Cultura Pop
Trompe Le Monde: 30 coisas que você não sabe sobre o disco dos Pixies de 1991


Em 1990, quando os Pixies lançaram seu quarto LP, Bossanova, surgiu um papo de que o disco seguinte de Black Francis (voz, guitarra), Kim Deal (voz, baixo), David Lovering (bateria) e Joey Santiago (guitarra) seria todo de heavy metal. Não foi bem assim: Trompe le monde (1991), que acabou sendo o último álbum da banda em sua fase inicial – até que resolvessem voltar em algum momento da década passada – era basicamente um disco de punk rock, com toques de psicodelia e muito da mão pop-rock que surgiria nos primeiros discos solo de Francis, já com o nome de Frank Black.
De qualquer jeito, um resultado musical que tem tudo a ver com um ano, 1991, em que se diz que os Estados Unidos finalmente entenderam o punk. No caso dos Pixies, a migração para um som mais porradeiro deu em riffaramas como a faixa-título, o funk-rock de U-Mass, o power pop de Palace of the brine, o AC/DC protopunk de Palace of sound, a suíte gritalhona The sad punk e muitas outras. Como se trata de um dos discos preferidos do POP FANTASMA, decidimos relembrar 30 fatos ligados à história do álbum. Ouça o disco e pega aí as infos. De heavy metal, só mesmo as fofocas sobre o álbum…
QUASE DEU MERDA. Uma semana antes da turma entrar em estúdio para fazer Trompe le monde com o produtor Gil Norton, Black Francis deu um ataque e demitiu a baixista Kim Deal. Norton lembra ter ouvido falar que Kim tomou uns gorós a mais, deu uma entrevista para uma rádio desancando publicamente o vocalista, Francis ouviu o bate papo e ficou puto. Depois de muita insistência por parte do produtor, o cantor desistiu da ideia e Kim ficou.
NA ESTRADA COM OS PIXIES. O disco foi começado no mesmo estúdio que a banda havia feito Bossanova, o Master Control, em Burbank. Faltavam letras e vocais e a banda deixou o trabalho para cair numa turnê. Norton fuçou no cangote do grupo enquanto excursionavam: agendou datas em Londres, no Blackwing, e em Paris, no Des Dames, para a banda completar o trabalho.
BLACKWING. Construído numa igreja abandonada no sudoeste de Londres, o Blackwing tinha se notabilizado como uma das usinas de força do tecnopop e do rock experimental dos anos 1980. Discos de Yazoo, Depeche Mode, Fad Gadget, Dead Can Dance e vários álbuns do selo Mute Records saíram de lá.
DES DAMES. O estúdio Des Dames por sua vez, era uma espécie de Abbey Road (construído na Rua Des Dames, em Paris) da Philips francesa. De lá saíram álbuns de Paul Mauriat, Serge Gainsbourg e vários nomes do pop do país. O local também era uma preferência de artistas americanos e britânicos em turnê pela França. Em 1984 Gil já havia comandado as gravações de Ocean rain, disco do Echo & The Bunnymen, na mesma casa.
ALIÁS E A PROPÓSITO. De passagem por Paris em 1970, os Mutantes gravaram o disco Tecnicolor no Des Dames. Essas sessões foram parar no quarto disco da banda, Jardim elétrico, em 1971. O nome do estúdio aparece na contracapa do disco.
EM CIMA DA HORA. Sem tempo para maiores maquiagens, os Pixies faziam músicas pouco antes delas serem gravadas, num clima bem mais experimental e rascunhado que nos discos anteriores. Por causa disso, Norton e o técnico de som Steve Haigler passaram boa parte do tempo gravando faixas de bateria e baixo para músicas que não tinham a menor ideia de como ficariam, já que Francis não terminava as letras nem as ideias principais das melodias.
FALANDO NISSO. Trompe le monde foi gravado praticamente com a banda separada. Os músicos nem se cruzavam no estúdio. Coube à equipe reduzidíssima (produtor e engenheiro de som) fazer o meio de campo, já que o grupo mal se comunicava.
