Crítica
E mais um pouco de 2024!

Ao longo do ano passado, falamos de discos ao vivo, projetos retrospectivos e muito mais. Também elogiamos álbuns que não entraram nas nossas listas de melhores do ano. E demos notas, digamos, não tão generosas para alguns dos discos que definiram 2024. E, claro, como ninguém é perfeito, acabamos deixando alguns dos discos mais arrojados do ano passarem sem resenhas. Então, que tal relembrar tudo isso agora? Feliz 2025 e feliz 2024.
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PROJETOS RETROSPECTIVOS:
DAVID BOWIE, “ROCK AND ROLL STAR” (BOX SET). Uma caixa maravilhosa que faz o registro musical de David Bowie entre fevereiro de 1971 até a época em que o tape de The rise and fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars (1972) foi mandado para a fábrica. O caminho até Ziggy, e ao glam rock em estado puro, inclui demos que já eram amostras perfeitas de canções como Lady Stardust, Ziggy Stardust, Star e várias outras. Além da declaração de princípios So long 60s, gravada num quarto de hotel em fevereiro de 1971, e que aproveita a melodia do que se tornaria Moonage daydream para musicar um provocativo texto sobre a década que havia acabado (“adeus, década de 60/você morreu, se foi”).
PAVEMENT, “CAUTIONARY TALES: JUKEBOX CLASSIQUES” (BOX SET). Uma caixa que reúne todos os lançamentos em 7 polegadas do Pavement, oferecendo um panorama essencial da trajetória da banda e evidenciando o impacto duradouro que eles ainda exercem sobre novos artistas. Depois dos primeiros singles, ruidosos e quase insociáveis, o grupo foi se transmutando num The Cure bem mais indie, num Television dos anos 1990 ou quem sabe num Grateful Dead da mesma década – misterioso, cultuado e com um séquito de fãs.
PLANET HEMP, “BASEADO EM FATOS REAIS: 30 ANOS DE FUMAÇA” (AO VIVO). O registro de palco das três décadas da banda, e a prova de que uma das coisas mais valiosas que o Planet Hemp tem são eles mesmos, e seu legado. Músicas como Jardineiros, Zero vinte um, Queimando tudo, Dig dig dig, Contexto, Puxa fumo, vão bem além de serem discursos pontiagudos sobre maconha e liberação. São músicas que falam de liberdade, de enfrentamento a pequenas ditaduras do dia a dia, de violência urbana, e (em especial) de luta, vindas de uma banda que foi presa política numa época em que a ditadura supostamente já havia acabado.
PAUL McCARTNEY E WINGS, “ONE HAND CLAPPING” (AO VIVO). Este disco é o áudio de um show interno dos Wings, gravado “ao vivo no estúdio” (em Abbey Road) entre os dias 16 e 30 de agosto de 1974, e que viraria um suposto Let it be da banda nova de Paul sendo filmada 24 horas por dia durante um ensaio. Dizem também que a ideia era apenas gravar uma sessão do grupo em videotape para saber como a banda completa, que ainda não havia excursionado, se sairia no palco. O material, pirateado por vários anos, virou disco só em 2024.
TEARS FOR FEARS, “SONGS FOR A NERVOUS PLANET” (AO VIVO). O terceiro disco ao vivo do TFF (e primeiro a sair em larga escala e em tempo real – antes, lançaram um ao vivo exclusivo para a França e um show de 1985) é um souvenir da turnê do disco anterior de estúdio, The tipping point (2023), e um show de hits. Praticamente tudo tocou (muito) no rádio. Traz ainda algumas faixas inéditas, gravadas em estúdio, em clima bem menos deprê que as do álbum anterior.
NÃO ESTÃO NAS NOSSAS LISTAS DE MELHORES, MAS NÃO DÁ PRA ESQUECER DE:
CHARLI XCX, “BRAT”. Para nós – e audivelmente falando – foi um disco nota 8, muito bom, mas não excelente. Só que foi um álbum que moveu montanhas, definiu musicalmente o ano de 2024 e liderou um movimento decidido de artistas (mulheres, especialmente) falando de noite, sexo, vida, zoeira sem culpas, pistas de dança lotadas, gente que partiu e deixou saudades, amores fluidos e experiências existenciais e espiritualistas ligadas a isso tudo. Daqui a alguns anos quando lembrarem de 2024, vão lembrar de Cowboy Carter, de Beyoncé (que está em nossa lista de melhores discos internacionais), e de Brat – e isso está acima de qualquer nota dada por esses críticos musicais sem-vergonha (como a gente).
