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Crítica

Ouvimos: Karnak – “Karnak mesozóico”

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Em Karnak mesozóico, André Abujamra cria a “pré-história” da banda com humor e crítica, misturando tecnopop, pós-punk e brasilidades.

RESENHA: Em Karnak mesozóico, André Abujamra cria a “pré-história” da banda com humor e crítica, misturando tecnopop, pós-punk e brasilidades.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: Jukebox/Tratore
Lançamento: 5 de setembro de 2025

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“A princípio, eu queria falar que era tudo verdade, mas, como a gente está numa era de fake news, e a gente não sabe o que é verdade, o que é mentira, devo esclarecer que a história é completamente falsa”, confessou Andre Abujamra à coluna Sexta Sei, do site Baixo Centro, sobre a tal história de que Karnak mesozóico, novo disco do Karnak, foi feito a partir da descoberta de uma fita demo nos escombros do prédio onde um primo de André morava na Alemanha. Isso foi uma brincadeira do músico, e rendeu a impagável faixa falada Escombros revelados, que encerra o disco e dá um inegável ar transmídia para o álbum – enfim: ouça o disco, leia o release, leia as entrevistas, acompanhe o lançamento dos singles (foi aí que a história começou a circular).

Na real, o novo disco do Karnak foi feito a partir de outra constatação: a de que era possível contar uma pré-história do grupo, da mesma forma que (o exemplo é do próprio André) há uma pré-história de Star wars, já que a franquia se inicia no episódio 4. Daí o material de Karnak mesozóico ter sido feito como se estivéssemos em 1989 ou 1991, época em que André Abujamra ou estava nos Mulheres Negras ou ainda estava montando o Karnak. Não que estilos como tecnopop, synthpop, lambada e MPB enrockada dominem o disco. Surgem sim, aqui e ali, mas na verdade, os anos 1980 ou 1990 surgem mais como um recado em cada faixa.

Dois exemplos dessa estética são os singles do álbum. Eu só nasci, mistura de gêneros musicais com ótimo solo de piano e metais quase carnavalistas, fala sobre como nossas vidas são determinadas pelo país onde nascemos, como se um lance chamado “globalização” não existisse – e na prática, para muita gente, ela nunca existiu de verdade, já que a globalização mal te livra do racismo, do extermínio étnico ou dos apagamentos. Carlevindo é boy tem clima eletropunk, fala sobre um garoto abonado que perde seu Atari e ganha um Game Boy – dois videogames de outras eras.

Tem mais: O mesmo céu abre como tecnopop (aí sim!) e vai se transformando em pós-punk, com uma letra que fala em várias coisas que não mudam (“a mesma fome, a mesma colher, o mesmo amor, a mesma raiva”) ate que a narração de André lembra que “a Terra não é do homem, o homem é da Terra”. Quero beijar você chega a lembrar algo entre Luiz Caldas, Billy Joel e Rita Lee, com metais, baixo estilingando, coral no estilo dos Beach Boys e uma letra que fala que “beijar é livre / são novos tempos, estamos quase no ano dois mil” (!). Só tenho bip, uma aula de geografia usando o metrô de São Paulo, é um pós-punk brega que narra uma paquera por telefone e torpedo (!).

Entre misturas rítmicas e sonoridades que vão da música búlgara ao rap-samba-funk, o Karnak deixa 2025 invadir faixas como A cada olho um olhar (cuja letra traz a narração “usa a porra da máscara, caceta / a terra não é plana e tem curva na banana / acabou a mamata!”) e une humor e música nas gêmeas Elestrateledequico e Stratedelekico, e no maracatu Nostradamus 404. Já o rock abrasileirado A gente já era prega que “se não tivesse mistério no mundo eu acho que não seria legal / que graça teria aqui se a gente soubesse o que tem lá? / então vamos viver o tempo da gente até a estrela se apagar”. E soa como um manifesto do próprio disco.

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Crítica

Ouvimos: Peter Gabriel – “Live at WOMAD 1982” / “In the Big Room” (ambos ao vivo)

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Peter Gabriel recorda em lançamentos dois shows históricos: a apresentação na estreia do festival WOMAD, em 1982, e o show que deu em seu próprio estúdio, em 2003.

RESENHA: Peter Gabriel recorda em lançamentos dois shows históricos: a apresentação na estreia do festival WOMAD, em 1982, e o show que deu em seu próprio estúdio, em 2003.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10 pra ambos os discos
Gravadora: Real World
Lançamento: 8 de agosto de 2025 (WOMAD) e 27 de junho de 2025 (Big Room)

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A primeira edição do WOMAD (World of Music, Arts and Dance), festival criado por Peter Gabriel, rolou em 16 de julho de 1982, no Bath & West Showground, em Somerset. Artisticamente, o evento foi uma maravilha, com um elenco que unia rock e world music (rótulo então dado a artistas de países fora do eixo Inglaterra-EUA). Entre outros, tocaram por lá Echo and the Bunnymen, Royal Drummers of Burundi e o próprio Peter, que se concentrou no material de seu ainda inédito quarto disco solo – aquele que tem Shock the monkey, conhecido como Peter Gabriel 4, lançado só em 10 de setembro daquele ano.

