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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Doolittle, dos Pixies

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A certidão de nascimento de Doolittle, segundo LP dos Pixies, registra duas datas: dia 17 de abril de 1989 foi o lançamento na Inglaterra, e 18 de abril nos Estados Unidos. A banda americana, contratada por um selo britânico (o experimental 4AD) já tinha um EP e um primeiro álbum fenomenais (Come on pilgrim, de 1987, e Surfer Rosa, de 1988, respectivamente). Mas faltava um disco que vendesse, estourasse para além da boa receptividade da crítica e fizesse todo mundo assobiar as músicas – coisa que o sujaço Surfer mal tinha conseguido, apesar do hino Where is my mind.

Hoje, o que mais tem por aí é gente entre os 40 e 50 anos que consegue se lembrar do que estava fazendo quando pôs nos ouvidos alguma canção de Doolittle. Aliás, não era tão complicado ouvir a banda por aqui no fim dos anos 1980. Here comes your man e Monkey gone to heaven, os grandes hits do disco, começaram a ser tocados imediatamente nas rádios-rock do Brasil. E em situações honrosas, furaram o bloqueio das FMs mais comerciais. Ao contrário do conto do disco-revolucionário-que-o-Brasil-só-conheceu-trocentos-anos-depois-de-lançado, Doolittle foi lançado aqui pela Warner quase em tempo real, em LP e K7 (em CD, só vários anos depois, pela Roadrunner).

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Doolittle fez os Pixies se tornarem um sucesso indie mundial (era possível), influenciou uma gama de bandas que inclui Green Day e Nirvana, e seus ecos podem ser ouvidos até hoje, em discos de grupos como Fontaines DC e Dry Cleaning. Nas internas, o relacionamento de Black Francis (voz, guitarra), Kim Deal (voz, baixo), David Lovering (bateria) e Joey Santiago (guitarra) começava a passar por tensões. Mas ainda assim a primeira fase do grupo duraria mais dois anos, e renderia mais dois grandes álbuns – um deles, Trompe le monde (1991), já esteve até nessa ilustre seção.

Difícil escolher um melhor disco dos Pixies, mas Doolittle é o aniversariante, e é tido como o mais criativo álbum da banda por muita gente. E vai aí nosso relatório. Ouça lendo e leia ouvindo.

ANTES DE MAIS NADA, o lado A de Doolittle é isso aí: Debaser, Tame, Wave of mutilation, I bleed, Here comes your man, Dead, Monkey gone to heaven. O lado B: Mr. Grieves, Crackity Jones, La la love you, Nº 13 baby, There goes my gun, Hey, Silver, Gouge away.

POR FAVOR, SUCESSO. A maior vendagem de Surfer Rosa tinha sido nos EUA: 705 mil cópias. Não era apenas a 4AD que tinha interesse na banda: a Warner, que distribuía o selo nos EUA, país dos Pixies, adoraria poder contar com boas vendas dos discos do quarteto.

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LOGO NA SEQUÊNCIA DO primeiro disco, os Pixies fizeram uma turnê com outra banda indie conhecida de Boston, os Throwing Muses. Em seguida, Black Francis começou a trabalhar em demos de novas canções, com Dead, Hey, Tame e outras surgindo. Em 1988, a banda chegou a tocar algumas das músicas novas no programa do DJ inglês John Peel. O material de Doolittle começava a surgir aos poucos.

PRODUTOR. Tem uma pessoa sem a qual Doolittle não teria saído. E essa pessoa não apenas já conhecia os Pixies de outros carnavais, como tinha até assistido a outro show deles junto com as Throwing Muses. Era o produtor inglês Gil Norton, que por acaso produzira o primeiro disco das meninas para a 4AD, epônimo, em 1986.

ALIÁS E A PROPÓSITO, esse tal show a que Gil assistiu rolou pouco antes de Surfer Rosa, e na época os Pixies ainda eram tão pouco conhecidos que abriram a noite. Gil amou o show, que por sinal, foi dado em condições meio bizarras: Kim Deal teve um problema de doença na família e não foi à apresentação, e os Pixies viraram trio por uma noite.

