Destaque
E a fase hippie da Debbie Harry?
Em junho de 1977, a revista High Times colocava Debbie Harry, vocalista do Blondie (e aniversariante desta semana) na capa. Chamava a cantora de “a Marilyn Monroe do punk rock”, ouvia dela que “era uma humanista” (o guitarrista Chris Stein atalhava dizendo que ela “era humanista como Johnny Rotten”) e… descobria que a mestra da new wave e do punk passara por uma fase hippie dez anos antes.
Olha aí a capinha do disco único do The Wind In The Willows, lançado pela Capitol em 1968. Debbie Harry fazia vocais de apoio no grupo e está na capa (é a quarta a partir da esquerda, na fileira de cima).
“Tá escrito ‘estereofônico’ na capa, tipo aquelas edições da Odeon nos anos 1960”. Sim. Vai entender o motivo, alguém achou que seria boa ideia lançar o álbum no Brasil, com capinha sanduíche e tudo. Saiu por aqui em 1968 mesmo. O Discogs garante que uma cópia disso aí, na edição nacional, troca de mãos por R$ 385,48. Chegou a sair por aqui um compactinho do grupo também, com Moments spent e Friendly lion.
O grupo ainda tinha uma outra integrante mulher, Ida Andrews, que tocava flauta, violino pícolo e fazia vocais. E, como era comum na época, tinha um “conselheiro espiritual”, um cara chamado Freddy.
Na entrevista à High Times, ao ser perguntada se o grupo era “easy listening”, Debbie fez piada falando que se tratava de “depressing listening” (audição depressiva). Na biografia do Blondie Vidas paralelas, escrita por Dick Porter e Kris Needs, aparece uma declaração em que ela dá uma desprezada ainda maior no Wind In The Willows, “Esse disco parece música de criança. Não tive muita participação no processo criativo. Era a vocalista de apoio, fazia harmonias com o vocalista principal e era isso aí”, contou. Fontes dão conta de que ela tocava instrumentos de alta estirpe no meio psicodélico da época, como kazoo e tamboura, por sinal.
O líder do grupo, Paul Klein, conheceu Debbie por ter ser casado com uma das amigas de escola dela. O grupo conseguiu contrato com a Capitol por vias MUITO tortas. A cunhada de Klein morreu de inanição após exagerar na dieta macrobiótica. Robert Christgau, então um jornalista iniciante, foi cobrir a morte da garota para o Village Voice, conheceu os integrantes do grupo e resolveu fazer uma reportagem sobre eles, na base do “conheça o dia a dia de uma banda iniciante de Nova York”. Acabou levando-os a terem contato com um empresário, que os levou para a Capitol.
E deu no que (não) deu, já que o grupo não chegou a fazer sucesso. O livro Big bang baby, Rock trivia, de Richard Crouse, dá conta de que o álbum deu foi prejuízo, com mais discos não-vendidos do que efetivamente vendidos – e álbuns promocionais devolvidos por jornalistas. Quanto a Debbie Harry, ela não curtia o som da banda, sugeriu mudanças para Klein, ele não concordou e ela saiu. Antes de o grupo acabar, chegaram a gravar mais um disco, ainda com Debbie, que nunca foi lançado. “Era um disco bem melhor, pelo menos para mim. Nunca saiu e nunca tive ideia do que foi feito com ele”, revela. Em Vidas paralelas, Debbie tira um pelo do ex-colega Klein, dizendo que ele “via a si próprio como um cara do folk, mas com aspecto de Ursinho Teddy”.
Obviamente com o sucesso do Blondie, em meados dos anos 1970, o passado hippie de Debbie Harry começou a vir à tona. Tanto que a Capitol não perdeu tempo e relançou o disco em 1979. Com uma pequena alteração na capa.
“Tem como ouvir o disco inteiro na internet?”. Tem, ué. Pega aí.
Essa música aí, Debbie canta inteirinha.
https://www.youtube.com/watch?v=3mSx82ZMgjY
Aproveita e pega uma das músicas com título mais maluco já lançadas: My uncle used to love me but she died. Também tá no disco.
Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen
A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica
A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro
Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
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