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Cultura Pop

Entrevista: Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá e a turnê de “Dois” e “Que país é este”

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Entrevista: Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá e a turnê de "Dois" e "Que país é este"

Sem a Legião Urbana, eu (Ricardo Schott, que faço este site) poderia não ter conhecido: Metal box, o segundo disco do Public Image Ltd, Comsat Angels, Stranglers, It’s alive, disco ao vivo dos Ramones, Young Marble Giants, Grateful Dead, Joy Division, Buzzcocks, Gang Of Four. Eram todos personagens que apareciam em entrevistas da banda. E foram influências na elaboração de discos e músicas que se tornaram verdadeiros clássicos – como Dois (1986) e Que país é este (1987), agora prestes a serem relembrados por Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria) em uma nova turnê.

Dessa vez, a tour de Marcelo, Dado e de Lucas Vasconcellos (guitarra), Roberto Pollo (teclados), Mauro Berman (baixo) e André Frateschi (voz) chega também aos Estados Unidos – têm datas dias 6 e 7 de setembro em Miami. A ideia é comemorar as três décadas de outros dois discos do grupo – como já havia sido feito com a estreia de 1985 -; recolocar a música da Legião e a poesia do vocalista Renato Russo de volta no palco (evidentemente, Eduardo e Monica e Faroeste caboclo, ambas compostas apenas pelo cantor morto em 1996, estão no roteiro) e manter de pé a comunhão entre o repertório e os fãs.

Entrevista: Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá e a turnê de "Dois" e "Que país é este"

Bati um papo com Dado e Bonfá para o jornal O Dia, onde trabalho, sobre a nova tour e sobre outros assuntos – entre eles, a fitinha K7 com o kit-press de Dois, que ressurgiu recentemente no YouTube, e da qual falamos. A ideia é que, em algum momento, o repertório de As quatro estações (1989) seja também relembrado. A íntegra da conversa segue aí.

Você vão fazer um show em Miami nessa nova turnê. Como é levar a música da Legião para fora do país?
DADO VILLA-LOBOS: Fizemos isso na turnê anterior também. É bacana sair daqui e expandir as fronteiras. Dessa vez vamos tocar num teatrinho num hotel lá, um projeto local lá de um amigo de Itaboraí de muitos anos atrás. Ele está com esse projeto, o Sounds of Brazil. E ele tá levando artistas, já foram Vanessa da Mata, Paulo Ricardo, Paula Toller…

Como tá sendo revisitar o repertório do Dois e do Que país é este? Vocês consideram essas músicas atuais? Fábrica falava de direitos dos trabalhadores, uma assunto que está mal resolvido até hoje…
DADO: Acho que são músicas absolutamente atuais, tanto questões mais panfletárias e políticas como Fábrica e Metrópole, ou Índios. A situação de Fábrica e Metrópole não mudou muito ao longo dos anos: as fábricas continuam lançando fumaça, as filas nos hospitais continuam se alongando… Mas tá sendo revigorante revisitar esse repertório. Estamos fazendo as canções ressurgirem de forma intensa.

Vão ter modificações nos arranjos?
MARCELO BONFÁ: A gente não gosta muito de modificar arranjos. Eu e o Dado estávamos no processo de composição desde sempre, e ele era dedicado, intenso. Vamos trazer esse trabalho mesmo. Nossos elementos dentro da música da Legião Urbana já foram estabelecidos e estão muito bem aceitos. O mais claro é que vamos executar os dois discos em comemoração a esse momento da Legião. É uma carga que significa muito para mim e para o Dado, trazemos isso dentro da música. Vamos alinhavar as músicas com o que a gente ouvia na época. Vai ser uma experiência sensorial.

E o que vocês ouviam nessa época?
DADO: Eu estava ouvindo na época João Gilberto e Killing Joke! Mas o Renato um dia me deu um fita K7 com muito Cat Stevens, Neil Young, Paul McCartney… Tudo com muito violão. O propósito dele era: “Vai aprender a tocar violão, porque vai ter muito violão aqui”. Mas ao mesmo tempo tinha muitas guitarras, arranjos harmônicos indo além dos três, quatro acordes. Alguns intervalos de sétimas e décimas, tipo Andrea Doria.

Na época do Dois saiu uma entrevista com o Renato na revista de Domingo, do Jornal do Brasil, e numa foto ele aparecia com um disco que, anos depois, fui descobrir que era do Jonathan Richman, do Modern Lovers (era It’s time for… Jonathan Richman and The Modern Lovers, de 1986).
DADO: Não lembro de ele mostrar isso para a gente, não! Eu conheci Modern Lovers quando os Sex Pistols gravaram Road runner. Mas fui ouvir a banda recentemente.