Já em termos de grana… Bom, o primeiro WOMAD honrou a velha tradição dos festivais que marcam época, mas deixam um baita rombo no orçamento dos realizadores. Gabriel descobriu que o montante arrecadado não dava para pagar todos os envolvidos, viu-se às voltas com um monte de dívidas, e mesmo tendo mais seis sócios, foi quem mais ouviu pragas e xingamentos dos funcionários (“as pessoas me viam como o único rico que valia a pena espremer”, contou ao jornal The Guardian certa vez).

Na época, não faltou quem comentasse que Gabriel tinha abusado da autoconfiança, que ele deveria ter consultado empresários mais experientes, etc etc. Surgiu a hipótese de sair um disco do festival para saldar dívidas, coisa que nunca aconteceu. Gabriel pediu a ajuda de seus ex-companheiros do Genesis, e eles toparam interromper uma turnê de 40 datas para fazer uma série de shows ao lado do seu ex-vocalista. Ninguém entendeu nada, já que o Genesis estava firme no prog de FM e estava cada vez mais distante musicalmente de Peter – mas os shows aconteceram, foram um sucesso, Peter pagou os atrasados e a vida seguiu.

Seja como for, o show de Peter no festival acabou sendo um dos mais importantes de sua história – e agora, finalmente, sai na íntegra no pacote Live at WOMAD 1982. Por sinal, quase ao mesmo tempo em que Peter disponibiliza outro ao vivo, In the Big Room, gravado em 2003 no seu estúdio Real World. Os dois álbuns são marcados por valores iguais: viagens sonoras que misturam estilos, e uma noção de música como política, algo que pode mudar vidas.

  • Ouvimos: The Who – Live at The Oval 1971

No WOMAD, acompanhado por David Rhodes (guitarra), Peter Hammill (vocais), John Giblin (baixo), Larry Fast (teclados) e Jerry Marotta (bateria), além das percussões do grupo afro-caribenho Ekomé, Gabriel apesentou o material de seu quarto disco fora da ordem, começando com a maravilhosa San Jacinto. Shock the monkey surge numa versão ainda rascunhada, em que os teclados soam meio repetitivos e tudo parece meio experimental.

Mais: I have the touch surge bem menos robótica que na gravação em estúdio, e soa como um posto avançado do próprio Genesis, mas com a vibe meditativa de Gabriel. Kiss of life e I go swimming ganham poder ao vivo com as percussões. No final, aplausos e animação na plateia quando surge o hit anti-apartheid Biko. Gabriel ainda se apresentou no último dia do primeiro WOMAD, mas o show ainda permanece inédito, pelo menos oficialmente – lançamentos piratas sempre circularam por aí.

O Peter Gabriel de 2003, por sua vez, já estava cada vez mais estabelecido como artista solo, e já tinha ate lançado discos hoje clássicos como So (1986) e Us (1992). Above, seu álbum de 2002, acabou rendendo sua primeira turnê em dez anos – rendeu também algumas críticas meio negativas, já que muita gente achou o disco mais pretensioso do que o normal de Gabriel. Seja como for, em meio ao circuito de Above, cem fãs fiéis do cantor puderam assistir a uma apresentação especial de Peter no Big Room de seu estúdio Real World, em 23 de novembro de 2003.

Foi desse show que vieram as gravações de In the Big Room, que por sinal não são inéditas – o material saiu em 2004 numa plataforma de downloads chamada OD2, criada pelo próprio Peter, e anos depois foi disponibilizado temporariamente no Bandcamp. O site Genesis-news conta que o repertório é um meio-de-campo entre o começo da Growing Up Tour, que divulgava Above, e a segunda parte do giro, Still Growing Up Tour. Canções explosivas e boas de público como Shock the monkey e San Jacinto reaparecem com uma vibe levemente (mas só levemente!) intimista, lado a lado com clássicos mais recentes como Secret world, Father, son e Mercy street.

Ao contrário da vibe de arena de Live at WOMAD 1982, In the Big Room é como aqueles shows para assistir sentado, na calma – ate porque, de fato, era assim que a plateia havia assistido a apresentação. Duas explosões sonoras diferentes, cada uma com seus hits e sua época. Na dúvida, ouça as duas.

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Crítica

Ouvimos: Glenn Hughes – “Chosen”

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Glenn Hughes pode estar se despedindo com Chosen, um hard rock variado, intenso e espiritual, que mistura força, blues e redenção.

