Cultura Pop
E a fase reggae de Serge Gainsbourg?

A chegada de estilos como glam rock e art rock provocou algumas mudanças no som de ninguém menos que o francês Serge Gainsbourg. De influenciador de artistas do estilo (Roxy Music, David Bowie), ele passou a, de certa forma, influenciado.
O trabalho de Serge ganhou uma cara conceitual e “teatral” da qual não se livrou durante boa parte dos anos 1970. Rolaram tentativas frustradas de óperas-pop-rock, claro. Gainsbourg chegou a imaginar um álbum sobre um infeliz que infartava dentro de um táxi em Londres, e que relembrava sua vida a medida que o taxímetro corria.
Mas ainda havia ideias que deram muito certo, como o essencial Histoire de Melody Nelson (1971), considerado o melhor disco de Gainsbourg e um verdadeiro patrimônio da música francesa. E L’homme a tête de chou, disco conceitual de 1976 que abriu espaço para o reggae na história musical do compositor francês. Mas peraí, reggae?
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Bom, o reggae já havia ganhado bastante popularidade em 1976, impulsionado pelos lançamentos internacionais de Bob Marley, por outras estrelas da Jamaica (Peter Tosh, Bunny Wailer) e por filmes como The harder they come, com outro nomão do estilo musical Jimmy Cliff. Estrelas como o Led Zeppelin e Eric Clapton haviam aderido às batidas jamaicanas poucos anos antes de Serge fazer o mesmo. Aliás, Paul Simon fora em 1972 gravar o single Mother and child reunion na Jamaica, com a turma que acompanhava Jimmy Cliff.
Por outro lado, quem talvez precisasse de um pouco mais de popularidade era o próprio Serge, cujos discos já não faziam mais barulho desde o começo dos anos 1970. E cuja carreira arriscava-se a ficar limitada ao aposto “o cara do J’e t’aime“. Ok, muito embora a canção que ele gravou com Jane Birkin em 1969, Je t’aime… moi non plus, hoje nem seja sua canção mais ouvida em algumas plataformas digitais.
Daí, L’homme à tête de chou, o tal álbum, saiu como um LP de art rock, em que Serge Gainsbourg usa todo o seu eu-lirismo, seu charme e sua safadeza para contar a história de um coroa tarado que se apaixona por uma garota novinha chamada Marilou. A menina trabalha numa barbearia e é apaixonada por rock (Elvis Presley, T-Rex, Alice Cooper e Lou Reed são citados no LP).
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Não vamos dar spoiler da história (ouça aí em cima). Mas basta dizer que Serge inaugurou o reggae em terras francesas, com a terceira música do disco. Era a simpática Marilou reggae.
O disco fez sucesso de crítica, mas não de público. Serge permaneceu fazendo canções por encomenda para outros cantores e gravando discos. Até que em 1978, Philippe Lerichomme, produtor de Serge, foi a uma boate ver um show punk e deparou com um DJ que, entre faixas do estilo musical, tocava vários sucessos de reggae. Em seguida, veio uma ideia na cabeça: por que seu contratado não lançava logo um disco de reggae?
Bom, a princípio deu certo: Serge curtiu a ideia, bateu um papo com Chris Blackwell (dono da Island, gravadora de Bob Marley) e começou a pesquisar em vários discos do estilo. Chris sugeriu que Serge fosse gravar na Jamaica com o valoroso duo de baixo e bateria Sly & Robbie, e com as vocalistas de Bob Marley, as I-Threes. A turma pegou um avião para a Jamaica e foi se meter no mais famoso estúdio de Kingston, no meio de uma rua suja.
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Só que, segundo uma matéria enorme da Red Bull Academy, (escrita pela biógrafa de Gainsbourg, Sylvia Simmons), o contato inicial entre Serge, Lerichomme e os dois músicos foi o mais avacalhado possível. A comunicação era em inglês, mas as duas duplas não entendiam os sotaques uma da outra. Sly & Robbie não sorriam e chegaram a pensar que o bem-trajado e jovial Lerichomme é que fosse o artista, não Serge. Perguntados sobre se conheciam alguma canção francesa, Sly respondeu que só conhecia “uma tal de Je t’aime, com uma garota gemendo”. Isso ajudou a melhorar o clima e as gravações começaram.
E aí que Aux armes et cætera (1978), o disco dessas sessões, quebrou um pouco a sequência de discos conceituais. E se tornou o primeiro disco de um músico branco gravado na Jamaica. Na verdade, o primeiro álbum, já que Paul Simon e Mick Jagger haviam feito singles por lá. E voltou a fazer Gainsbourg vender (muitos) discos.
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Sly & Robbie, que não entendiam francês (e acharam Gainsbourg mais um excêntrico recitador de poemas do que um cantor), acabaram ficando sem saber que criaram bases para canções como Lola Rastaquouere (canção politicamente incorreta louvando uma menina rastafári), Relax, baby be cool (sobre assassinatos cometidos pela Ku Klux Klan) e Eau et gaz à tous les étages (cuja letra, mínima, tinha versos como “meu pau pequeno/sai da minha braguilha/eu mijo e peido”). Mas ainda tinha coisa mais complexa: a faixa-título, uma versão reggae do hino da França. Por causa dessa música, Gainsbourg foi chamado de aproveitador e de antissemita, e ainda sofreu ameaças de morte.
Aux armes et cætera gerou uma turnê caótica, na qual Gainsbourg foi acompanhado pelo mesmo time jamaicano do disco – menos as vocalistas. Em Estrasburgo, teve um show quase interditado por paraquedistas militares indignados. Acabou se apresentando mesmo assim, mas aproveitou para cantar o Hino da França e dar uma banana para a plateia. A equipe sofreu ameaças de bombas e até os músicos acabaram dispensados (segundo alguns, porque faltou grana para pagá-los, mas Jane Birkin, que acompanhou a turnê, dizia que o próprio Serge achou que não podia se responsabilizar pela segurança deles).
Em 1981, Serge resolveu recrutar a mesma equipe de Aux armes e gravou Mauvaises nouvelles des étoiles, outro disco de reggae. Aliás, fez isso com todo apoio de sua gravadora, que esperava mais um campeão de vendagens. Não deu muito certo: Gainsbourg estava bebendo muito, seu casamento com Jane acabaria naquele ano e Sly & Robbie, após vários anos de trabalho, haviam se tornado bem mais famosos que em 1978. Mas até 1991, quando morreu, Gainsbourg ainda fez outras experimentações musicais, unindo música eletrônica, hip hop, new wave e mais reggae em discos subsequentes.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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