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Cultura Pop

90under: página do Facebook faz crowdfunding para lançar compactos de bandas independentes dos anos 1990

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Lembra de documentários como Desagradável, do Gangrena Gasosa? A nave, sobre o Circo Voador? O material acumulado durante vários anos pelo músico carioca Vital Cavalcante ajudou na elaboração desses dois docs. Sabe aquele vídeo do show do DeFalla, em 1992 no Circo Voador, que usamos como base para falar de um dos discos mais inovadores do rock brasileiro? Tá lá porque Vital fez contato com um amigo que gravava shows no Circo, e anos depois subiu no YouTube.

Tem gente pesquisando a MPB, o rock brasileiro, a psicodelia nacional dos anos 1960. Vital correu por fora e tornou-se um pesquisador do underground nativo dos anos 1990, cena que até se aproveitou bastante do espaço em grandes jornais (Rio Fanzine, em O Globo, Zap, no Estadão) e revistas (Bizz, General). Mas que é repleta de bandas que não chegaram a gravar, cenas documentadas em demos ou em CDs esgotados, e selos que se perderam sem que os masters fossem preservados. Nesse território, uma das histórias mais loucas é a da não-preservação da fita original de Welcome to terreiro, do Gangrena Gasosa, de 1992. O sumiço do master foi descoberto quando o produtor Rafael Ramos foi tentar remixar o disco, precisava de uma fita com os canais abertos e descobriu que não havia mais fita.

A tribuna de Vital para colocar boa parte desse material são o grupo e a página 90under, no Facebook. “Além da página e do grupo criei o Instagram, e ganho seguidores o tempo inteiro”, conta ele, que decidiu investir em um grupo, depois da página, num período em que esta andava com pouca visitação. “A página estava bombando muito e depois passou a ter zero views, por causa de mudanças de algoritmo. Vi uma dica de que era melhor criar um grupo e tenho os dois”, conta.

https://www.youtube.com/watch?v=FGFYXpSZHes

Dia 4 de novembro encerra-se o prazo para ajudar no projeto mais importante da 90under: a página/selo/conta do Instagram vai virar gravadora, lançando de forma independente um single da banda curitibana de hardcore Pinheads – escolhida por eleição com os frequentadores. Já tá rolando um crowdfunding, com direito a prêmios que incluem o compacto, camiseta, livros do escritor, músico e jornalista Leonardo Panço (que foi do Jason), etc.

Vital diz que, dando certo, vem uma série de compactinhos para os fãs das bandas do período. E contou mais sobre o projeto aí embaixo.

Como surgiu a ideia de produzir um compacto dos Pinheads. E por que eles?
VITAL CAVALCANTE: A ideia surgiu observando a movimentação do próprio grupo: percebi que muita gente tinha muito carinho pelos formatos analógicos, vinil e cassete, então eu pensei que uma prensagem de 300 cópias de compactos poderia ser viável. O grupo acabou sendo um bom termômetro das bandas da época que ainda mantém um grande número de fãs. Fiz uma grande votação do melhor trabalho da década, e deu pra sacar as bandas mais queridas, como Second Come, Pinups, essas com LPs clássicos. Depois fiz uma enquete só sobre demos clássicas e nessa enquete deu Pinheads na cabeça. Além disso, o Julio Linhares, guitarrista da banda, se mostrou desse o início empolgado com a ideia.

Aliás como surgiu a 90under? Bicho, a origem da 90under remonta ao Orkut. Lá eu tinha a comunidade Bandas Cariocas dos Anos 90. Eu sempre tive essa preocupação, desde sempre. Já fui motivo de chacota por isso, muita gente encara como puro saudosismo. Rótulo que não cola em mim, já que eu nunca parei, venho criando novos projetos musicais. Eu sou aquele cara que pegou a DAT com as masters do Poindexter e passou pra CD, depois pra HD, senão não teriam essas masters. O canal do YouTube 90under tem a entrevista que o Gangrena Gasosa deu pro Jô Soares em 1993, porque eu digitalizei minhas fitas de VHS Esse vídeo já deve ter quiser 100.000 views e a banda usou no documentário Desagradável. Aliás, eu contribui pro Desagradável, pro Time will burn, pro A nave e creio que pro do Defalla que não saiu ainda. E deve ter algo no Sem dentes.

https://www.youtube.com/watch?v=AVDv4_FIvbQ

Pesquisa e memória virando saudosismo, é? O que essas pessoas têm na cabeça? São as mesmas que choraram pelo incêndio do Museu Nacional? Pois é… Não chega a ser a maioria, mas tem uma galera que faz comentário jocoso. Já teve ex-integrante de banda minha que falou: ‘Pô, tu é o lixeiro do material da banda’, porque eu fico lá catando as velharias. O brasileiro vive de cagar pra memória. Se não fosse assim, a gente não teria um museu com aquele acervo, mas que a sociedade inteira não se dava conta de que estava conservado daquela forma pífia, né?

Como é para você estar contribuindo para a memória do rock nacional nesse período? Quando eu escaneei cartaz, digitalizei meus VHS, minhas fitas demo, esse tipo de coisa, nem imaginava que esse material seria um dia usado em documentário. Eu guardava pra mim, botava num blog lá pelos anos 2000. Acabou que o material que eu guardei foi útil para o Gangrena Gasosa e para o De Falla, porque eu digitalizei coisas que essas duas bandas não tinham. Eu tinha recorte de matéria do Globo, coisas que eles não tinham mais. Se eu soubesse que os artistas da época iriam se preocupar tão pouco em guardar o próprio material deles, eu teria digitalizado mais coisas, porque acabei me desfazendo de algumas. E como isso é um trabalho hercúleo, eu já tinha três bandas minhas para fazer esse trabalho (Jimi James, Jason e Poindexter) e ainda não acabei. Quando encontro com o Alexandre Griva (ex-baterista do JJ) ele me diz que tem aquelas fitas de Mini DV, de formatos do ano 2000, para passar para digital. Agora, o que me dá mais satisfação é que a página só cresce. Fiz um post que viralizou sozinho, organicamente, sobre o blog do Edson, o Demo Tapes Brasil. Isso rendeu para ele dar uma entrevista para a página do Rock In Rio e para eu dar entrevista para a Rádio Transamérica.

