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Tributo à banda paulista Magüerbes ganha sua primeira parte, com várias regravações

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Tributo à banda paulista Magüerbes sai em seis álbuns com várias regravações

Banda de Americana (SP), o Magüerbes, que une estilos como thrash, grindcore e hip hop, já tem três décadas de existência, completadas esse ano. A webrádio paulista Mutante Radio, que já realizou tributos a Dead Fish (Tá servido?) e The Bombers (Amor, fúria e amor) já havia decidido que os próximos da lista de homenageados seriam eles e sai agora a primeira parte do MGBS30 – Um tributo mutante aos Magüerbes.

O disco, lançado primeiro no Bandcamp do selo Mutante Discos, tem 19 faixas e estilos variados. O Tolerância Zero ficou com Tilt + Maquinofobia, Vital pôs bastante peso em Rumo, o Roboto deu balanço a Cara a tempo, a Footstep Surf Music Band encarou Base d´água e a banda Belize E Bermudas fez um ska em Sobre o sol. A homenagem punk metal à cidade natal da banda, Americana, foi para uma banda conterrânea, o Organa.

O criador da rádio, Ricardo Drago, diz que a ideia do tributo nem surgiu por causa das três décadas dos Magüerbes. “Já tinha eles na minha lista de tributos. Não sou muito de fazer os tributos em cima de datas, então eu tinha já uma lista bem adiantada. Só que aconteceu do Haroldo, vocalista dos Magüerbes, vir ao Estúdio Mutante dar uma entrevista pro Du, do podcast Deselegância 019. E lá pelas tantas, falando sobre os 30 anos, o Haroldo comentou que o Rafa Francischangelis, irmão do baterista Rica, estava com um tributo encaminhado”, diz ele, que por intermédio de Haroldo chegou em Rafa e viu uma lista inicial com 30 nomes.

O Magüerbes é uma banda importante do meio indie nacional. Fãs consideram o grupo, cuja formação tem hoje Haroldo (voz), Burga, Binho (ambos guitarra), Julio (baixo) e Rica (bateria) como uma das primeiras bandas de metal alternativo – esse tipo de mistura sonora só ficaria ilustre lá pelos anos 2000. Daí a lista grande, com vários convidados – e ainda faltavam nomes bem próximos do grupo, pelo que Drago lembra.

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“Me ofereci pra ajudar e no mesmo dia comecei a falar com várias bandas e amigos. Conversei também com as bandas que o Rafa já havia convidado, e começamos!”, conta ele. Rafa, segundo Ricardo, saiu da produção por estar ocupado com outras coisas, e ele precisou tocar o trabalho sozinho. “Nisso o que eram 30 musicas, viraram as 82 que eles já gravaram”.

Oitenta e duas? Sim, como você leu no começo do texto, o que saiu foi apenas a primeira parte. São seis volumes de tributo aos Magüerbes, e em janeiro sai o próximo. Mais projetos na mesma linha estão por vir: ainda em novembro saem reagravações de dois álbuns dos Inocentes, Miséria e fome (1983) e Pânico em SP (1986). “Vamos ter pelo menos mais dois tributos aos Inocentes em 2025”, conta ele, que promete também uma regravação com várias bandas do álbum Sonho médio, da banda Dead Fish (1999), um tributo aos 30 anos da banda Gritando HC (“esse, um projeto do meu amigo Shamil que me convidou”, diz), e um outro à banda paulistana de ska punk Skamoondongos.

Mais: nas primeiras horas de 2025 a Mutante Discos lança o tributo à banda Muzzarelas, de Campinas (SP), definido por Drago como um projeto sonhado durante anos. “A ideia sempre foi fazer o Jumentor (primeiro álbum da banda, de 1995) inteiro. Enquanto não acontece, juntamos quatro faixas de cada disco deles e sai como álbum duplo no começo do ano”, diz.