NANDO REIS, “UMA ESTRELA MISTERIOSA REVELARÁ O MISTÉRIO”. Resenhamos esse álbum quádruplo (nota 7 pra gente) antes de Nando decidir liberar o disco 4 nas plataformas – originalmente, ele seria exclusivo para quem comprasse o box em vinil. No fim das contas, o restante do material não mudaria muito nossa avaliação. Mas vale destacar a ousadia dessa nova empreitada e o fato de Nando ser um dos raros nomes da MPB realmente interessados em explorar novas formas de se conectar com os fãs.
SAMUEL ROSA, “ROSA”. Demos 7 para a promissora estreia solo do ex-Skank. Um disco que reúne várias caras diferentes de sua ex-banda, e nem poderia ser diferente no caso de um grupo no qual o próprio Samuel era o maior arquiteto sonoro. Mas faz falta uma certa esquisitice (no bom sentido) que o Skank tinha, até mesmo quando estourava músicas em trilhas de novela ou levantava multidões.
PORRIDGE RADIO, “CLOUDS IN THE SKY THEY WILL ALWAYS BE THERE FOR ME”. O Porridge Radio, uma das bandas mais intensas da atualidade, anunciou seu fim. Como um último suspiro, o EP The machine starts to sing foi lançado hoje, reunindo faixas inéditas gravadas durante as sessões de Clouds… O título singelo do LP engana: o quarto álbum do Porridge Radio é emocionalmente pesado, uma montanha russa de emoções, de relacionamentos, de idas e vindas, e de tristezas com as quais é preciso aprender a lidar.
SHAKIRA, “LAS MUJERES YA NO LLORAN”. Musicalmente, um disco bem menos interessante que vários discos anteriores da colombiana (bom, o Grammy não pensou assim, não custa acrescentar). Conceitualmente, um verdadeiro primor, já que existem milhões de “discos de separação” feitos por aí afora – quase todos, vale dizer, feitos por artistas homens, como Marvin Gaye, Arnaldo Baptista, Bob Dylan. Mas o de Shakira, além de ser feito por uma mulher que foi sacaneada pelo ex-marido (o futebolista Gerard Piqué), deixa claro que ela está transformando as lágrimas em diamantes – e foi o que REALMENTE ela fez.
LINIKER, “CAJU” e CURUMIN, “PEDRA DE SELVA”. Comemos mosca e não comentamos no site dois dos discos nacionais mais arrojados de 2024 – aliás jurávamos que havíamos resenhado ambos e, para nosso total espanto, não resenhamos. Em Caju, Liniker retorna com voz poderosa, empoderamento em altíssimo volume, a determinação de cravar seu nome na história da MPB. Além disso, ela entrega um álbum extenso, repleto de passagens instrumentais prolongadas, onde transita entre momentos de pura extroversão e instantes de profunda reflexão. Em Pedra de selva, Curumin convida a uma escuta pausada, onde a reconexão com a natureza, o prazer e os pequenos rituais do cotidiano florescem em meio ao caos da cidade grande.
- Confira também as listas de melhores discos de dezembro, novembro, outubro, setembro, agosto, julho e do primeiro semestre, e do segundo semestre de 2024.
- Conheça os 50 melhores álbuns nacionais e internacionais de 2024 que a gente ouviu.
- E isso aqui também é 2024. E como.
Crítica
Ouvimos: DJ Guaraná Jesus – “Ouroboros”

RESENHA: Em Ouroboros, DJ Guaraná Jesus funde memórias e beats acelerados em 20 minutos de nostalgia 32-bit, funk, big beat e eletrônica pop multitonal.
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“O álbum é uma homenagem a um passado não tão distante – uma fusão de memórias e futuros imaginados convergindo para o presente”. Criado pelo produtor Julio Santa Cecilia, o projeto solo DJ Guaraná Jesus reúne memórias, música e sons eletrônicos num álbum curto (são nove faixas em menos de vinte minutos!), que voa como se fosse apenas uma faixa dinâmica, evocando desde sons de jogos em 32-bit, até sons como Prodigy e Skrillex.
Não foi à toa que ele escolheu para o disco o título Ouroboros – que nada mais é do que o conceito do eterno retorno, da morte e reconstrução, simbolizado pela serpente mordendo a própria cauda. Na real, não deixa de ser uma maneira construtiva de se referir ao próprio universo pop e à sua mistura de épocas e desenhos musicais, que aqui aponta para sons acelerados como num dia a dia anfetamínico (Vitalwaterxxfly3 e XP), sem descuidar das surpresas melódicas. E prossegue com o batidão quase funk de Mercúrio retrógrado e a viagem sonora de Unidade de medida e D-50 loop – a primeira em tom meditativo, a segunda de volta à aceleração.
