logotipos faziam referência ao grupo. Ace lembra de ter ouvido uma oferta disfarçada de provocação numa reunião do Kiss, quando ficou definido que cada integrante lançaria um disco solo: “Eles disseram: ‘Ah, Ace, a propósito, se precisar de ajuda com o seu disco, não hesite em nos ligar ‘. No fundo, eu dizia: ‘Não preciso da ajuda deles’”, contou.

Além de dizer um “que se foda” para os patrões, Ace conseguiu fazer o melhor disco da série – um total encontro entre hard rock e glam rock, destacando a mágica de sua guitarra em ótimas faixas autorais como Ozone e What’s on your mind? (essa, uma espécie de versão punk do som do próprio Kiss) além do instrumental Fractured mirror. Foi também o único disco dos quatro a estourar um hit: a regravação de New York Groove, composta por Russ Ballard e gravada originalmente em 1971 pela banda glam britânica Hello. Acompanhando Frehley, entre outros, o futuro batera da banda do programa de David Letterman, Anton Fig, que se tornaria seu parceiro também em…

“FREHLEY’S COMET” (Atlantic/Megaforce, 1987). Seguindo a onda de bandas-com-dono-guitarrista (como Richie Blackmore’s Rainbow e Yngwie Malmsteen’s Rising Force), lá vinha Frehley com seu próprio projeto, co-produzido por ele, pelo lendário técnico de som Eddie Kramer (Jimi Hendrix, Beatles, Led Zeppelin) e Jon Zazula (saudoso fundador da Megaforce). Frehley vinha acompanhado por Fig (bateria), John Regan (baixo, backing vocal) e Tod Howarth (guitarras, backing vocal e voz solo em três faixas).

O resultado se localizou entre o metal, o hard rock e o rock das antigas: Frehley escreveu músicas com o experiente Chip Taylor (Rock soldiers), com o ex-colega de Kiss Eric Carr (Breakout) e com John Regan (o instrumental Fractured too). Howarth contribuiu com Something moved (uma das faixas cantadas pelo guitarrista). Russ Ballard, autor de New York groove, reaparece com Into the night, gravada originalmente pelo autor em 1984 em um disco solo. Típico disco pesado dos anos 1980 feito para escutar no volume máximo.

“TROUBLE WALKING” (Atlantic/Megaforce, 1989). Na prática, Trouble walking foi o segundo disco solo de Ace, já que os dois anteriores saíram com a nomenclatura Frehley’s Comet. A formação era quase a mesma do primeiro álbum da banda de Frehley – a diferença era a presença de Richie Scarlet na guitarra. O som era bem mais repleto de recordações sonoras ligadas ao Kiss do que os álbuns do Comet, em músicas como Shot full of rock, 2 young 2 die e a faixa-título – além da versão de Do ya, do The Move. Peter Criss, baterista da primeira formação do Kiss, participava fazendo backing vocals. Três integrantes do então iniciante Skid Row (Sebastian Bach, Dave Sabo, Rachel Bolan), também.

“10.000 VOLTS” (MNRK, 2024). Acabou sendo o último álbum da vida de Frehley: 10.000 volts trouxe o ex-guitarrista do Kiss atuando até como “diretor criativo” e designer da capa. Ace compôs e produziu tudo ao lado de Steve Brown (Trixter), tocou guitarra em todas as faixas – ao lado de músicos como David Julian e o próprio Brown – e convocou o velho brother Anton Fig para tocar bateria em três faixas. A tradicional faixa instrumental do final era a bela Stratosphere, e o spaceman posou ao lado de extraterrestres no clipe da ótima Walkin’ on the moon. Discão.

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