ROLOU UMA PEQUENA TROCA na época. As Throwing Muses e Gil haviam tido um relacionamento apenas mediano na época do primeiro disco. Isso porque o produtor queria porque queria inserir metais no som delas e elaborar um pouco mais as canções, coisa que as garotas não queriam. Então, Ivo Watts-Russel, chefão da 4AD, propôs que elas trabalhassem com Gary Smith e pôs Norton no caminho dos Pixies. “Elas não aceitavam as sugestões dele como os Pixies faziam”, justificou.

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MAS QUEM É GIL NORTON? Nascido em Liverpool, Gil estava em estúdio desde os anos 1980, e havia produzido álbuns como Difficult shapes & passive rhythms, some people think it’s fun to entertain, do China Crisis, e Ocean rain, do Echo & The Bunnymen, ambos de 1984. Gil sempre foi um cara que curte pré-produção, e exige muito dos artistas com os quais trabalha. “Como você pode entrar em um estúdio se ainda não tem as músicas organizadas?”, questiona ele nesse papo aqui. “Tudo que eu quero de um artista é o melhor que ele pode fazer. Eu não gosto de pessoas preguiçosas. Se você quer ser preguiçoso, não me contrate”.

POR SINAL, Gil tinha um abacaxi para descascar durante a gravação de Doolittle. Um abacaxi chamado Black Francis: o líder dos Pixies entediava-se facilmente no estúdio e detesta fazer a mesma coisa várias vezes. “Ele era difícil, sim! Não é que ele não vá fazer nada mais do que uma vez, mas ele acharia entediante tocar os mesmos acordes. Tive que tentar convencê-lo a repetir as seções ou mudar um pouco as coisas para mantê-lo feliz”, recorda.

OS ENSAIOS de Doolittle começaram no fim de 1988, na garagem da casa da família de David Lovering. Já as gravações começaram em 11 de outubro no Downtown Recorders, em Boston. Construído num prédio antigo, o estúdio se destacava por uma peculiaridade: o local da bateria ficava junto com o do restante dos músicos. Não havia uma cabine de bateria. Era ideal para gravar discos com clima de “ao vivo”, tanto que a ideia original dos donos era investir num local para shows, não exatamente num estúdio. Na época, três bandas dividiam a sala de ensaio – dentre elas Juliana Hatfield e seu grupo. Gil adorou o local.

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AS GRAVAÇÕES de Doolittle duraram menos de um mês – foram até 23 de novembro de 1988. Gil se recorda de que foi um disco “rápido e furioso”, e que os cofres da gravadora não sofreram nenhum assalto: só 30 mil dólares para fazer tudo. A banda nem sequer usou muito equipamento: ao contrário do que acontecia na época, não houve uso de computadores, samplers, máquinas último tipo e vários microfones.

MAS ANTES, Gil precisou se trancar com Black Francis e fazer… as benditas pré-produções, quando percebeu que seu artista detestava repetir coisas. O produtor havia alugado um apartamento em Boston e lá ficou com Francis repassando todo o material, tocado num violão. Esse lado CDF tanto do produtor quanto da banda contou para o som de Doolittle: todo o material já havia sido cuidadosamente registrado em demos e foi exaustivamente ensaiado antes de ser gravado na fita master.

ALIÁS E A PROPÓSITO, mesmo com tantos cuidados, um desafio da banda e do produtor era fazer com que Doolittle fosse um disco próximo do que a banda faria ao vivo. Ainda que Gil conseguisse convencer os Pixies a fazer o que as Throwing Muses estavam reticentes em concordar, e colocasse cordas em Monkey gone to heaven.