E pelo visto essas produções dão trabalho… “É preciso ter paciência. Cada banda vive numa realidade. 99% das bandas topam na hora, ai você passa a data que você e todo mundo sabe que não será cumprida…”, conta Drago. “Só que quando você começa a receber as prés de uma musica que tem 30 anos, e a banda convidada dá outra vida àquela música, você só consegue pensar que tudo deu certo”. No começo do projeto, cada banda pode escolher a música que quer tocar, mas depois vai afunilando. “Já claro teve casos da banda pedir pra trocar e demos um jeito, afinal é um Tributo Mutante”, brinca.

“Uma coisa que é bem legal, é que sempre rola uma liberdade total. Tem banda que faz sua tradução da letra, reescreve, reinventa. E isso é a parte mais legal, as bandas dão uma vida nova àquela música que você conhece!”, diz o produtor, que, sem desprezas as outras plataformas de música, valoriza o Bandcamp para lançar primeiro os discos. “Nele, além de ser rápido e prático pra você colocar sua música, você pode monetizar sozinho, e realmente é só divulgar”.

Rica, baterista do Magüerbes, curtiu o resultado. “Achei que as bandas fizeram versões muito fodas, colocando a cara deles sem ficar muito preso na original. Estou ouvindo bastante, aliás”, conta. Para 2025, a banda anuncia o lançamento de um documentário contando a história das três décadas do Magüerbes (“trinta, trinta e um anos da banda”, diz), o lançamento do disco mais recente da banda Rurais (2023) em vinil, e o The roots of Rurais, “que é uma releitura de músicas velhas da época das demos e algumas do disco 2 (2004)”, complementa o baterista.

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Entrevista: Marcelo Mira (Alma Djem) fala sobre o DVD Acústico em São Paulo

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Banda de reggae criada em Brasília em 1997, o Alma Djem surgiu na época em que o CD mandava no mercado, vinil era peça de museu, fita K7 era portabilidade, as pessoas alugavam filmes em VHS, e internet era coisa para poucos – YouTube e Inteligência Artificial, então, só em sonho. Aliás, Marcelo Mira, cantor, compositor e criador do grupo, diz que até já tentou compor usando IA, mas não deu certo. “Saiu uma letra… muito clichê, sabe?”, conta ele ao Pop Fantasma.

Desde o mês passado, os fãs da banda encontram nas plataformas Globoplay e Canal Bis o novo audiovisual da banda, Acústico em São Paulo. Para todos os efeitos, é um DVD, mas sem o formato físico – enfim, uma dessas mudanças do mundo da música que, lá por 1997 (ou nos anos 2000, quando o grupo estourou) ainda não existiam. Nos aplicativos de áudio, o álbum – que traz participações de vários amigos do grupo, como Adão Negro, Maneva, Vitor Kley, Falamansa, Atitude 67 e Roberta Campos – foi dividido em cinco EPs, cada um deles fazendo referência no título a um lugar de São Paulo.

Batemos um papo com Marcelo Mira sobre o novo Acústico, os hits da banda, e sobre como está sendo lidar com plataformas digitais (e seus pagamentos pulverizados), álbuns divididos em pedaços, reggae no Brasil em 2025, e outros assuntos.

Texto e entrevista: Ricardo Schott – Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Como foi gravar com a Roberta Campos em Rouxinóis (single do EP Paraíso, que faz parte do Acústico São Paulo) e como anda a receptividade à gravação com ela? A gente já tem uma história com a Roberta: o Pit de Souza, o nosso baixista, tocou uma turnê com ela, foi da banda dela. A gente acompanhava a carreira dela um pouco. A gente tava gravando uma faixa, e o Renatinho, que produziu ela também, falou que a Roberta gostava muito da gente. Falei para ele: “pô, então faz uma ponte para ver se a gente grava algo juntos”, e deu certo.

Essa música, a gente já tinha gravado em 2023, e ela andou sozinha. Nem fizemos um clipe e ela estava com 500 mil plays no Spotify. Quando fomos gravar o DVD e chamamos a Roberta, lembramos da música. É a cara dela, porque é um reggae meio MPB.