Dois envolveu muita experimentação. Como foi o trabalho em estúdio?
BONFÁ: O primeiro disco veio meio que pronto, né? Já o segundo é aquele desafio, porque tem que fazer músicas novas. A gente teve expectativas, do tipo: “Vou me violentar?”, “É isso mesmo que tô fazendo?”. E claro que tem o cronograma da gravadora. A gente estava numa rotina completamente desregrada na estrada. E tinha que dar uma parada pra fazer o disco, e não dava uma parada. Aproveitamos todo o tempo no estúdio, nada era desperdiçado. De repente eu fazia uma nota, aquilo virava uma ideia, a gente falava uma coisa e aquilo virava uma letra… Tínhamos dificuldades, mas elas vinham das nossas limitações. A gente vinha do punk, eu estava a fim de ser barulhento e sujo.

Qual foi a daquela fita cassette da EMI com uma entrevista com vocês, em 1986?
DADO: Aquilo foi para apresentar a banda e o segundo disco. Nos apresentávamos, dizíamos quem éramos e discorríamos sobre o disco para todas as rádios. Se uma rádio quisesse apresentar aquilo como se fosse um programa, ela iria divulgar a banda e a essência do disco.

Vocês imaginavam que aquilo fosse virar uma raridade? A apresentação da banda depois virou a Riding song, do disco Uma outra estação, e tinha até demos da banda ali junto…
DADO: Sério que tinha demos? Nem me lembrava.
BONFÁ: A gente nem tinha tempo de pensar nessas coisas. Imagina: “Ah, vamos mudar tudo…”

Tinha na fita um trecho da demo de Andrea Doria, em que vocês apareciam em posições trocadas, cada um tocando um instrumento diferente do que estava acostumado.
DADO: Eu lembro! A gente estava no estúdio Tok, em Botafogo, o estúdio do Chico Batera. Lembro da gente começar a fazer essa música nesse lugar aí. Teve Daniel na Cova dos Leões, a linha de baixo do Negrete junto com uma Lynn drum, um teclado.
BONFÁ: Não se desperdiçava nada. As próprias letras já passeavam no meio das bases.
DADO: O Dois tem muita sobra de estúdio, tem uma versão de Juízo final, do Nelson Cavaquinho…

Era para ser um disco duplo chamado Mitologia e intuição, certo?
DADO: É, e Juízo final não ia caber em nenhum dos lados por conta do espaço de cada lado.

Lembro de ter lido que essa música ganhou uma versão meio Joy Division… Chegou a ser gravado?
DADO: Isso, começava com um violão e depois ia para uma coisa nesse estilo. Tá tudo gravado, tá registrado nos tapes que estão com a gravadora, que hoje é Universal. Tínhamos a ideia de fazer o mesmo projeto que a gente fez no primeiro disco (1985), quando fizemos uma edição comemorativa com outtakes. No Dois, teríamos Juízo final, O grande inverno na Rússia… Tem uma versão de Fábrica em inglês. Não vai rolar porque a companhia de discos se desinteressou. Acho que a gente precisava de mais likes no Instagram para conseguir coisas assim (risos).
BONFÁ: A gente se quiser fazer outras coisas, tem tanta coisa para fazer: festejar o Dois, o três, o quatro…
DADO: A gente pensa em fazer um show também para o As quatro estações, mas aí tem que ver quando, onde, como…

O Que país é esse, por sua vez, foi feito numa época em que a banda entrou em estúdio – o Renato disse isso numa entrevista – e em seguida desistiu porque não queria lançar qualquer coisa…
BONFÁ: O disco cumpre vários papéis. São músicas com as quais a gente convive desde sempre, desde o Aborto Elétrico. Quisemos tentar nos divertir, cumprir um cronograma, ter tempo para respirar, já que a gente sabia executar aquelas músicas como ninguém. Também aproveitamos bastante o estúdio, tivemos tempo de falar: “Vamos botar um delay aqui, essa caixa não é tão simples…”
DADO: A gente entrou em estúdio sem ter energia e força para fazer um disco (Renato estava em crise criativa e o disco que se tornou Que país é este quase foi um álbum chamado Disciplina e virtude, abortado). Aquele era um repertório que a gente já conhecia, Foi divertido e fácil de fazer. Gravamos em 15 dias e mixamos em 15 dias. A gente bateu um recorde, acho. Saiu no Natal.

Como é executar Faroeste caboclo hoje em dia?
BONFÁ: A música tá perfeita, né?
DADO: Tá igual como tá no disco. É a história do Brasil rural e urbano…
BONFÁ: Fui tocar em Brasília esses dias, passei na Rodoviária e meu filho, João Pedro, me perguntou: “Foi aí que o João de Santo Cristo chegou, né?” Respondi: “Pô, deve estar chegando João de Santo Cristo aí todo dia!” Ela rola nos shows porque todo mundo pede. A gente sempre pergunta: ‘O que vocês querem ouvir?’. E respondem: ‘Toca Faroeste!'”.

