Cultura Pop
90under: página do Facebook faz crowdfunding para lançar compactos de bandas independentes dos anos 1990

Lembra de documentários como Desagradável, do Gangrena Gasosa? A nave, sobre o Circo Voador? O material acumulado durante vários anos pelo músico carioca Vital Cavalcante ajudou na elaboração desses dois docs. Sabe aquele vídeo do show do DeFalla, em 1992 no Circo Voador, que usamos como base para falar de um dos discos mais inovadores do rock brasileiro? Tá lá porque Vital fez contato com um amigo que gravava shows no Circo, e anos depois subiu no YouTube.
Tem gente pesquisando a MPB, o rock brasileiro, a psicodelia nacional dos anos 1960. Vital correu por fora e tornou-se um pesquisador do underground nativo dos anos 1990, cena que até se aproveitou bastante do espaço em grandes jornais (Rio Fanzine, em O Globo, Zap, no Estadão) e revistas (Bizz, General). Mas que é repleta de bandas que não chegaram a gravar, cenas documentadas em demos ou em CDs esgotados, e selos que se perderam sem que os masters fossem preservados. Nesse território, uma das histórias mais loucas é a da não-preservação da fita original de Welcome to terreiro, do Gangrena Gasosa, de 1992. O sumiço do master foi descoberto quando o produtor Rafael Ramos foi tentar remixar o disco, precisava de uma fita com os canais abertos e descobriu que não havia mais fita.
A tribuna de Vital para colocar boa parte desse material são o grupo e a página 90under, no Facebook. “Além da página e do grupo criei o Instagram, e ganho seguidores o tempo inteiro”, conta ele, que decidiu investir em um grupo, depois da página, num período em que esta andava com pouca visitação. “A página estava bombando muito e depois passou a ter zero views, por causa de mudanças de algoritmo. Vi uma dica de que era melhor criar um grupo e tenho os dois”, conta.
https://www.youtube.com/watch?v=FGFYXpSZHes
Dia 4 de novembro encerra-se o prazo para ajudar no projeto mais importante da 90under: a página/selo/conta do Instagram vai virar gravadora, lançando de forma independente um single da banda curitibana de hardcore Pinheads – escolhida por eleição com os frequentadores. Já tá rolando um crowdfunding, com direito a prêmios que incluem o compacto, camiseta, livros do escritor, músico e jornalista Leonardo Panço (que foi do Jason), etc.
Vital diz que, dando certo, vem uma série de compactinhos para os fãs das bandas do período. E contou mais sobre o projeto aí embaixo.
Como surgiu a ideia de produzir um compacto dos Pinheads. E por que eles?
VITAL CAVALCANTE: A ideia surgiu observando a movimentação do próprio grupo: percebi que muita gente tinha muito carinho pelos formatos analógicos, vinil e cassete, então eu pensei que uma prensagem de 300 cópias de compactos poderia ser viável. O grupo acabou sendo um bom termômetro das bandas da época que ainda mantém um grande número de fãs. Fiz uma grande votação do melhor trabalho da década, e deu pra sacar as bandas mais queridas, como Second Come, Pinups, essas com LPs clássicos. Depois fiz uma enquete só sobre demos clássicas e nessa enquete deu Pinheads na cabeça. Além disso, o Julio Linhares, guitarrista da banda, se mostrou desse o início empolgado com a ideia.
Aliás como surgiu a 90under? Bicho, a origem da 90under remonta ao Orkut. Lá eu tinha a comunidade Bandas Cariocas dos Anos 90. Eu sempre tive essa preocupação, desde sempre. Já fui motivo de chacota por isso, muita gente encara como puro saudosismo. Rótulo que não cola em mim, já que eu nunca parei, venho criando novos projetos musicais. Eu sou aquele cara que pegou a DAT com as masters do Poindexter e passou pra CD, depois pra HD, senão não teriam essas masters. O canal do YouTube 90under tem a entrevista que o Gangrena Gasosa deu pro Jô Soares em 1993, porque eu digitalizei minhas fitas de VHS Esse vídeo já deve ter quiser 100.000 views e a banda usou no documentário Desagradável. Aliás, eu contribui pro Desagradável, pro Time will burn, pro A nave e creio que pro do Defalla que não saiu ainda. E deve ter algo no Sem dentes.
https://www.youtube.com/watch?v=AVDv4_FIvbQ
Pesquisa e memória virando saudosismo, é? O que essas pessoas têm na cabeça? São as mesmas que choraram pelo incêndio do Museu Nacional? Pois é… Não chega a ser a maioria, mas tem uma galera que faz comentário jocoso. Já teve ex-integrante de banda minha que falou: ‘Pô, tu é o lixeiro do material da banda’, porque eu fico lá catando as velharias. O brasileiro vive de cagar pra memória. Se não fosse assim, a gente não teria um museu com aquele acervo, mas que a sociedade inteira não se dava conta de que estava conservado daquela forma pífia, né?