Como é que tá sendo lançar o disco em várias partes? Porque são vários EPs formando um álbum…. É uma forma nova de lançar discos, e uma forma que a gente tem de manter a atenção do público no trabalho, gerar uma expectativa. Porque são 31 faixas o trabalho, né? Se a gente lança tudo de uma vez, a gente fica ali sem novidades… Então escolhemos fazer seis EPs, e cada EP ganhou um nome de um local de São Paulo que tem um nome bacana. Tipo Harmonia, que é uma rua na Vila Madalena, Luz, né, que é a Estação da Luz, Liberdade

Começamos a brincar com isso: lançar aos poucos, dar mais destaque aos convidados especiais. É uma forma nova de trabalhar porque a gente alimenta as redes e os fãs com novidades. Acaba sendo até mais divertido, porque você reparte os trabalhos, cada um ganha uma capa, um nome, um conceito. É uma forma de manter a atenção da galera.

Pra vocês, que vêm dos anos 1990/2000, como tá sendo se deparar com algoritmos, plataformas, aplicativos de música? Cara, a gente só não pegou o vinil, né? A gente pegou a fita demo, a gente pegou o CD, a gente pegou o MP3, pirataria, streaming… E agora a gente tá pegando a era dos artistas influenciadores: o artista não pode ser só cantor, agora ele tem que ser influenciador também. A internet causou uma grande revolução no planeta e as coisas começaram a andar muito rápido, é a nova revolução industrial.

E agora tem a IA também, bandas feitas por IA… Como vocês veem isso? Bom, eu já ouvi muita coisa feita por IA e eu vejo que ainda falta ali a emoção, a profundidade, aquela coisa que o ser humano sabe dar, principalmente na parte da composição. Que veio para competir, veio. Isso é um fato. Mas vai ser muito difícil substituir. Ainda mais para o tipo de música que a gente faz, que é uma música que a gente faz com alma, em que a gente se preocupa com letra, com melodia, com harmonia, com emoção, com sentimento.

Pra quem faz música descartável pode facilitar, porque aí a música é apenas uma plataforma pra pessoa poder desenvolver outros lados da carreira. Aí pode ser que a IA seja um problema. Eu ainda não estou preocupado. A composição humana, para quem gosta mesmo de música, ainda tá ganhando!

Mas você já tentou compor algo usando IA? Tentei fazer uma letra: joguei alguns temas ali e pedi pra fazer uma música no estilo do Alma Djem, que viesse na linguagem da banda. Saiu alguma coisa mas… muito clichê, sabe? Uma coisa muito simplória, que acaba não convencendo. Acho que falta uma maldade ali, entre aspas. Uma pimenta humana que a gente tem. Acho que vai demorar um pouco pra eles pegarem isso aí.

Voltando ao disco novo, o que significa um feat, uma participação pro Alma Djem? Como é que vocês escolheram os nomes? Nesse álbum, foi um pouquinho diferente. A gente começou a convidar algumas pessoas que já eram do nosso convívio, que sabíamos que topariam com certeza. A partir do momento que começamos a divulgar a participação dessas pessoas no show de gravação, alguns outros amigos foram meio que se convidando também. De repente começou: “pô, e eu, não vou ser convidado não?” (risos)

Então, acabou que a gente estava ali pensando em quatro, cinco participações e a gente fechou em onze. E são onze participações super ecléticas. Pegamos a galera do reggae: Manevo, Maskavo, Chimarruts. Mas também tem o Atitude 67, que são amigos nossos de longa data. E a própria Roberta Campos. Pegamos o Fabio Brazza, que vem do rap, o Felipe Toca, que é uma revelação aí da música popular brasileira. Mesclamos com várias tribos: já queríamos dialogar, sair um pouco dessa bolha do reggae.

