Crítica
Ouvimos: Ligia Kamada – “Kamadas”

RESENHA: Ligia Kamada lança Kamadas, disco que mistura samba, eletrônica e existencialismo, transformando vivências em força e som.
Cantora, compositora e produtora musical, Ligia Kamada mistura etnicidades, sons que vão do samba à música eletrônica e toques existenciais. Kamadas, seu segundo álbum solo, é um trabalho que transforma vivências íntimas — como a retirada do útero, por conta de um problema de saúde durante a pandemia — em força criativa.
Essas experiências se desdobram em faixas como Sacode, um samba-rap eletrônico de empoderamento pessoal e político, que poderia lembrar um Gonzaguinha remixado no século XXI. Tudo evoca sonoridades da mata com pegada de rock, enquanto Peixe acrobata une maracatu e sintetizadores em um eletromaracatu envolvente. A autobiográfica e cortante Sem útero é um pop de silêncios e respiros, feito de beats, percussões e atmosfera quase dream pop. A bossa-jazz Talvez em março e o afro-pop De qual substância ampliam o leque sonoro e emocional do disco.
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Já Shukufuku, com texto declamado, e O amor é um ato, cantada em português e francês, mergulham num tom meditativo. Aya e Skowa, por sua vez, é um rito musicado: uma homenagem ao músico paulistano Skowa, morto em 2024, e à irmã de Ligia, Aya, que era a companheira dele. Ligia e Aya cantam a música, em clima íntimo, com apenas um microfone para vozes e violão, num resultado que emociona.
Kamadas é um disco marcado pela maturidade, amplitude e coragem. Um disco repleto de vida, força e resistências.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 11 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Stereolab, “Instant holograms on metal film”

RESENHA: Stereolab retorna com Instant holograms on metal film, disco visionário que mistura krautrock, bossa, soft rock e crítica social futurista.
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Primeiro álbum do Stereolab desde 2010, Instant holograms on metal film só é inacreditável para quem não conhece esse grupo franco-britânico – que já tirou onda de profetas musicais do futuro, e hoje vê muita coisa imaginada por eles virar quase moda. O mundo conforme pensado pelo Stereolab em discos como a estreia Peng! (1992) era uma mescla de carros voadores e móveis estilosos dos anos 1960 – ou de homens com visual mod e mulheres de cabelo curto à Mia Farrow falando no celular e navegando na internet.
Era também uma mescla de influências que parecia encontrar o que havia de mais retrô no que havia de mais moderno, ou o contrário. O fato é que, em 2025, Lætitia Sadier e Timothy Gane podem só relaxar e zoar num universo imaginário em que computadores transmitem imagens falhadas de antigos VHS, e fitas K7 servem como portais para um novo mundo. Como no chacundum espacial de Aerial troubles, com vocais doces e melódicos e qualquer coisa que você ouviu em discos de bandas como Neu! e de produtores-artistas como Brian Eno.
É o que também rola na ensolarada e tecnológica Melodie is a wound, que durante boa parte de seus sete minutos é um soft rock. Só que misturado com detalhes de krautrock, e com uma letra que aponta o dedo para o cultivo ao ódio e à ignorância – com direito a teclados em clima de interferência no final. Climas quase progressivos tomam conta de Immortal hands, música na qual os vocais de Lætitia soam como os de Nico ou os de Yoko Ono. E Vermone F transistor opera no bom e velho cruzamento entre pop francês, bossa nova e rock sixties, típico do Stereolab.
Com uma hora de duração, Instant holograms vai para vários lados sem cansar, cabendo o pós-punk mágico e celestial – com batidinha quase tecnobrega – de Le coeur et la force, o Pink Floyd produzido por Giorgio Moroder de Electrified teenybop, a bossa eletrônica e espacial de Transmuted matter e o indie vintage de Esemplastic creeping eruption, música em que os instrumentos parecem falar, e em que o clima lembra o dos antigos discos de orquestras gravados no Brasil (como as pérolas da Orquestra Briamonte, nos anos 1960, que tinham tom futurista e elegante).
Entre climas viajantes e sombrios no final, o Stereolab vai do tecnopop de salão às experimentações eletrônicas nas duas partes de If you remember I forgot how to dream. Ambas são músicas com cara de sonho acordado, assim como o pop cheio de surpresas de Colour television. Uma música que, por causa do título, soa como o futuro visto do passado – mas cuja letra descortina uma distopia em que “toda a riqueza pode ser acumulada” e “os mesmos lideram, os outros ficam pra trás”. Um grupo visionário como sempre.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Duophonic / UHFWarp
Lançamento: 23 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Tagua Tagua, “Raio”

