Cinema
E os discos de ginástica de Jane Fonda, que estão nas plataformas?

Em 1981, aos 44 anos, Jane Fonda era um foco de rebelião nos Estados Unidos. Anos antes, tinha sido espionada por um projeto da Agência de Segurança Nacional dos EUA (por causa de sua atitudes “subversivas”). E tinha ganhado uma prisão injusta por “porte de drogas” em 1970, após ela voltar de uma palestra anti-guerra do Vietnã no Canadá (na verdade, as autoridades acharam vitaminas com a atriz, mas a prenderam mesmo assim). Mas era também uma atriz de sucesso e uma figura conhecida da mídia – tinha feito recentemente Síndrome da China (1979) e a comédia Como eliminar seu chefe (1980). E era também (olha só) a protagonista de um vídeo de ginástica de sucesso, Jane Fonda’s workout (1982).
O vídeo de Jane, na verdade, se originava de um livro lançado por ela: Jane Fonda’s workout book, que saiu em 1981. E por sua vez era produto de uma academia de exercícios que havia sido criada por Fonda e Leni Cazden em Beverly Hills. Leni, que era instrutor de exercícios da atriz e se tornaria parceiro de negócios dela, havia criado a rotina de exercícios (o tal do “workout” do título), que Fonda, entusiasta de balé, aperfeiçoou. E transformou numa máquina de fazer grana.
>>> Apoia a gente aí: catarse.me/popfantasma
Aliás transformou tanto que o livro entrou para a lista de sucessos de não-ficção do New York Times. E o vídeo fez com que muita gente resolvesse comprar um videocassete só para assistir ao VHS, ter uma visão mais realista dos exercícios e ouvir Jane soltar sua frase-assinatura, “sinta a queimadura!”, toda vez que mostrava alguma série nova.
O vídeo e o livro ainda geraram um outro desdobramento bem interessante, numa época em que as pessoas ainda compravam muitos discos: Jane resolveu lançar um LP de acompanhamento para exercícios. No fim de abril de 1982, quase junto com o VHS, saiu o LP duplo Jane Fonda’s workout record. Era uma coletânea de músicas mais ou menos dançantes que servia de trilha sonora para a malhação do ouvinte, indo do “iniciante” ao “avançado”. Jane acompanhava as músicas com sua voz comandando os exercícios, posava na capa, escolhia as faixas (que incluíam músicas como Can you feel it, do Jackson 5 e In your letter, do REO Speedwagon) e ainda assinava um texto na contracapa ensinando as pessoas a respeitarem os limites do próprio corpo. E avisava que “disciplina é liberdade!”.
Depois, ainda sairia um outro LP bem interessante de Jane: Jane Fonda’s workout record for pregnancy, birth and recovery (1982), de exercícios de recuperação pós-parto. Esse disco não está em lugar algum do YouTube. Mas o que importa é que tem uma fase da carreira de “instrutora de ginástica em discos de vinil” de Jane que veio em seguida, quando ela passou a lançar os álbum de workout pela Warner. E essa fase está nas plataformas digitais (!). Olha aí Jane Fonda’s primetime workout (1984), na onda da aeróbica (lembra disso?) com exercícios para várias partes do corpo.
Teve Jane Fonda’s fitness walkout, que saiu em 1987m, serve para acompanhar caminhadas e originalmente, ao que parece, só teve registro em fita K7. Jane aparece acompanhada de um grupo de músicos que toca de country a samba. Também estás nas plataformas. Aliás, os discos da (boa) banda potiguar Jane Fonda confundem-se levemente com a discografia da atriz americana, pelo menos no Spotify.
Detalhe interessante: quem comprou os discos, livros e VHS de Jane Fonda ajudou a financiar um dos projetos políticos dela e de seu então marido, o ativista de esquerda Tom Hayden. Era a Campanha pela Democracia Econômica, ou CED, que promovia candidatos liberais a cargos locais e investia em políticas ambientais de proteção. “O problema no qual estamos trabalhando principalmente agora é o câncer ambiental”, afirmou ela à Interview em 1984, esclarecendo que as fontes de grana do projeto vinham do disco, do livro e do VHS.
“Ganhei milhões com tudo isso, e os projetos são todos propriedade da Campaign for Economic Democracy. Eu não os possuo”, dizia ela, que não imaginava mesmo que os produtos fariam tanto sucesso. E ainda dizia na entrevista o que pensava a respeito de como envelhecimento das mulheres era visto em Hollywood.
“Sabe, tenho 46 anos e disse a mim mesma há cerca de quatro anos: se você olhar para a história do envelhecimento das atrizes, não é exatamente um futuro brilhante. É claro que pretendo mudar isso. Hollywood não perdoa cabelos grisalhos e rugas na tela grande. Você pode ter um grande retorno como uma atriz envelhecida, mas eu pensei que algo poderia acontecer comigo, eu poderia não ser capaz de trabalhar tanto. Não vou mais ganhar um salário tão alto”, contou ela, que, ao perceber isso, pôs seu conhecimento sobre exercícios para sustentar o projeto da CED.
Aliás, Arnold Schwarzenegger também lançou um disco de exercícios (que está nas plataformas digitais). E Marcos Valle já disse ao POP FANTASMA que certa vez ouviu a proposta de ter uma academia de ginástica com seu nome (negada, claro).
Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
- Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema8 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos8 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?