RESENHA: Glenn Hughes pode estar se despedindo dos estúdios com Chosen, um hard rock variado, intenso e espiritual, que mistura força, blues e redenção.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: Frontiers Records
Lançamento: 5 de setembro de 2025

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Tem um papo rolando aí de que Chosen é o último disco de Glenn Hughes, após vários álbuns solo, participações em projetos, altos, baixos e retornos. Se for, Hughes sai de cena com um álbum tão bom que deveria ter parte 2 e 3, e edição de luxe com versões ao vivo, demos e out-takes. Enfim, aqueles truques que artistas pop usam para “requentar” discos – mas que aqui deveriam ser utilizados porque, na boa, todo mundo vai querer mais de Chosen.

A voz de Glenn manteve-se em forma, como já foi possível ver nos shows que ele fez no Brasil. E a maneira como Hughes pensa o hard rock – estilo ao qual se dedica em seus discos solo – é cheia de caminhos diferentes, e é clássica sem soar reacionária. Chosen tem rocks pauleiras do tipo que ninguém conseguiria resistir, como Voices in my head, The lost parade, In the golden (com riff de guitarra lembrando Led Zeppelin), Hot damn thing (cujo ritmo oscila entre Rolling Stones e Aerosmith). Tem também rock pesado elegante e em clima blues, como My alibi, música sustentada pelos vocais de grande alcance de Glenn e por uma linha bem forte de baixo. E um rhythm’n blues pesado e excelente, Black cat moan.

A faixa-título, por sua vez, tem abertura próxima do esporro punk, e depois se torna um hard rock com uma estrutura próxima do reggae na bateria – mas no fim das contas, os ventos da música ganham velocidade de hard rock oitentista. Essa vibração punk também esta por trás de Into the fade, hard rock com peso e beleza reais. Mas Chosen é também o disco de duas faixas épicas: a feroz e emocionante Heal, de seis minutos, e a balada Come and go, apresentando romantismo oscilando entre o rock britânico e o grunge, entre Pink Floyd e Pearl Jam, com uso de mellotron e clima voador.

  • Ouvimos: Black Sabbath – The eternal idol (relançamento)

Tem ainda as letras do disco: quem é fã de metal hedonista e destrutivo vai se sentir perdido com Chosen. Glenn, que já declarou ter pedido a deus para tirá-lo da jaca das drogas e disse se arrepender de ter cantado em Seventh star, álbum do Black Sabbath de 1986 (porque era “uma banda que falava de demônios”), prefere o estado de graça em que ele se sente escolhido (Chosen, enfim) ou curado após uma experiência de isolamento e reflexão (Heal).

Já em Voices in my head, Glenn recorda a fase dos excessos (“por um caminho fui conduzido / como uma criança deixada sem alimentação / nenhuma palavra deixada sem ser dita”) e diz ter escapado do abismo porque “o céu sussurrou meu nome”. Escolha a faceta que bem entender em Chosen e boa audição.

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Ouvimos: Durand Jones & The Indications – “Flowers”

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Em Flowers, Durand Jones & The Indications mergulham num soul vintage com ecos de Marvin Gaye, Motown e trilhas românticas de novela.

RESENHA: Em Flowers, Durand Jones & The Indications mergulham num soul vintage com ecos de Marvin Gaye, Motown e trilhas românticas de novela.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Dead Oceans
Lançamento: 27 de junho de 2025

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O “para quem gosta de” do norte-americano Durand Jones e seu grupo The Indications traz nomes como Stevie Wonder, Marvin Gaye e Roberta Flack, além de muita coisa de gospel-soul. Em Flowers, novo disco do rapaziada, eles parecem imunes até mesmo a Prince e à turma do hip hop. O som é bastante vintage e recomendado para quem não apenas ouviu a música da época na época, mas a quem curte fuçar lados B e músicas que nem todo mundo lembra. Tipo a faixa Rust and steel que tem a mesma ambiência voadora de I’d rather hurt myself, o “melô da asa”, hit de Randy Brown.

Faixas como a baladona Without you, que termina o disco, fazem qualquer ouvinte ser levado/levada numa máquina do tempo para as trilhas antigas de novelas – tem cítara, coral, cordas, bateria abafada, guitarra com distorção e letra com trecho narrado no melhor estilo “voz de travesseiro”. Além de um clima irresistível de “vamos abrir as portas da esperança!”, que surge aqui e ali. Paradise tem baixo e bateria cujos sons dá quase pra botar a mão, além de vocais com leveza e sensibilidade. Lover’s holiday tem clima soul-jazz-latino. O lado “moderno” de Flowers surge no fato de silêncios serem muito importante na construção das músicas – a banda não preenche todos os espaços e há um ar esparso onde o som se propaga e ganha pressão.

I need the answer tem recordações do balanço de Marvin Gaye no hit What’s going on, além de timbres vintage de sintetizadores – um universo que paira também sobre o clima eminentemente Motown de Flower moon e a onda pré-disco de Been so long e Everything, além do samba-soul-disco de If not for love.

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