DAS ANTIGAS. Os Pixies resolveram resgatar uma música do comecinho da banda para o disco. Subbacultcha estava na demo Purple tape, gravada em 1987, e que gerou o EP Come on pilgrim. Mas permanecia inédita. Testemunhas afirmam que muita coisa do disco vinha também de coisas que estavam guardadas havia anos no armário de Black Francis, incluídas aí canções como Planet of sound e U-Mass.
REFERÊNCIA. Em Planet of sound, Black Francis fala em “a terra do Classical gas“. É uma referência a esse tema instrumental composto e gravado por Mason Williams em 1968, e que se tornaria popularíssimo nos Estados Unidos.
CADÊ A KIM?. Kim Deal estava bem insatisfeita com o fato de Trompe estar em vias de se tornar quase um disco solo de Francis, sem muito espaço para suas colaborações. Black Francis, além dos vocais gritados, fazia vozes bem parecidas com as da baixista em quase todas as músicas – Trompe le monde, a faixa título, parecia cantada por ela, mas não era. Gil Norton ficou particularmente aborrecido com o fato de Bird dream of the Olympus Mons, que originalmente iria para a voz dela, ter sido cantada por Francis. Foi o que bastou para cortar de vez o tesão da baixista.
U-MASS. A música U-Mass era uma brincadeira com os tempos em que Black Francis passou estudando antropologia na Universidade de Massachussets (que é realmente abreviada para U-Mass ou UMass). Foi lá que ele conheceu Joey Santiago, que estudava economia. Ambos deixaram seus cursos no segundo ano.
ALIÁS, Joey deu uma entrevista a um jornal da universidade faz pouco tempo e disse que essa música, bem como outras da banda, não faz referência a nada exato. “Em U-Mass, Charles (Black Francis, cujo nome verdadeiro é Charles Thompson) não estava falando da vida no campus. Assistir a todos aqueles fodidos na época, como os ??direitistas militantes, era educativo. Foi uma grande surpresa”.
JESUS & MARY CHAIN. Trompe le monde se tornou popular por causa de uma releitura, a de Head on, do Jesus & Mary Chain. Norton lembra que ao terminar essa música, Tanya Donelly, da banda Throwing Muses e das Breeders, pintou no estúdio. Com a chegada dela, uma turma da gravadora 4AD acabou indo à casa de Norton para uma festinha. O produtor lembra de ter ficado sem graça quando viu ninguém menos que Jim Reid, do Jesus, aparecer lá. “Tinha acabado de mixar a regravação de uma música dele, e nem o conhecia”, brincou.
SOZINHO. Testemunhas lembram que, no fim da gravação de Trompe le monde, ainda que a 4AD tivesse os Pixies como topo de linha, estava claro que era o fim. Tinha sido planejado que o staff da gravadora iria ao estúdio para levar todo mundo para jantar e encerrar a gravação. Ninguém apareceu, e os outros integrantes da banda deixaram Francis sozinho lá, decidindo os últimos detalhes.
CLIPE E SINGLE. Caciques da 4AD e da Elektra (que distribuía o selo indie) apostavam inicialmente em Alec Eiffel como clipe. Peter Lubin, A&R do selo, peitou geral e escolheu Head on. E acabou tendo uma missão daquelas: convencer os Pixies, que detestavam fazer clipes, a fazer um clipe da música. Black Francis disse que faria se fosse tudo ao vivo, em só um take, no tempo de duração da faixa.
CLIPE E SINGLE II. O resultado das discussões para Head on, você viu bastante na MTV entre 1991 e 1992: Lubin deu a ideia de dividir a banda em vários blocos, capturados por doze câmeras, como se fossem uma espécie de cubo mágico em que pescoços e articulações eram deixados de lado. Até chegar nesse resultado – produzido musicalmente por Scott Litt – Lubin teve que argumentar por algumas horas com Black Francis, com quem teve um encontro num restaurante chinês na Flórida. E a gravadora precisou despejar uma carreta de grana em técnico de som e de imagem para que tudo saísse visualmente perfeito. Deu certo, já que a MTV adorou o vídeo.
MAS ainda assim Alec Eiffel ganhou clipe.
