Crítica
Ouvimos: Men I Trust – “Equus caballus”

RESENHA: Men I Trust lança Equus caballus, segunda parte de Equus asinus, com som mais inspirado, misturando pop oitentista, punk, soft rock e vaporwave.
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A gente acabou não contando a trajetória do Men I Trust quando resenhamos o disco Equus asinus há alguns dias. Hora de corrigir isso: o grupo nasceu em 2014, no Canadá, como uma iniciativa independente dos músicos Dragos Chiriac e Jessy Caron. No começo, o som era todo instrumental, com forte pegada eletrônica. Mas tudo mudou – e se encaixou – de vez com a entrada de Emma Proulx, que trouxe não só vocais delicados, mas também uma presença marcante e etérea musicalmente.
Desde então, a identidade sonora do Men I Trust se firmou: minimalismo, atmosferas suaves e aquele clima meio sonhador que virou a assinatura da banda. Hoje, Emma acabou virando o rosto mais visível do projeto – tanto que em boa parte das imagens de divulgação, só ela aparece, quase como se fosse um trabalho solo disfarçado. E 2025 tem sido um ano extremamente produtivo para a banda, com três álbuns lançados: em 11 de fevereiro saiu o ao vivo Forever live sessions vol.2 (o volume 1 saiu em 2020), em 19 de março saiu Equus asinus, e no dia 6 de maio chegou às plataformas esse Equus caballus. Por sinal, um disco bem mais interessante que o anterior.
A mescla de folk desolado, pop barroco, som lo-fi e trilha de soft porn das antigas do disco anterior… foi uma boa ideia, mas não desceu tão bem, com um número considerável de músicas cansativas. Equus caballus, o “outro lado” do álbum anterior, é um disco de pop adulto fundamentado nos anos 1980, no punk e no soft rock. Uma mistura que parece bem abilolada, mas que rende frutos bem legais no álbum, como a onda vaporwave de To ease you; o som na cola do Fleetwood Mac do álbum Tango in the night (1987) de Come back down; o r&b esparso, lembrando versões indie de Sade e Stevie Wonder, de Hard to see e Another stone.
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Mas aí estamos falando do começo do disco, porque lá pelas tantas acontece algo bem peculiar em Equus caballus, que vira para o pós-punk ruidoso, embora com alma soft rock, de Husk, para o indie pop de Carried away e para uma espécie de new wave versão Factory Records em Where I sit. Já In my years, tranquila e com teclados macios, parece coisa do Legião Urbana Dois. E o som vira para o noise pop, com herança de Pixies, em Worn down e no single de 2023, Billie toppy, incluído aqui.
Quem tem saudades de Equus asinus vai encontrar algo parecido na curtinha Eris (Wait), que encerra o álbum – com clima de soul misterioso, como num tema de série policial. Muita gente veria falta de foco em Equus caballus, mas é uma vibe mutante que faz bem aos ouvidos numa época de IA e algoritmo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 6 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Stereolab, “Instant holograms on metal film”

RESENHA: Stereolab retorna com Instant holograms on metal film, disco visionário que mistura krautrock, bossa, soft rock e crítica social futurista.
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Primeiro álbum do Stereolab desde 2010, Instant holograms on metal film só é inacreditável para quem não conhece esse grupo franco-britânico – que já tirou onda de profetas musicais do futuro, e hoje vê muita coisa imaginada por eles virar quase moda. O mundo conforme pensado pelo Stereolab em discos como a estreia Peng! (1992) era uma mescla de carros voadores e móveis estilosos dos anos 1960 – ou de homens com visual mod e mulheres de cabelo curto à Mia Farrow falando no celular e navegando na internet.
Era também uma mescla de influências que parecia encontrar o que havia de mais retrô no que havia de mais moderno, ou o contrário. O fato é que, em 2025, Lætitia Sadier e Timothy Gane podem só relaxar e zoar num universo imaginário em que computadores transmitem imagens falhadas de antigos VHS, e fitas K7 servem como portais para um novo mundo. Como no chacundum espacial de Aerial troubles, com vocais doces e melódicos e qualquer coisa que você ouviu em discos de bandas como Neu! e de produtores-artistas como Brian Eno.
É o que também rola na ensolarada e tecnológica Melodie is a wound, que durante boa parte de seus sete minutos é um soft rock. Só que misturado com detalhes de krautrock, e com uma letra que aponta o dedo para o cultivo ao ódio e à ignorância – com direito a teclados em clima de interferência no final. Climas quase progressivos tomam conta de Immortal hands, música na qual os vocais de Lætitia soam como os de Nico ou os de Yoko Ono. E Vermone F transistor opera no bom e velho cruzamento entre pop francês, bossa nova e rock sixties, típico do Stereolab.
Com uma hora de duração, Instant holograms vai para vários lados sem cansar, cabendo o pós-punk mágico e celestial – com batidinha quase tecnobrega – de Le coeur et la force, o Pink Floyd produzido por Giorgio Moroder de Electrified teenybop, a bossa eletrônica e espacial de Transmuted matter e o indie vintage de Esemplastic creeping eruption, música em que os instrumentos parecem falar, e em que o clima lembra o dos antigos discos de orquestras gravados no Brasil (como as pérolas da Orquestra Briamonte, nos anos 1960, que tinham tom futurista e elegante).
Entre climas viajantes e sombrios no final, o Stereolab vai do tecnopop de salão às experimentações eletrônicas nas duas partes de If you remember I forgot how to dream. Ambas são músicas com cara de sonho acordado, assim como o pop cheio de surpresas de Colour television. Uma música que, por causa do título, soa como o futuro visto do passado – mas cuja letra descortina uma distopia em que “toda a riqueza pode ser acumulada” e “os mesmos lideram, os outros ficam pra trás”. Um grupo visionário como sempre.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Duophonic / UHFWarp
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Tagua Tagua, “Raio”