Como é para você estar contribuindo para a memória do rock nacional nesse período? Quando eu escaneei cartaz, digitalizei meus VHS, minhas fitas demo, esse tipo de coisa, nem imaginava que esse material seria um dia usado em documentário. Eu guardava pra mim, botava num blog lá pelos anos 2000. Acabou que o material que eu guardei foi útil para o Gangrena Gasosa e para o De Falla, porque eu digitalizei coisas que essas duas bandas não tinham. Eu tinha recorte de matéria do Globo, coisas que eles não tinham mais. Se eu soubesse que os artistas da época iriam se preocupar tão pouco em guardar o próprio material deles, eu teria digitalizado mais coisas, porque acabei me desfazendo de algumas. E como isso é um trabalho hercúleo, eu já tinha três bandas minhas para fazer esse trabalho (Jimi James, Jason e Poindexter) e ainda não acabei. Quando encontro com o Alexandre Griva (ex-baterista do JJ) ele me diz que tem aquelas fitas de Mini DV, de formatos do ano 2000, para passar para digital. Agora, o que me dá mais satisfação é que a página só cresce. Fiz um post que viralizou sozinho, organicamente, sobre o blog do Edson, o Demo Tapes Brasil. Isso rendeu para ele dar uma entrevista para a página do Rock In Rio e para eu dar entrevista para a Rádio Transamérica.
Pinheads veio de Curitiba. Quais são suas lembranças da cena curitibana dos anos 1990? Olha, eu lembro da primeira vez que ouvi falar deles. Eu e o Flock nos anos 1990 – a gente era do Poindexter – dávamos rolê pelas lojas de disco que deixavam a gente vender demo por consignação. Íamos nelas deixar a demo e conhecíamos um monte de outras fitas demo, porque a gente pegava nosso pagamento em fitas demo e compacto. Eu tenho quase certeza que conheci o Pinheads na Spider, em Ipanema, porque chegamos lá e estavam os compactinhos do selo Bloody Records. Acho que o Flock pegou o do Boi Mamão. E ou eu ou ele, ou algum amigo, pegamos o do Pinheads. E esse compacto virou sensação no underground, aliás o compacto e as demo deles. Eles começaram com um burburinho, assim como também rolou com o Resist Control com aquela fitinha amarela deles que só tem duas músicas. Pinheads não era meu estilo, fazia hardcore melódico e eu era do hardcore berrado. Mas era tão bom que, mesmo quem não era desse estilo, sacava que você tava ouvindo algo fora da curva.
Ao lançar o vinil, você vai estar ajudando a colocar no formato músicas que só existiam em K7. Como é poder fazer uma ponte entre dois formatos tão históricos para o rock nacional? Essa coisa de pegar áudio e master de demo e botar em vinil, eu achei particularmente foda, e como músico e como audiófilo. Por mais que o cassete seja um formato querido, tenha sido importante… ele tem uma qualidade de áudio limitada. Tem muita fita demo que a master tá em ADAT, fita de rolo, CD-R. E o cara tem aquela master guardada com uma amplitude maior, e ninguém nunca ouviu aquilo com a qualidade que poderia ouvir! O vinil, por ter qualidade superior, pode ser uma experiência bacana.
Dando certo, será que vai rolar o mesmo projeto com outra banda? Se der certo, eu nem pretendo ficar preso a essa ideia de pegar áudio de demo e passar pra vinil. Ando falando com outras bandas populares da época, e se tiver alguma raridade, alguma coisa inédita, alguma faixa não-lançada, a gente pode fazer um compacto com material 100% inédito. A próxima banda que eu quero fazer é o Second Come. Em todas as votações que eu faço no grupo, ela encabeça. Já tive uma conversa preliminar com Francisco Kraus do Second Come e ele me falou até da existência de umas raridades. Outra banda que talvez saia algum material é o Dash, que é a banda do Formigão (Planet Hemp) e da Simone (ex-Autoramas) e é a banda que praticamente originou o Matanza. Se tudo der certo, vamos ter aí uma coleção incrível de compactos.
O que você tá achando do revival das fitas K7? Olha, muita gente torce o nariz, inclusive gente da época. É quase uma polarização, que fala que vinil e K7 não tem nada a ver, que é só fetiche, é de nicho. Ou: “Ah, eu ouço tudo no Spotify”. Eu até tô no meio do caminho, sou assinante do Spotify, sou viciado em streaming, mas acho legal que existam esses formatos. A volta do cassete pra mim é muito bacana. É coisa de nicho, sim, mas por que não? Qual o problema de existir um nicho? A gente faz parte de uma geração que lidava muito com formatos analógicos. E a tendência é que a gente consuma música em formatos que nem existam mais no futuro.
Você ainda tem muita demo em casa? Tenho um monte de fita demo, mas não muita. Tenho um tanto de vinil. Mas não sou um colecionador. Doei muita coisa. Já doei fanzine pra caramba. Sou um cara preocupado com preservação da memória, mas ser preocupado com isso não é necessariamente ser um colecionador. Tô até pra dar um monte de CD-R do ano 2000 pro Marcelo Mara do Disco Furado. Minhas demos, na hora que o Edson voltar a digitalizar, mando tudo pra ele numa boa.
Qual, pra você, é a banda perdida do under 90? A que nunca nem sequer chegou a gravar, mas é memorável? Putz, excelente pergunta. Difícil de responder. Tem um monte de banda que é pouco lembrada. Acontece muito de eu ver as bandas que eram queridas por muita gente e ficar meio decepcionado, porque as bandas que eram muito importantes para mim ninguém dá muita bola. Tinha muita banda legal do Sul: The Power of The Bira, Anões de Jardim, Tormento dos Vizinhos. Muita banda legal do Nordeste, como o Lisergia. O grupo tem pouca gente do Nordeste e do Rio Grande do Sul. De vez em quando falo isso, pra ver se puxa uma galera lá. Tem muita gente do Rio, SP, até Brasília, por causa do Luciano Branco, que é um colecionador que levou muita gente para o grupo. O próprio Pinheads nunca lançou CD de carreira. Lançaram compacto, demo, música em coletâneas mas não existe álbum do Pinheads.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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