CASO DE AMOR. Só para ficar claro: a Elektra, que distribuía a 4AD, amava os Pixies. Mas estava cada vez mais sem paciência com as teimosias deles.
EU VENHO DE LONGE. Eric Drew Feldman, que tocou teclados no disco (e em alguns shows da época), foi baixista de Captain Beefheart And His Magic Band em 1976, e tocou também com Pere Ubu. Seu irmão Jeff tocou tablas em Space (I believe in) e Lovely day. O emprego seguinte de Eric foi como produtor e músico do próprio Frank Black. Eric aparece como figurante de luxo no clipe de Alec Eiffel, que você viu lá em cima.
NO BRASIL. Trompe le monde não foi lançado de imediato no Brasil. Só anos depois a Roadrunner Records lançou o disco aqui, e já em CD.
NADA DE IMPRENSA. Durante a divulgação de Trompe, Francis se recusou a dar entrevistas. Esnobou até mesmo uma capa da Time out, o que deixou a 4AD e a Elektra bastante putas.
NARC. Durante a gravação de Trompe le monde, ao que consta, Frank Black ficou meio obcecado com NARC, jogo lançado em 1988 que servia como uma espécie de veículo jogável da guerra anti-drogas empreendida pelo governo Ronald Reagan – que tinha lançado a campanha “diga não às drogas”. No game, o jogador investia violentamente contra qualquer ser humano ligado ao narcotráfico: usuários, aviões, traficantes etc. Ficou tão maluco pelo assunto que os Pixies gravaram a música do game, Theme from NARC, para o single de Planet of sound.
O AUTOR. Black Francis teria dito a um fanzine (o Dangerous Minds resgatou essa) que “Theme from NARC não tem realmente um refrão. Eu pensei que era muito legal, porque a progressão de acordes é completamente fodida. Não é uma progressão padrão do rock ‘n’ roll”. O compositor da canção, Brian Schmidt, trabalha há mais de três décadas fazendo trilhas para games e ficou surpreso de saber, por um amigo, da versão dos Pixies.
ALIÁS E A PROPÓSITO, pega logo aí tudo o que saiu nos singles de Trompe le monde. O de Planet of sound trazia Theme from NARC, Build high (de Black Francis) e Evil hearted you (antiga canção dos Yardbirds, composta por Graham Gouldman, que depois seria integrante do 10cc). Na sequência, tinha o single de Alec Eiffel. A versão francesa tinha outra canção do disco, Motorway to Roswell, e mais Planet of sound gravada ao vivo na Brixton Academy em 26 de julho de 1991, e Tame (de Doolittle), gravada no mesmo show. A britânica trazia só Motorway. O CD single americano vinha com Alec, uma versão instrumental de Letter to Memphis (do Trompe) e… Build high e Evil hearted you. Letter to Memphis, com vocais, viria isolada num single posterior. Head on, o último da série, repetia as versões ao vivo de Planet of sound e Tame, e tinha Debaser (do Doolittle) gravada ao vivo em Chicago em 9 de agosto de 1989.
NIRVANA. O trio liderado por Kurt Cobain estava para lançar seu disco de maior sucesso, Nevermind, naquela época. Havia certa expectativa para que eles abrissem os shows da turnê dos Pixies. Não aconteceu, até porque enquanto os Pixies se recolhiam, o Nirvana se tornou uma banda poderosíssima em pouco tempo.
SHOW DUPLO. Quem acabou abrindo vários shows para os Pixies foi justamente o Pere Ubu, banda na qual o tecladista Eric Drew Feldman ainda tocava por aqueles tempos. A sugestão foi do próprio Black Francis. Feldman tocou nos dois shows e não deixou o palco durante mais de duas horas.
E O U2? Os Pixies seguiram na turnê de Trompe le monde e, você deve lembrar, abriram para o U2, que divulgava Achtung baby com a Zoo TV Tour. Quem não ficou muito satisfeita com a chance foi Kim Deal, que reclamou de tocar para “lugares vazios, com as pessoas procurando suas cadeiras. Elas iam lá para ver o U2 e éramos a porra da banda de abertura”.