RESENHA: Tagua Tagua mistura neo psicodelia e groove em Raio, disco solar com boogie, beats dançantes e vibe hipnótica de trilha de novela psicodélica.
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O Tagua Tagua, projeto do gaúcho Felipe Puperi, já era solar, psicodélico, embora bastante introvertido. Com Raio, terceiro disco, ele investe cada vez mais no encontro da neo psicodelia com o groove: paredes cobertas de sintetizadores, batidas dançantes e um tom mais expansivo marcam as nove faixas.
Alguns flertes são marcantes no álbum: o som misterioso do norte-americano Adrian Younge, o clima do Khruangbin e, em especial, as possibilidades do boogie nacional oitentista, que surgem no soul cósmico de Dia de sol, no clima praiano da faixa-título (um reggae leve, que lembra igualmente de leve os momentos mais calmos do Red Hot Chili Peppers) e na dance musica discreta de Let it go.
Até aí, você já percebeu que em Raio, Felipe investe também em vocais que soam quase como mantras – mesmo que sejam em português, não são fáceis de entender de cara, funcionam como um instrumento a mais, e ajudam na vibe hipnótica.
Esse clima magnético bate fundo no boogie progressivo de Artificial, com baixo lembrando Chic e clima de voo raso. Também é a tônica na pós-disco de Química, no batidão rock-disco de Come a little closer – música prestes a se transformar numa peça dance texturizada – e no pop contemplativo e dinâmico de Lado a lado, parceria com James Petralli (da banda norte-americana White Denim). No fim, o pop de violão Talvez lembra a MPB dos anos 1980, e Rito de passagem põe micropontos de introspecção no disco, com teclados cristalinos e beat seco.
Raio, por sinal, tem um certo tom carioca – ou pelo menos, de um Rio de Janeiro imaginado. Em alguns casos, dá para dizer até que é um disco que está esperando por uma nova novela de Manoel Carlos. Só que a Helena surge tomando algo mais psicodélico do que apenas cafezinho, e cancela os compromissos para curtir uma rave.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Wonderwheel Recordings
Lançamento: 16 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Les Rita Pavone, “¡El baile rock!”

RESENHA: Les Rita Pavone é uma banda paraense que mistura rock, samba, jazz e sons do Caribe em seu álbum de estreia, o experimental e vibrante ¡El baile rock!.
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A banda paraense Les Rita Pavone existe desde 2006 e funciona quase como uma entidade musical. Vários integrantes entraram e saíram e dois nomes importantes da história do grupo, Mateus Moura e Rafael Pavone, não são mais “oficiais” – mas gravaram vocais e assinam composições neste que é o primeiro álbum lançado por eles, ¡El baile rock!. Antes de mais nada, o título é irônico: a visão de rock do Les Rita é tão experimental e variada que nem dá para colocar a banda num escaninho.
Em 47 minutos, e num universo que mescla canções curtas e temas extensos, Gabriel Gaya (voz e composição), Arthur da Silva (violão, voz, teclado, cavaquinho e produção), Helênio Cézar (baixo), Jimmy Góes (guitarra) e Luiz Otávio de Moraes (bateria) se metem com um rock que tem mais a ver com Tom Zé e Jards Macalé (Pira pajé, que cita nominalmente Macalé e Jorge Ben, num andamento que lembra Pesadelo, hit do MPB 4), fazem samba com cavaco e guitarra na onda do Mundo Livre S/A (Hoje é dia de RExPA) e unem jazz, samba a Jorge Ben e pagode (a ótima Eva). E isso só no começo do álbum.
- O Les Rita Pavone já esteve aqui e já até entrevistamos os caras. Leia aqui.
Daí para a frente, Les Rita Pavone fazem bolero-rock em homenagem às rádios locais (Rádio AM), unem rock mod, surf music e brega (Boca de lixo) e chega uma hora em que nem dá pra estranhar o fato do grupo ter resolvido unir samba-rock tenso e climas meio jazz, meio progressivos (Chinatown). Ate chegar o punk rápido e ramônico da faixa titulo, que encerra o disco, o grupo passa também por Gigueiros guerreiros, um reggae rock de 7 minutos que lembra o álbum Combat rock, do Clash, e que homenageia a turma que trabalha enquanto os outros se divertem (“toca aí o que eu quero ouvir / que eu pago aqui”, ironizam). E pelo repente caribenho de Fui cumê.
Para ficar na mente e grudar no ouvido, tem a marcha de guerra Cafe Havana, que vai ficando mais ágil e pronta para o combate à medida que vai se seguindo. Uma viagem musical e histórica – já que se trata de um grupo cujo repertório vem sendo pensado há anos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Maxilar Music
Lançamento: 30 de maio de 2025
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