Cultura Pop
Trinta anos de Kerplunk, segundo disco do Green Day!

Saiu tanto disco bom em 1991 que é fácil esquecer de um momento legal de uma banda que, naquele ano, ainda não havia conhecido o sucesso – e para dizer a verdade, ainda não tinha lançado seu melhor álbum. Kerplunk, segundo disco do Green Day, ainda por cima ficou bastante ensanduichado nos acontecimentos que mudaram o rock e o pop do período.
Billie Joe Armstrong (voz, guitarra), Mike Dirnt (baixo) e Tré Cool (bateria) colocaram o último acorde no álbum em setembro de 1991, mês em que saiu Nevermind, segundo e extremamente bem sucedido álbum do Nirvana. Kerplunk foi gravado em poucas sessões entre maio e setembro de 1991, com a banda fazendo de tudo para esticar o orçamento apertado – que de todo modo, era maior que o de 39/Smooth (1990), o primeiro disco. O grupo partiu para uma primeira turnê pela Europa, e pegou as primeiras cópias do álbum em 17 de dezembro de 1991 (que é tido como sendo a data oficial de lançamento do disco). E em 17 de janeiro de 1992, o disco chegou às lojas dos EUA quase ao mesmo tempo em que o Nirvana destronava Michael Jackson das paradas.
Ainda que o selo Lookout! tivesse voz ativa no punk californiano, e o álbum tivesse uma vendagem considerada a melhor da história da gravadora (dez mil cópias logo no primeiro dia), era apenas uma excelente introdução a uma banda que ainda estouraria. Por sinal, Kerplunk já tinha a primeira versão de um futuro hit do grupo, Welcome to paradise, regravado no platinado Dookie, de 1994. O All Music chegou a afirmar, algum tempo depois, que Kerplunk era a “simulação perfeita” de sucesso.
>>> Veja também: Lookout! Records: descubra agora
Durante a elaboração do segundo disco, o Green Day perdeu o baterista John Kiffmeyer (o popular Al Sobrante), mais decidido a fazer faculdade do que a tocar numa banda. O proativo Al era importante para o Green Day – aliás, o suficiente para Mike e Joe terem um inicinho de desespero quando souberam (por outras pessoas) que o músico sairia. Sem planos de fazer faculdade ou iniciar outra carreira, admitiram o baterista e gozador profissional Tré Cool em seu lugar – um garoto que já circulava no universo da Lookout desde adolescente.
Apesar da fama de zoeiro-mor do novo baterista (sério: Mike e Billie tinham certo medo de virarem o núcleo cômico do futuro amigo), deu certo. Com Tré – ou Frank Edwin Wright III, seu nome verdadeiro – na bateria, o Green Day virou uma máquina de compor novas canções e fazer turnês. O bonde dos maconheiros também foi devidamente formado. O nome do grupo havia sido escolhido como uma homenagem canábica – só que Al Sobrante não era fã da erva. Já Tré, mesmo não sendo integrante original, costumava dizer que o nome da banda era uma reverência a amigos que salvam com uma pedrinha de maconha na hora certa.
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Pouco antes do disco começar a ser gravado, o Green Day encarou uma turnê-dureza com pouca grana para combustível e número de roupas de palco modesto o suficiente para garantir que, se alguém da banda rasgasse uma calça, teria que costurá-la nos bastidores. Fizeram sucesso a ponto da gravadora I.R.S. resolver bater um papo com a banda – o Green Day costumava dizer que recusou o contrato por não se sentir pronto, mas chegou a afirmar a fãs que tinha medo de que a relação com o público fosse cortada antes mesmo de ela acontecer de verdade.
O material que estaria em Kerplunk foi gestado no estúdio Art Of Ears, em San Francisco. O “poucas sessões” que falamos lá em cima não foi apenas figura de linguagem: Billie, Mike e Tré fizeram duas sessões em maio, e retornaram em setembro ao estúdio para mais duas sessões de regravação e de backing vocals. Só isso bastou. Mesmo longe da banda como integrante (e mesmo tendo deixado os dois ex-colegas meio putos), Sobrante serviu como produtor executivo do disco.
O livro Green Day: A musical biography, de Kjersti Egerdahl, aponta que dessa vez o Green Day se esforçou para mostrar que estava crescido – ou que queria crescer. A banda fazia piadas de sexo como em Dominated love slave (com letra escrita pelo novo baterista). Mas havia temas românticos como 2000 light years away, dedicada por Billie Joe à sua namorada e futura esposa, Adrienne. Tinha também Who wrote Holden Caulfield?, referência ao livro O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger. Christie road era um agrado de Billie a uma ex-namorada.
Além disso, Kerplunk era zoeiro o suficiente para incluir no encarte uma carta falsa de um fã que teria matado os pais para conhecer o Green Day (o autor do texto era o dono da Lookout, Lawrence Livermore). Além da imagem de uma garota adolescente armada na capa – que assustou alguns lojistas.
A tal turnê pela Europa foi um teste de paciência e empreendedorismo punk. Billie, Tré e Mike auto-financiaram tudo, partiram para a estrada com pouco equipamento e descobriram, na Dinamarca, que os punks locais demonstravam sua afeição pelas bandas jogando cerveja nelas – e no equipamento. Tré Cool precisou pedir um kit de bateria emprestado e ouviu: “Se você estragar minha bateria, eu vou te esfaquear”. Acostumados ao lado mais pop do punk americano, hospedaram-se em squats que sofriam diariamente batidas policiais e ataques de neo-nazistas. Na Inglaterra, encontraram um público mais amigável e tocaram em pubs, mas encararam plateias mais acostumadas ao grindcore do Napalm Death do que ao som quase power pop do trio.
Kerplunk deu tão certo que mostrou para o Green Day que havia vida além do punk californiano e dos selos independentes. Tanto que a Warner, costumeira fuçadora de bandas indies e novidades das college radios, foi atrás da banda. O resto é história.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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