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Crítica

Ouvimos: Lenine – “Eita”

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Lenine volta após dez anos com Eita, um disco curto, pop-experimental e cheio de mantras afetivos, misturando soul, forró, eletrorock e memórias familiares.

RESENHA: Lenine volta após dez anos com Eita, um disco curto, pop-experimental e cheio de mantras afetivos, misturando soul, forró, eletrorock e memórias familiares.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Casa 9
Lançamento: 28 de novembro de 2025

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Lenine, mesmo quando faz música pop, é experimental. E mesmo quando experimenta em estúdio, cria frases musicais que todo mundo vai decorar, beats que você vai acabar dançando, canções de voz e violão que podem frequentar uma pista de dança imaginária, em que todo mundo solta o corpo sem que haja necessidade de beats evidentes. Vai daí que todos esses lados convivem em Eita, um disco que só não é tão robusto quanto álbuns como Na pressão (1999) por causa da duração bem curta – é apenas meia hora de música, embora seja um álbum com discurso conciso, e que rendeu até um filme.

Num papo recente com Maria Fortuna no jornal O Globo, Lenine contou que o espanto de Eita (o título, por sinal, é uma expressão usada em todos os lugares do país, por praticamente todas classes sociais e em diversos tipos de conversas, das triviais às mais profundas) não surgiu do nada. O pernambucano passou por questões pessoais sérias – pandemia, questionamentos existenciais, problemas de saúde do neto Otto (que nasceu prematuro), e aquele estranho estado em que nem o que sempre deu prazer continua dando prazer. Chegou a pensar em largar a música. Eita é o retorno aos estúdios após dez anos, embora Lenine tenha continuado a se apresentar, fazer feats e criar coisas.

  • Ouvimos: Badi Assad – Parte de tudo isso

O resultado é que Eita surge cheio de mensagens de Lenine e de seus parceiros, para seus fãs, amigos, familiares – mas que à luz das entrevistas do cantor, podem ser interpretadas como pequenos mantras, mensagens para si próprio, páginas diárias de calma. A sonhadora Confia em mim tem clima de canção para esperar a tempestade passar. “Espera mais um pouco que outro tempo vai chegar / tenha fé no inesperado / o escuro vai sumir”, canta, antes de olhar o reverso da medalha (“a gente sabe o quanto é valioso / o sonho que custou intentar / o sonho é o mar mais perigoso / pra quem não quis acordar”), mas propor: “Confia!”.

Soul feito no violão, Eita avisa que “o que não tiver jeito o amor ajeita”, numa receita pop de aceitação e afeto – marcado pela ambiência de piano e violão e pelos “eita” disparados por convidados (Alcione, Djavan, Lula, Ivete Sangalo, quatro grandes nordestinos escolhidos a dedo pelo cantor). O soul-gospel violeiro Meu xamego e o forró Motivo têm frases despojadas que lembram os diálogos de filmes como O auto da compadecida (Guel Arraes), enquanto o eletrorock forró O rumo do fogo, com Maria Gadú, põe no caldeirão o respeito à natureza, a luta dos povos originários e a arrogância de Trump – num resultado que tem algo de Milton Nascimento.

Eita é marcado também pelos efeitos sonoros aparentemente acústicos e orgânicos de Beira (gravada com Gabriel Ventura), pelas lembranças ternas e eternas de Foto de família (parceria com o filho João Cavalcanti, transformada de vez em obra-prima com os vocais da convidada Maria Bethânia), a vibe mântrica e cigana de Malassombro (com Siba) e a alegria da roda de maracatu de Boi xambá, música com peso de chão. Ainda tem o ritmo quebrado do soul-ciranda Deita e dorme, com letra de frases curtas (duas ou três palavras sempre) feita por Arnaldo Antunes.

No final, a já citada Motivo explica as razões morais para não se comover com o pranto de quem é ruim. “A pessoa sem moral / já de longe passa mal / que nem todo falador / vontade eu tenho / o que eu não tenho é motivo / pra te chamar de irmão”, diz a letra. Recado dado.

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Crítica

Ouvimos: Luvcat – “Vicious delicious”

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Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.

RESENHA: Luvcat estreia com Vicious delicious, disco de pop nostálgico e lânguido, entre Hollywood vintage, art-pop e sombras pós-punk, com poucos tropeços.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: AWAL
Lançamento: 31 de outubro de 2025

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Luvcat é a segunda encarnação – e o segundo ato de carreira – da britânica Sophie Morgan Howarth, nascida em Liverpool em 1996, e que tem três EPs de folk alternativo lançados como Sophie Morgan. Rola um subtexto pós-punk/britpop na história dela: ainda com seu nome anterior, ela abriu uma turnê dos Waterboys e foi ajudada pelo baixista do The Verve, Simon Jones. Luvcat, seu novo nome artístico, é uma referência ao sucesso do The Cure, The lovecats.

Vale citar que folk e pós-punk são estilos que até aparecem em Vicious delicious, estreia de Luvcat, mas são secundários ou terciários num manifesto pop que, basicamente, é tão nostálgico da velha Hollywood quanto os discos de Lana Del Rey, e tão “lânguido” quanto Lana e Billie Eilish – e cuja estética mexe com as mesmas estranhices pop de vários lançamentos de hoje.