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AH SIM: a ideia das cordas, na verdade, surgiu por causa de ninguém menos que Kim Deal, que resolveu tocar um piano de cauda que havia no estúdio. O som dela tocando no instrumento lembrou cordas em pizzicato, e todo mundo acabou gostando da ideia de levar aquilo para o disco.

SEI NÃO. Ninguém duvida, hoje em dia, de que Debaser é a faixa perfeita para abrir um álbum, e que ela bate um bolão em Doolittle. Acredite: Black Francis não estava muito seguro com relação à faixa e achava que ela não deveria entrar no disco. Teve que ser delicadamente encorajado.

EU BEBO SIM. Doolittle tinha uma música cantada pelo baterista David Lovering, La la love you. Aparentemente, a ideia de Francis foi fazer como John Lennon e Paul McCartney, que nos discos dos Beatles, sempre faziam uma canção para Ringo Starr cantar. O baterista estava nervoso, dava voltinhas na sala antes de pegar no microfone, e acabou bebendo seis cervejas para tomar coragem. Se antes David não queria cantar, o baterista depois acabou ficando animado – Gil recorda-se de que foi difícil tirá-lo do microfone, porque ele queria refazer os vocais várias vezes.

ALIÁS E A PROPÓSITO, segundo o próprio Lovering, La la love you costuma ser bastante usada em cerimônias de casamento.

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LEIA O LIVRO. Como acontecia nos discos anteriores dos Pixies, Doolittle teve uma baita influência do Antigo Testamento da Bíblia. Gouge away, a gritalhona faixa de encerramento, era inspirada na história de Sansão e Dalila. Dead cai pra cima da polêmica história do casal de amantes Davi e Betsabá. O “se o homem é 5, então o diabo é 6 e deus é 7” de Monkey gone to heaven veio da numerologia hebraica, assunto que Francis sequer dominava – baseou-se numa história que contaram a ele. A música também trata de catástrofes ambientais (daí “agora há um buraco no céu”, “tudo está pegando fogo” e outros versos de escrita quase automática). Mr. Grieves trata do encontro com uma espécie de “dona Morte”. Crackity Jones era sobre um colega de Francis que ouvia vozes.

ALIÁS E A PROPÓSITO, Black Francis foi criado na igreja evangélica. Seus pais ingressaram na Assembleia de Deus norte-americana quando ele era criança, e ele frequentou a igreja durante a adolescência. Num dos acampamentos da igreja, assistiu a um show do roqueiro gospel Larry Norman, que costumava animar o público com a frase “venha, peregrino!” (o nome do EP Come on, pilgrim vem disso).

É SURREAL! A letra de Debaser, por sua vez, faz referência a Um cão andaluz, filme de Luiz Buñuel e Salvador Dalí (afinal a letra fala em “fatiando globos oculares”, como aparece na abertura da película). Os versos subsequentes têm o mesmo clima. Aliás, o nome do filme aparece na letra.

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O PATRÃO MANDOU. A 4AD ficou especialmente animada com Here comes your man e viu naquilo o potencial primeiro single do disco. Problema à vista: a gravadora achou a canção, com pouco mais de dois minutos, curta demais, e mandou Francis aumentar a letra. O cantor ficou puto, gastou saliva, mostrou uma coletânea de Buddy Holly para Gil Norton (alegando que os hits do cantor eram canções de dois minutos), mas topou. Só que não deu as caras quando a banda gravava a base da canção.

DETALHE: tanto Francis quanto a banda tinham lá certo preconceito com a faixa. Sempre tinham achado Here comes your man comercial demais, uma espécie de Anna Julia do grupo, e nas internas, ela ganhava o apelido de “a do Tom Petty” (era consenso geral que a canção era um country disfarçado). Nem mesmo a 4AD tinha lá muita certeza de como usar a música.

ALIÁS E A PROPÓSITO, os Pixies receberam um convite para mostrar Here comes your man no programa de Arsenio Hall, campeão de audiência na época. Disseram que só iriam se pudessem tocar Tame, e a produção se recusou. Ivo diz que talvez um selo maior pudesse convencer os Pixies a se comercializarem mais, mas a 4AD não conseguiu.