GLÓRIA A DEUS. Por causa da turnê com o U2, Francis acabou tendo uma oportunidade que jamais imaginaria: conhecer Larry Norman, o músico cristão que inspirou o título do disco Come on pilgrim. Larry era autor de um polêmico disco de psicodelia cristã, Upon this rock (1969) e em 1972 participou de um inimaginável “Woodstock de Cristo”, a Explo 72 (da qual o POP FANTASMA falou aqui). O encontro entre Norman e Francis teria acontecido em Sacramento, durante a turnê, e rolou por uma razão básica: boa parte da equipe do U2 é formada por cristãos, que conheciam o músico e sabiam que Francis era fã.
BASTIDORES. O U2 tinha uma porrada de camarins à disposição durante a turnê. Os pobres Pixies tinham que se vestir no tour bus, o que dava certa vergonha aos músicos. Num determinado momento, os quatro não se aguentaram e colaram um cartaz no ônibus: “Não entre, estamos usando nosso tour bus como camarim”. Deu certo: a turma do U2 passou lá, viu o aviso e arrumou um camarim decente para o grupo nas arenas. Pode parecer pouco, mas deu uma melhorada na combalida autoestima do quarteto.
ALIÁS E A PROPÓSITO. Esse texto foi motivado por esse vídeo maravilhoso dos Pixies no Dennis Miller Show, tocando Head on, Bird dream e Planet of sound.
Infos do livro Fool the world: The oral history of a band called Pixies, de Josh Frank e Caryn Ganz, em boa parte desse texto.
Cultura Pop
Urgente!: E não é que o Radiohead voltou mesmo?

Viralizações de Tik Tok são bem misteriosas e duvidosas. Diria, inclusive, que bem mais misteriosas do que as festas regadas a cocaína, prostitutas de Los Angeles e malas de dólares que embalavam os nada dourados tempos da payola (jabá) nos Estados Unidos. Mas o fato é que o Radiohead – que, você deve saber, acaba de anunciar a primeira turnê em sete anos – conseguiu há alguns dias seu primeiro sucesso no Billboard Hot 100 em mais de uma década por causa da plataforma de vídeos. Let down, faixa do mitológico disco Ok computer (1997), viralizou por lá, e chegou ao 91º lugar da parada
A canção, de uma tristeza abissal, já tinha “voltado” em 2022 ao aparecer no episódio final da primeira temporada da série The bear – mas como o Tik Tok é “a” plataforma hoje para um número bem grande de pessoas, esse foi o estouro definitivo. Como turnês de grandes proporções nunca são marcadas de uma hora pra outra, nada deve ter acontecido por acaso. E tá aí o grupo de Thom Yorke anunciando a nova tour, que até o momento só incluirá vinte shows em cinco cidades europeias (Madri, Bolonha, Londres, Copenhague e Berlim) em novembro e dezembro.
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O batera Phillip Selway reforçou que, por enquanto, são esses aí os shows marcados e pronto. “Mas quem sabe aonde tudo isso vai dar?”, diz o músico. Phillip revela também que a vontade de rever os fãs veio dos ensaios que a banda fez no ano passado – e que já haviam sido revelados em uma entrevista pelo baixista Colin Greenwood.
“Depois de uma pausa de sete anos, foi muito bom tocar as músicas novamente e nos reconectar com uma identidade musical que se arraigou profundamente em nós cinco. Também nos deu vontade de fazer alguns shows juntos, então esperamos que vocês possam comparecer a um dos próximos shows”, disse candidamente (esperamos é a palavra certa – a briga de faca pelos ingressos, que serão vendidos a partir do dia 12 para os fãs que se inscreverem no site radiohead.com entre sexta, dia 5, e domingo, dia 7, promete derramar litros de sangue).