  • Ouvimos: Angélica Duarte – Toska

É um álbum pop, feito com um alvo à frente, mas com princípios básicos que o tornam às vezes mais próximo do art-pop, como na sexy e latina Lipstick, no soft rock Alien (música sobre inadequação, drogas e introspecção, com versos como “sempre fui uma de nós / garotinha verde em seu próprio mundo”), a experimentação reggae-pós-punk-gore de Matador (“eu queria amor / mas você quis sangue”). E na onda sofisticada de Dinner @ Brasserie Zedel, com heranças da música francesa, e He’s my man, alt-folk com recordações de Jacques Brel, Scott Walker e David Bowie do começo.

Tem um lado sombrio no disco, como no folk mórbido de Laurie, música de amor tristonho com metais, violão e cordas. Ou na vertigem de The Kazimier Garden, e ono clima meio Siouxsie + David Bowie de Emma Dilemma. Faz parte da lista de sensações visitadas por Luvcat, no disco, embora haja também uma canção que poderia concorrer ao Eurovision (a faixa-título) e algo que faz lembrar o lado praiano e desértico do Roxy Music (Love & money).

Lá pelas tantas, dá para se perguntar até o que o dispensável hard rock country Blushing, que lembra Bon Jovi, está fazendo no disco, já que Vicious delicious, mesmo com uma certa confusão conceitual e musical, tem lados melhores para apresentar.

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Crítica

Ouvimos: Ira Glass – “Joy is no knocking nation” (EP)

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RESENHA: EP maníaco do Ira Glass, Joy is no knocking nation mistura pós-hardcore, math rock, fanfarra sombria e ataques free-jazz, criando uma avalanche ruidosa, tensa e coesa.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8
Gravadora: Fire Talk
Lançamento: 14 de novembro de 2025.

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Vindo de Chicago, o Ira Glass vive de causar estranhamento: é um quarteto escoladíssimo no pós-hardcore e no math rock, mas que às vezes, parece estar querendo repetir eternamente o final de 21 century schizoid man, do King Crimson, com aquele ataque free-jazz de guitarra, baixo, bateria e metais.

Joy is no knocking nation, segundo EP da banda, é basicamente um disco de rock experimental maníaco, soando como uma fanfarra sombria em faixas como It’s a whole “Who shot John” story – faixa, que curiosamente tem vocal em clima grunge e destruidor, chegando a lembrar Alice In Chains. Essa onda de fanfarra do mal chega no seu ápice em fd&c red 40, repleta de vocais guturais e gritos mais chegados do screamo, e no stoner tenso e quebradiço de New guy (Big softie). Nem precisa falar que nomes como James Chance, Wire e Swans pairam sobre todo o repertório do disco, e que o próprio Fugazi, com suas quebras rítmicas, também é citado aqui e ali.

Jill Roth, saxofonista da banda, é um dos responsáveis pela tal cara free-jazz que o Ira Glass tem – e que, felizmente, não surge forçada nem mesmo quando é inserida em momentos mais pesados do disco. Fritz all over you é o mais progressivo e suave que o grupo parece querer soar, mas sempre numa onda sombria. No fim, That’s it/That? That’s all you can say?, entre gritos e vocais demoníacos, soa como uma música tocada ao contrário, uma roda de ruídos presa numa corrente igualmente ruidosa. Uma porrada bem elaborada, mesmo quando parece que tudo saiu do controle.

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Crítica

Ouvimos: Jerk – “As night falls”

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Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.

RESENHA: Jerk mistura soul, smooth jazz, city pop e MPB instrumental em um álbum curto e hipnótico, cheio de fusão psicodélica, clima noturno e achados sonoros.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: DeepMatter Records
Lançamento: 14 de novembro de 2025

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Com um nome artístico bem autodepreciativo, Jerk (ou Joshua Kinney, seu nome verdadeiro) pode soar como um daqueles sujeitos que falam da alegria e da tristeza do perdedor – pelo menos quando a gente lê o nome dele por aí. Nada a ver: As night falls, seu novo álbum, é basicamente uma mescla de soul, smooth jazz, jazz fusion, drum’n bossa, city pop, sons psicodélicos e MPB instrumental transante na onda de Lincoln Olivetti e Robson Jorge. Nas oito curtas faixas do disco (que dura 20 minutos), ele toca de tudo: guitarra, baixo, flautas, saxofone, sintetizador, piano Rhodes – a bateria fica com a amiga e colaboradora Martina Wade.

As night falls é a primeira parte de um projeto dividido em dois discos (ele fala que são dois EPs, mas o disco figura como álbum nas plataformas). Aliás, ele também diz aqui que cada lançamento representa “dia” e “noite”, e que se lançasse as 16 faixas de uma só vez, o disco poderia nem ser tão ouvido, já que é “difícil captar a atenção das pessoas hoje em dia”.

  • Ouvimos: Nyron Higor – Nyron Higor
  • Ouvimos: Yves Jarvis – All cylinders

Seja como for, As night falls captura a atenção imediatamente, especialmente de caçadores de raridades nos sebos. A faixa-título abre com violão e flauta, chegando a lembrar Dori Caymmi – até que ganha programação eletrõnica e som comandado pelo piano elétrico e pelos beats enérgicos. Dance beneath the dripping moon e o soul latino Stealthy, she moves! soam como sobras jazzísticas de Robson e Lincoln. Incoming, A divine wrath e Set adrift são jazz fusion psicodélico e vaporoso.

Wading, com percussão relaxante e clima quase espacial, tem tom musical de mergulho – segundo o próprio Jerk, que quase pôs na faixa o nome de “underwater” (subaquático), e decidiu dar à faixa uma cara diferente e experimental, usando pedais de guitarra em todos os instrumentos. Emergence and reckoning tem beat brasileiro, som derretido (com guitarra parecendo que vem de uma fita antiga) e metais. Uma viagem sonora daquelas.

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