Na época muita gente perguntava para vocês sobre uma aproximação com o sertanejo via Faroeste, e o estilo não era exatamente um lado A da música brasileira. Como vocês viam isso?
DADO: Sertanejo para a gente era Milionário e Zé Rico, música do sertão, viola de 10 cordas…
BONFÁ: Faroeste tem uma coisa de baião. Isso tá no sangue, apesar de a gente não ser músicos típicos. Eu sou um cara bem limitado, gosto de rock n’roll. A música tem vários elementos rítmicos, tem até reggae. E tudo surgiu naturalmente, não teve um: “Vamos fazer isso, aquilo”. Demos uma dinâmica para a música.
DADO: Ela era só voz e violão!
BONFÁ: Mas eu acho que Faroeste caboclo é Faroeste caboclo, não dá pra comparar com nada.

E como é tocar hoje nessa época em que o jogo virou e o sertanejo agora é meio filho de vocês, já que os novos artistas ouviram muito rock nacional e alguns até tocam sucessos do rock brasileiro nos shows?
DADO: Tocam músicas da gente?

https://www.youtube.com/watch?v=U1NXaVzHrD4

Tocam. Jorge e Mateus também tocam Capital Inicial, Jads & Jadson tocam Pitty…
BONFÁ: Bom, tá faltando música no mercado, né? Na verdade são músicas boas, isso é inegável.
DADO: É que nem o axé. O cara toca Los Hermanos, Anna Júlia, toca Será

E como vão as conversas com o filho de Renato Russo, Giuliano Manfredini, em relação ao uso do nome Legião Urbana?
DADO: A gente tentou acordos em alguns momentos. Desde que o Renato partiu, a gente vem sofrendo de alguma forma nesse sentido, não só da marca como também em relação a lançamentos de discos que estavam na gravadora ainda inéditos… Sempre havia alguma briga, algum desentendimento. Nunca tivemos esse espírito corporativo que outras bandas têm, em que todos vão lá e se preservam. É uma questão menor, o advogados estão resolvendo. Esse negócio de marca… É marca de quê? De telefone?
BONFÁ: Nosso propósito sempre foi música e e hoje a gente precisa de advogados para traduzir esse juridiquês. Essa situações estão no meio de coisas que atingem diretamente minha vida, né?

A música de hoje virou um monte de números, não?
BONFÁ: Bom, primeiramente a gente fazia música para a gente. Tinha um propósito maior aí, que é minha própria individualidade. Você tem que ter boas ideias, estar receptivo, querer alguma coisa. Eu não funciono na porrada, não vem nem impor alguma coisa para cima de mim. Nem ninguém da banda é assim.
DADO: Os nossos números são muito bons. Mas são números que vieram por conta do que a gente foi e continua sendo na cultura musical brasileira, o que representamos para as pessoas que ouvem aquilo nos mais variados momentos da sua vida.

Na turnê de 30 anos do primeiro disco, vocês fizeram show no Circo Voador com matinê para pais e filhos. Vai rolar isso?
BONFÁ: Vamos ver. Isso de ter pais e filhos se repetiu a turnê inteira. Teve show em que duas da manhã tinha criança de dez anos. A gente só não ficava mais preocupado porque a criança estava com os pais. Não tenho como não ficar mais feliz. Eu era turrão, era punk, revoltado, e isso quebra meu coração… E você não viu nosso camarim: era 80% criança.
DADO: Eu adoraria poder tocar num horário mais saudável, tipo dez, nove da noite. É muito cruel subir num palco uma hora da manhã. O público já tá cansado, bêbado…
BONFÁ: Sempre fica nítido que as prioridades são… Bom, o que importa é a grana, vamos botar a turma para beber e a banda para tocar.

Tem um filme vindo aí sobre Eduardo e Monica. O que sabem a respeito?
DADO: Não tô sabendo absolutamente nada.
BONFÁ: Não é uma propaganda de telefone?
DADO: É, tinha a propaganda da Vivo, né?
BONFÁ: É como aconteceu com Faroeste caboclo: o filme já tá pronto na letra. Mas a gente sempre se decepciona no final. A gente entende a visão do Renato, tem uma visão de como a música foi construída, e vem aí um cara querendo colocar um monte de informação extra, tornar a coisa mais hollywoodiana. O cara vai pra um caminho e desvirtua a coisa toda. Espero que não façam isso com Eduardo e Monica. Eu sei quem eles são e já fui muito na casa deles.

(a foto lá de cima é Fernando Schlaepfer/Divulgação)

Cultura Pop

Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

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O Radiohead (Foto: Tom Sheehan/Divulgação).

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada

A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.

O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.

“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).

Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.

Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.

O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação

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Cultura Pop

Urgente!: E agora sem o Ozzy?

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Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre.

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.

Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.

Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.

Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.

Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.

Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).

Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.

Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.

Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação

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Crítica

Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

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Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.

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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.

Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.

E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.

Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.

De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.

Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.

O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.

O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.

Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.

Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.

Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025

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