Enfim, o que não falta por trás desse retorno aí são meandros, reentrâncias e cavidades. O Radiohead, por sua vez, investiu no lado “quando eu voltar não direi nada, mas haverá sinais”. Em 13 de março, dia do trigésimo aniversário do segundo disco da banda, The bends, o site Pitchfork noticiou que a banda havia montado uma empresa de responsabilidade limitada, chamada RHEUK25 LLP. – sinal de que provavelmente alguma novidade estava a caminho. Poucos dias depois, um leilão beneficente em Los Angeles sorteou quatro tíquetes para “um show do Radiohead a sua escolha”. Muita gente levou na brincadeira, mas algumas fontes confirmaram que o grupo tinha reservado datas em casa de shows da Europa.
Depois disso – você provavelmente viu – surgiram panfletos anunciando supostos shows do grupo em Londres, Copenhague, Berlim e Madri, ainda sem nada oficialmente confirmado, até que tudo virou “oficial”. Pouco antes disso, dia 13 de agosto, saiu um disco ao vivo do Radiohead, Hail to the thief – Live recordings 2003-2009 (resenhado pela gente aqui). Com isso, possivelmente, os fãs até esqueceram a antipatia que Thom Yorke causou em 2024, ao abandonar o palco na Austrália, quando foi perguntado por um fã sobre a guerra entre Israel e Palestina.
O site Stereogum não se fez de rogado e, quando a turnê ainda não estava oficialmente anunciada (mas havia sinais) chegou a perguntar num texto: “E aí, será que eles vão tocar Let down?”. No último show da banda, em 1º de agosto de 2018 (dado no Wells Fargo Center, Filadélfia), ela era a nona música, logo antes da hipnotizante Everything in its right place. Seja como for, já que bandas como Talking Heads e R.E.M. não parecem interessadas em retornos, a volta do Radiohead era o quentinho no coração que o mercado de shows, sempre interessado em turnês nostálgicas, andava precisando. Que vão ser vários showzaços e que muitas caixas de lenços serão usadas, ninguém duvida.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Tom Sheehan/Divulgação
Cultura Pop
Urgente!: E agora sem o Ozzy?

Todo mundo que um dia se sentiu meio estranho e ouviu Ozzy Osbourne na hora certa, foi levado para um universo bem melhor, e para sempre. Tudo começou com uma banda, o Black Sabbath, que já era um verdadeiro errado que deu certo – um ET musical que fazia som pesado quando mal havia o termo “heavy metal” e que falava de terror na ressaca do sonho hippie. E prosseguiu com a lenda de um sujeito que gravou álbuns clássicos como Blizzard of Ozz (1980), Diary of a madman (1981) e No more tears (1991) – eram quase como filmes.
Ozzy pode ser definido como um cara de sorte – e também como um cara que abusou MUITO da sorte, mas pula essa parte. A depender daqueles progressivos anos 1970, não havia muito o que explicasse o futuro de Ozzy Osbourne na música. Em várias entrevistas, Ozzy já disse que não sabia tocar nenhum instrumento quando começou – na verdade nunca nem chegou a aprender a tocar nada. Tinha a seu favor uma baita voz (mesmo não ganhando reconhecimento algum da crítica por isso, Ozzy sempre foi um grande cantor), um baita carisma, ouvido musical e a disposição para encarnar o estranho e o inesperado no palco em todos os shows que fazia.
Imortalizada em livros como a autobiografia Eu sou Ozzy, a história de Ozzy Osbourne é um daqueles momentos em que a realidade pode ser mais desafiadora que a ficção. Afinal, quem poderia imaginar que um garoto da classe trabalhadora britânica se tornaria o que se tornou? Talvez tenha sido até por causa das dificuldades, que também moveram vários futuros rockstars ingleses da época – ou pelo fato de que o rock e a música pop do fim dos anos 1960 ainda eram quase mato, universos a serem desbravados, com poucos parâmetros. Seja como for, se hoje há artistas de rock que se dedicam a discos e a projetos que parecem ter saído da cabeça de algum roteirista bastante criativo, Ozzy teve muita culpa nisso.
Fora as vezes que o vi no palco, estive frente a frente com Ozzy apenas uma vez, numa coletiva de imprensa do Black Sabbath – da qual Tony Iommi não participou, por estar se recuperando de uma cirurgia (havia tido um câncer). Seja lá o que Ozzy pensasse da vida ou de si próprio, me chamou a atenção o clima de quase aconchego da sala de entrevistas (acho que era no hotel Fasano): um lugar pequeno, com ele e Geezer Butler (baixista) bem próximos dos repórteres. Que por sinal não eram inúmeros.