RESENHA: Tagua Tagua mistura neo psicodelia e groove em Raio, disco solar com boogie, beats dançantes e vibe hipnótica de trilha de novela psicodélica.
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O Tagua Tagua, projeto do gaúcho Felipe Puperi, já era solar, psicodélico, embora bastante introvertido. Com Raio, terceiro disco, ele investe cada vez mais no encontro da neo psicodelia com o groove: paredes cobertas de sintetizadores, batidas dançantes e um tom mais expansivo marcam as nove faixas.
Alguns flertes são marcantes no álbum: o som misterioso do norte-americano Adrian Younge, o clima do Khruangbin e, em especial, as possibilidades do boogie nacional oitentista, que surgem no soul cósmico de Dia de sol, no clima praiano da faixa-título (um reggae leve, que lembra igualmente de leve os momentos mais calmos do Red Hot Chili Peppers) e na dance musica discreta de Let it go.
Até aí, você já percebeu que em Raio, Felipe investe também em vocais que soam quase como mantras – mesmo que sejam em português, não são fáceis de entender de cara, funcionam como um instrumento a mais, e ajudam na vibe hipnótica.
Esse clima magnético bate fundo no boogie progressivo de Artificial, com baixo lembrando Chic e clima de voo raso. Também é a tônica na pós-disco de Química, no batidão rock-disco de Come a little closer – música prestes a se transformar numa peça dance texturizada – e no pop contemplativo e dinâmico de Lado a lado, parceria com James Petralli (da banda norte-americana White Denim). No fim, o pop de violão Talvez lembra a MPB dos anos 1980, e Rito de passagem põe micropontos de introspecção no disco, com teclados cristalinos e beat seco.
Raio, por sinal, tem um certo tom carioca – ou pelo menos, de um Rio de Janeiro imaginado. Em alguns casos, dá para dizer até que é um disco que está esperando por uma nova novela de Manoel Carlos. Só que a Helena surge tomando algo mais psicodélico do que apenas cafezinho, e cancela os compromissos para curtir uma rave.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Wonderwheel Recordings
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Les Rita Pavone, “¡El baile rock!”

RESENHA: Les Rita Pavone é uma banda paraense que mistura rock, samba, jazz e sons do Caribe em seu álbum de estreia, o experimental e vibrante ¡El baile rock!.
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A banda paraense Les Rita Pavone existe desde 2006 e funciona quase como uma entidade musical. Vários integrantes entraram e saíram e dois nomes importantes da história do grupo, Mateus Moura e Rafael Pavone, não são mais “oficiais” – mas gravaram vocais e assinam composições neste que é o primeiro álbum lançado por eles, ¡El baile rock!. Antes de mais nada, o título é irônico: a visão de rock do Les Rita é tão experimental e variada que nem dá para colocar a banda num escaninho.
Em 47 minutos, e num universo que mescla canções curtas e temas extensos, Gabriel Gaya (voz e composição), Arthur da Silva (violão, voz, teclado, cavaquinho e produção), Helênio Cézar (baixo), Jimmy Góes (guitarra) e Luiz Otávio de Moraes (bateria) se metem com um rock que tem mais a ver com Tom Zé e Jards Macalé (Pira pajé, que cita nominalmente Macalé e Jorge Ben, num andamento que lembra Pesadelo, hit do MPB 4), fazem samba com cavaco e guitarra na onda do Mundo Livre S/A (Hoje é dia de RExPA) e unem jazz, samba a Jorge Ben e pagode (a ótima Eva). E isso só no começo do álbum.
- O Les Rita Pavone já esteve aqui e já até entrevistamos os caras. Leia aqui.
Daí para a frente, Les Rita Pavone fazem bolero-rock em homenagem às rádios locais (Rádio AM), unem rock mod, surf music e brega (Boca de lixo) e chega uma hora em que nem dá pra estranhar o fato do grupo ter resolvido unir samba-rock tenso e climas meio jazz, meio progressivos (Chinatown). Ate chegar o punk rápido e ramônico da faixa titulo, que encerra o disco, o grupo passa também por Gigueiros guerreiros, um reggae rock de 7 minutos que lembra o álbum Combat rock, do Clash, e que homenageia a turma que trabalha enquanto os outros se divertem (“toca aí o que eu quero ouvir / que eu pago aqui”, ironizam). E pelo repente caribenho de Fui cumê.
Para ficar na mente e grudar no ouvido, tem a marcha de guerra Cafe Havana, que vai ficando mais ágil e pronta para o combate à medida que vai se seguindo. Uma viagem musical e histórica – já que se trata de um grupo cujo repertório vem sendo pensado há anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Maxilar Music
Lançamento: 30 de maio de 2025
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