TAVA DANDO MERDA. Testemunhas privilegiadas, como Ivo Watts-Russel, recordam-se que o dia a dia dos Pixies andava ficando meio frio. Francis precisava ser convencido a deixar Kim Deal fazer vocais em algumas músicas e rejeitava suas colaborações. Em Doolittle, só havia Silver, parceria dele com ela – na qual por sinal Kim tocava slide guitar. Por causa disso, ela achou melhor fazer sua própria banda, The Breeders.

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ESPOSA. Aliás em Doolittle, pela primeira vez, Kim usava seu nome verdadeiro. Isso porque no EP e no primeiro disco, ela assinava como Mrs. John Murphy. Casada com o empreiteiro da Força Aérea Americana John Murphy, ela ouviu de uma amiga casamenteira que se adotasse o sobrenome do marido, ganharia mais respeito. Resolveu fazer piada com o machismo da situação e adotou logo nome e sobrenome. Mas o casal se separou em 1988.

CAPA. Pela primeira vez, Vaughan Olivier (capista da 4AD) e Simon Larbalestier (fotógrafo que trabalhava com os Pixies) tiveram acesso às letras antes do disco ficar pronto. Isso fez com que o trabalho mudasse completamente, já que Vaughan produziu várias fotos conectadas com as letras, como o sino cheio de dentes que se relaciona com I bleed (com os versos “um sino tocando” e “isso faz meus dentes rangerem”).

ALIÁS E A PROPÓSITO,  Francis também referenciou-se na arte de Olivier, que fez a capa inspirado na letra de Monkey gone to heaven, com um macaco-anjo. Tanto que o disco se chamaria Whore (“puta”), como referência ao simbolismo bíblico da Prostituta da Babilônia. Mas mudou para Doolittle, porque achou que iriam interpretar a capa como afronta ao catolicismo.

CLIPES. O de Here comes your man, dirigido por Neil Pollock e Jonathan Bekemeier, ganhou (muito) espaço na MTV, apesar de ser uma maluquice sem fim. A banda aparece distorcida, gravada com câmera olho de peixe, e Francis e Deal dublam a canção sem respeitar nenhuma sincronia com a letra. Gravado boa parte em preto e branco, o de Monkey gone to heaven é bem misterioso, mas mais formal, com a banda tocando num palco. O de Debaser, com imagens desfocadas e palavras sobrepostas, é tão surrealista quanto a capa do disco, e foi dirigido pelo próprio Vaughan Olivier.

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VENDEU? Até hoje, Doolittle vendeu um milhão de cópias nos EUA. Black Francis conta que na época, as vendas foram modestas. “As pessoas sempre dizem que devemos ter vendido muitos discos, mas tínhamos aquele vídeo na MTV por seis semanas e vendemos uns 60.000 discos. Os anos 1990 ainda não haviam acontecido. Nele, as chamadas bandas ‘alternativas’ estavam vendendo milhões de discos”, afirmou.

E A CRÍTICA? Quase todo mundo gostou do disco. A Melody Maker e o The Sounds consideraram o álbum disco do ano. Robert Christgau, do Village Voice, disse que a banda “está apaixonada e não sabe por quê”. A Time Out discordou e afirmou que “a produção de teatro de brinquedo de Gil Norton torna um drama o que deveria ter sido uma crise”.

ALIÁS, VALE DIZER QUE o material gerado pelos Pixies na época de Doolittle era tão imenso que, quando o disco fez 25 anos, a 4AD reuniu demos e gravações alternativas num CD duplo, Doolittle 25.

E JÁ QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, pega Wave of mutilation ao vivo em 1989. O grupo apresentava essa música nos shows numa versão bem lenta (que saiu em single).

Com infos do livro Fool the world: The oral history of a band called Pixies, de Josh Frank e Caryn Ganz

 

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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