Já havia feito entrevistas internacionais antes mas nunca imaginei estar tão perto de uma lenda do rock que eu ouvia desde os doze anos. Fiz uma pergunta, ele respondeu, e eu, que sempre fiquei nervoso em entrevistas (imagina numa coletiva com o Black Sabbath!) voltei pra casa como se tivesse ido cobrir um buraco que apareceu numa rua no Centro. Não que não tenha me dedicado à pauta, mas era o Ozzy e eu estava… numa tranquilidade inimaginável.
Ozzy também já me deu uma entrevista por e-mail, em 2008, em que reafirmou sua adoração por Max Cavalera, disse que não tinha ideia se a série The Osbournes havia levado seu nome a um novo público, e reclamou da MTV, “que virou uma versão adulta da Nickelodeon”. Também disse que nunca diria nunca a seus então ex-companheiros do Black Sabbath (“nos falamos por telefone e quando as agendas permitem, nos encontramos”).
Nesse papo, Ozzy só se irritou quando fiz uma pergunta que envolvia o Iron Maiden, que tinha passado recentemente pelo Brasil, ou estaria vindo – não lembro mais. “Bom, não sei te responder, pergunta pro Iron Maiden!”, disse, em letras garrafais (todas as respostas foram em caixa alta). Lembro que ri sozinho e fui bater a matéria.
Até hoje só acredito que isso tudo aí aconteceu (e não é nada perto do que uns colegas viveram com Ozzy e o Black Sabbath) porque vi as matérias impressas. Mas acho que antes de tudo, consegui humanizar na minha mente um cara que eu ouvia desde criança. Ozzy era de carne e osso, respondia perguntas, tinha lá seus momentos de irritação e, enfim, mesmo tendo o fim que todo mundo vai ter, viveu bem mais do que muita gente. E mudou vidas.
Texto: Ricardo Schott – Foto: Divulgação
Crítica
Ouvimos: Justin Bieber – “Swag”

RESENHA: Swag, novo disco-surpresa de Justin Bieber, mistura lo-fi, trap e synth pop com vibe indie e desleixo calculado. Musicalmente rico, mas com letras rasas.
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Justin Bieber opera hoje num universo de, vamos dizer assim, venda fácil e compreensão difícil. Ser um cantor branco de r&b significa basicamente que você vai ter que fazer shows, gravar discos e existir no show business, de modo geral, no limite da polêmica. Afinal, tanto r&b quanto rap são áreas de artistas negros, ligadas a um histórico que se estende ao soul, e a vivências pessoais – e o mundo mudou o suficiente para que o mercado quase entenda o peso de certas coisas.
Por quase entenda, leia-se que, na maioria dos casos, tudo pode ser resolvido por uns posts nas redes sociais e uma tour pelos lugares certos, com as pessoas corretas. Mas pra piorar um pouco, nos últimos tempos, Justin andava brotando mais no noticiário de fofoca do que nos cadernos de cultura. As notícias eram sobre cancelamentos de shows, brigas com a mulher Hailey, relacionamentos supostamente mais do que íntimos com o rapper P. Diddy e supostos abusos de substâncias.
E, bom, o que faz um astro como Justin Bieber numa hora dessas? Para calar a boca de uma renca de gente durante um bom tempo, ele simplesmente lança um disco novo do mais absoluto nada – e este disco é Swag, uma epopéia de quase uma hora, com 21 faixas. E antes de mais nada, Swag consegue colocar de vez Justin numa espécie de “espírito do tempo” pop no qual artistas como Taylor Swift, Rihanna, Beyoncé e Miley Cyrus já se encontram há um bom tempo.
Esse tal (hum) zeitgeist significa que tais artistas – seguindo uma linhagem que inclui de Beatles a Marvin Gaye – decidiram se libertar de amarras para fazerem o que bem entendem. Ou seja: discos de protesto, álbuns com design musical troncho, feats que os fãs vão estranhar, projetos com produtores pino-solto, singles com referências que o fã-clube vai ter que buscar no Google, lançamentos com fotos de divulgação distorcidas – ou capas no estilo meu-sobrinho-fez.