Pinheads veio de Curitiba. Quais são suas lembranças da cena curitibana dos anos 1990? Olha, eu lembro da primeira vez que ouvi falar deles. Eu e o Flock nos anos 1990 – a gente era do Poindexter – dávamos rolê pelas lojas de disco que deixavam a gente vender demo por consignação. Íamos nelas deixar a demo e conhecíamos um monte de outras fitas demo, porque a gente pegava nosso pagamento em fitas demo e compacto. Eu tenho quase certeza que conheci o Pinheads na Spider, em Ipanema, porque chegamos lá e estavam os compactinhos do selo Bloody Records. Acho que o Flock pegou o do Boi Mamão. E ou eu ou ele, ou algum amigo, pegamos o do Pinheads. E esse compacto virou sensação no underground, aliás o compacto e as demo deles. Eles começaram com um burburinho, assim como também rolou com o Resist Control com aquela fitinha amarela deles que só tem duas músicas. Pinheads não era meu estilo, fazia hardcore melódico e eu era do hardcore berrado. Mas era tão bom que, mesmo quem não era desse estilo, sacava que você tava ouvindo algo fora da curva.

Ao lançar o vinil, você vai estar ajudando a colocar no formato músicas que só existiam em K7. Como é poder fazer uma ponte entre dois formatos tão históricos para o rock nacional? Essa coisa de pegar áudio e master de demo e botar em vinil, eu achei particularmente foda, e como músico e como audiófilo. Por mais que o cassete seja um formato querido, tenha sido importante… ele tem uma qualidade de áudio limitada. Tem muita fita demo que a master tá em ADAT, fita de rolo, CD-R. E o cara tem aquela master guardada com uma amplitude maior, e ninguém nunca ouviu aquilo com a qualidade que poderia ouvir! O vinil, por ter qualidade superior, pode ser uma experiência bacana.

Dando certo, será que vai rolar o mesmo projeto com outra banda? Se der certo, eu nem pretendo ficar preso a essa ideia de pegar áudio de demo e passar pra vinil. Ando falando com outras bandas populares da época, e se tiver alguma raridade, alguma coisa inédita, alguma faixa não-lançada, a gente pode fazer um compacto com material 100% inédito. A próxima banda que eu quero fazer é o Second Come. Em todas as votações que eu faço no grupo, ela encabeça. Já tive uma conversa preliminar com Francisco Kraus do Second Come e ele me falou até da existência de umas raridades. Outra banda que talvez saia algum material é o Dash, que é a banda do Formigão (Planet Hemp) e da Simone (ex-Autoramas) e é a banda que praticamente originou o Matanza. Se tudo der certo, vamos ter aí uma coleção incrível de compactos.

O que você tá achando do revival das fitas K7? Olha, muita gente torce o nariz, inclusive gente da época. É quase uma polarização, que fala que vinil e K7 não tem nada a ver, que é só fetiche, é de nicho. Ou: “Ah, eu ouço tudo no Spotify”. Eu até tô no meio do caminho, sou assinante do Spotify, sou viciado em streaming, mas acho legal que existam esses formatos. A volta do cassete pra mim é muito bacana. É coisa de nicho, sim, mas por que não? Qual o problema de existir um nicho? A gente faz parte de uma geração que lidava muito com formatos analógicos. E a tendência é que a gente consuma música em formatos que nem existam mais no futuro.

Você ainda tem muita demo em casa? Tenho um monte de fita demo, mas não muita. Tenho um tanto de vinil. Mas não sou um colecionador. Doei muita coisa. Já doei fanzine pra caramba. Sou um cara preocupado com preservação da memória, mas ser preocupado com isso não é necessariamente ser um colecionador. Tô até pra dar um monte de CD-R do ano 2000 pro Marcelo Mara do Disco Furado. Minhas demos, na hora que o Edson voltar a digitalizar, mando tudo pra ele numa boa.

Qual, pra você, é a banda perdida do under 90? A que nunca nem sequer chegou a gravar, mas é memorável? Putz, excelente pergunta. Difícil de responder. Tem um monte de banda que é pouco lembrada. Acontece muito de eu ver as bandas que eram queridas por muita gente e ficar meio decepcionado, porque as bandas que eram muito importantes para mim ninguém dá muita bola. Tinha muita banda legal do Sul: The Power of The Bira, Anões de Jardim, Tormento dos Vizinhos. Muita banda legal do Nordeste, como o Lisergia. O grupo tem pouca gente do Nordeste e do Rio Grande do Sul. De vez em quando falo isso, pra ver se puxa uma galera lá. Tem muita gente do Rio, SP, até Brasília, por causa do Luciano Branco, que é um colecionador que levou muita gente para o grupo. O próprio Pinheads nunca lançou CD de carreira. Lançaram compacto, demo, música em coletâneas mas não existe álbum do Pinheads.

Cultura Pop

Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

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Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.

Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.

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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).

Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).

Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.

Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”

Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.

Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.

“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.

E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).

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Cultura Pop

Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

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Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.

O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.

Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.

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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.

O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.

Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.

Foro: Keira Vallejo/Wikipedia

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Crítica

Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

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Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.

Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.

Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.

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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.

É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).

Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga  estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.

O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.

Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.

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