- Ouvimos: Skrillex – FUCK U SKRILLEX YOU THINK UR ANDY WARHOL BUT UR NOT!! <3
- Ouvimos: Papatinho – MPC (Música Popular Carioca)
Ouroboros parte também para o heavy samba eletrônico e ágil de Brsl, o batidão-de-caixinha-de-música de Hauss_hypa_vvvv e o big beat de Firenzi dolce vitta, encerrando com um batidão que remete ao samba-funk aceleradíssimo (Campari Devochka). Algumas faixas rendem mais do que apenas poucos minutos – ou até segundos – e poderiam ser esticadas. Mas Julio, com o DJ Guaraná Jesus e Ouroboros, quis aparentemente fazer um disco que pudesse acompanhar um passeio rápido no dia a dia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 16 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Jonabug – “Três tigres tristes”

RESENHA: No álbum Três tigres tristes, Jonabug mistura noise rock, grunge e pós-punk com letras em inglês e português, guitarras ruidosas e identidade forte
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Vindo de Marília, interior de São Paulo, o Jonabug vem sendo incluído no rol do “emo caipira”, de bandas vindas de cidades pequenas, e que são influenciadas pela cena emocore do Centro-Oeste norte-americano. É isso, mas não só isso: o grupo de Marília Jonas (guitarra, vocal), Dennis Felipe (baixo) e Samuel Berardo (bateria) é um dos melhores exemplos atuais do noise rock brasileiro. Misturando inglês e português, fazem em Três tigres tristes, álbum de estreia, um som que está mais para grunge do que para shoegaze – mesmo que invista em paredes de guitarra e ruídos.
Esse é o som de faixas como Mommy issues, Além da dor, Look ate me e At least on paper my mistakes can be erased, misturas de vocal provocativo, guitarras cheias de riffs, certo balanço na batida e vibe sombria e confessional. Músicas como Fome de fugir e You cut my wings levam o esquema do Jonabug para algo mais próximo do pós-punk. A sua voz é o motivo da minha insônia e Taste everybody’s tears dispensam rótulos e lembram a vocação ruidosa e melódica dos anos 1990. E Nº 365 é um guitar rock falado, soando quase como uma trilha de filme.
No fim, Brown colored eyes traz mais um diferencial para o som do Jonabug: é quase uma balada guitar rock, com clima tranquilo e solo de guitarra com design sonoro oriental. O Jonabug escapa de qualquer caixinha e entrega um disco coeso, intenso e cheio de identidade própria.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 15 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Monchmonch – “Martemorte”

RESENHA: Monchmonch lança Martemorte, disco punk-eletrônico gravado no Brasil e Portugal, com HQ, vinil exclusivo e vibe no-wave psicodélica.
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Lucas Monch, criador do projeto musical experimental Monchmonch, pensa grande: Martemorte, disco novo do projeto, teve sessões de gravação em Brasil e Portugal, e sai junto com uma HQ que transforma o disco em projeto visual. Também vai sair em vinil, com um lado B exclusivo da mídia física. Lucas também criou duas formações do Monchmonch, uma no Brasil e outra em Portugal.
Martemorte é um bom exemplo de punk experimental e eletrônico – tendendo para algo bem próximo da no-wave às vezes, ou da zoeira misturada de punk, funk e eletrônicos do Duo Chipa (por sinal, Cleozinhu, do Duo, participa do disco com produções, samples e ruídos). Efeitos de guitarra e sons que parecem videogames ou trilhas de desenho animado marcam Bolinha de ferro, Vala lava, o punk espacial de Jeff Bezos paga um pão de queijo e a psicodelia lo-fi de Prédios. Rola até um clima psico-krautrock em City bunda e Coisa linda.
O disco vai ainda para o punk-country sacana em Velhos brancos jovens carequinhas e para uma perversão dos Beach Boys do disco Smiley smile (1966) em Rasga céu, tema espacial-psicodélico apavorante, em que milionários e donos de big techs são fatiados sem dó.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Seloki Records
Lançamento: 17 de junho de 2025.
- Ouvimos: Ultrasonho – Nós nunca vamos morrer
- Ouvimos: Duo Chipa – Lugar distante
- Ouvimos: Vovô Bebê – Bad english
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