De modo geral, são artistas que podem se dar ao luxo de perder alguns fãs, em nome de verem seus álbuns se tornarem (vá lá) pretensos barômetros do nosso tempo, ou pelo menos crônicas pessoais-autoficcionais. Alguns exemplos: Brat, de Charli XCX, trouxe a zoeira da noite de volta. Hit me hard and soft, de Billie Eilish, foi importante na onda de música sáfica. GNX, de Kendick Lamar, explora misérias existenciais e brigas no showbusiness. Vai por aí. Fazer disco com “desencucação” virou, mais do que nunca, coisa de roqueiro – aposto que você se divertiu muito com Cartoon darkness, de Amyl and The Sniffers, e ficou assustado/assustada com as teorias geradas por Brat.
Se a essa altura do meu texto você já está prestes a desistir de ler, por eu ainda não ter dito se Swag vale seu tempo precioso, aqui vai: vale, e muito. Justin já vinha de uma tradição de álbuns ligadíssimos na atualidade – o melhor deles é Purpose, de 2015. Swag tem um subtexto de “libertação”, já que Bieber acaba de dar adeus a seu empresário de vários anos, Scooter Braun (um adeus que vai lhe custar mais de 30 milhões de dólares, por sinal). E traz o cantor investindo em climas lo-fi, sons texturizados, vibes derretidas e muita coisa que virou moda de uma hora para a outra.
O G1 disse que Swag é um disco chato. Eu discordo bastante, mas o The Guardian chegou perto da realidade ao dizer que as letras prejudicam o novo álbum – de fato, a poética de Swag tem a profundidade de um pires. Já musicalmente, a diversão é garantida até para quem nunca ouviu nada do cantor. Bieber e sua turma de produtores e parceiros transformam trap e sons lo-fi em pop adulto, em faixas muito bem feitas e bem acabadas, como All I can take, a estilingada Daisies, o bedroom pop Yukon e a viajante Go baby.
O design musical de Swag é minimalista, e boa parte das músicas têm aquele clima de desleixo estudado do indie pop atual. Things you do tem guitarras decalcadas do The Police e silêncios entre vozes e sons, Butterflies é uma gravação quase caseira que vai crescendo, e faixas como First place, Way it is, Sweet spot e Walking away unem synth pop, modernidades, sons derretidos e tentativas de emular Michael Jackson.
Já Dadz love, com o rapper Lil B, evoca Prince, com tecladeira dos anos 1980 e texturas de 2025. A vibe dos Rolling Stones, e das voltas do grupo britânico em torno do soul e do r&b, dáo as caras em Devotion e na vinheta Glory voice memo. Uma curiosidade é o trap da faixa-título, com participações de Cash Cobain e Eddie Benjamin, e um verso proscrito sobre cocaína (“seu corpo não precisa / de nenhuma linha prateada”) que aparentemente só o Spotify transcreveu.
Vale dizer que, tentando tomar de volta o controle da própria narrativa, Justin derrapa feíssimo ao decidir colocar em Swag três diálogos com o comediante negro norte-americano Druski. Num deles, o humorista diz a ele que “sua pele é branca, mas sua alma é negra, Justin” (o cantor só responde um “obrigado” desajeitado) – em outro, o assunto inclui paparazzi e redes sociais. No final, quem ouve o disco inteiro é “premiado” com a estranhíssima presença do cantor gospel Mavin Winans ocupando sozinho a última música – o cântico religioso Forgiveness.
Enfim, é Bieber buscando legitimidade para o autoperdão e para a própria carreira de cantor branco de r&b – e mandando recados de maneira tão desajeitada que Swag, um excelente disco, quase rola escada abaixo. Swag não resolve todas as questões em torno de Justin Bieber – mas quando acerta, lembra que, às vezes, é melhor fazer do que explicar.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Def Jam
Lançamento: 11 de julho de 2025
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