Bem legal a participação do Adão Negro, por sinal… Sensacional. A gente tem uma história muito bacana com eles. No começo de carreira do Alma Djem, quando a gente mudou pra São Paulo, o Adão Negro recebeu a gente na Bahia de braços abertos. Fomos fazer um show lá na Bahia junto com o Charlie Brown Jr. E o Adão Negro recebeu a gente muito bem. Era véspera de Carnaval e eles estavam no palco Transamérica, com o Trio Elétrico. Acabou que eu fiquei pro Carnaval, cantei no Trio Elétrico deles duas vezes, cantei nesse palco Transamérica duas vezes, fiz um show com eles lá na Praia de Buraquinho, lá em Vilas do Atlântico (risos).

Fortalecemos uma amizade muito forte. Quando a gente foi pensar também nos nomes pro DVD, queríamos também pessoas que representassem o Nordeste. Na hora, pensamos no Adão. Liguei pro Serginho, que é o vocalista, perguntei se ele toparia, e ele ficou muito feliz, até porque a gente escolheu Minha voz, que é um dos maiores hits do Alma Djem. É uma das músicas que a galera mais conhece, que mais tocaram no rádio. E que tem tudo a ver com o que o Adão prega na Bahia: tolerância, igualdade racial… porque é uma letra também de protesto, de conscientização social.

Vocês regravaram A cera, do Surto, e você disse que a banda tinha uma relação com o Regis Bolo (vocalista). Me fala um pouquinho disso. O Bolo é da nossa geração, é um cara sensacional, muito generoso, né? Na época que o Alma Djem ainda morava em Brasília, ele estava sempre por lá – não sei se ele tinha família, mas ele estava sempre em Brasília. Então, a gente chegou a fazer algumas coisas junto, participação em show. Ele sempre tratou o Alma Djem muito bem. Já tinha explodido com A cera, já tinha tocado em Rock in Rio e tudo mais, mas ele sempre foi um cara muito generoso com o Alma Djem e sempre curtiu muito o nosso som.

Com o tempo, perdemos um pouco o contato, aí teve o falecimento precoce dele… (Regis morreu em 24 de abril de 2023, aos 52 anos). Resolvemos fazer uma homenagem. A cera é um grande hit dos anos 90, 2000, da nossa época, da nossa geração, e a gente resolveu trazê-la novamente à tona para a molecada que está vindo aí poder ouvir também. E era uma música que era rock, mas também era reggae. Tinha essa pegada no original, uma pegada que o Alma Djem também usa, daí veio muito tranquila. E tinha o papo da época, as gírias, que era o que a gente usava também.

E, bom, a gente está falando aí dos anos 90, que foi uma época muito fervilhante para o reggae aqui no Brasil. De repente apareceram várias bandas, muitas fizeram sucesso e tudo mais. O que que melhorou e piorou de lá para cá? O reggae brasileiro está passando por um processo de amadurecimento muito legal. As bandas estão muito mais unidas, estão muito mais abertas, há parcerias. Antigamente, o reggae era um nicho muito fechado, e hoje ele se mistura com vários estilos. Esse DVD nosso é uma prova disso, né?

Eu acho que só o que está faltando para o reggae hoje é a gente criar um movimento onde a nova geração também queira estar formando bandas, cantando reggae. As bandas mais velhas continuam na ativa: Alma Djem, Maneva, Planta e Raiz, Maskavo, Chimarruts, está todo mundo na atividade. Tribo de Jah, Edson Gomes, o Cidade Negra voltou agora… O mais interessante é que venha aí uma nova geração, até para que o reggae volte à cena novamente, como foi ali nos anos 2000. Tinha uma cena maravilhosa, foi até maior que os anos 1990 se você pensar.

Você curte estilos como trap, que estão na moda hoje? Cara, eu vejo algumas coisas interessantes, mas assim… não é uma coisa que eu ouço no meu dia a dia, né? Mas por curiosidade, a gente está sempre pesquisando aqui uma coisa aqui, outra ali. Eu vejo também um amadurecimento dessa galera, né? Nas letras, na postura, na atitude, etc. Até porque o trap, querendo ou não, ele está ali hoje junto com a tribo do rap, do hip hop – e o hip hop traz para o trap também um pouco do discurso, um pouco da consistência do movimento, dos assuntos, da forma de abordar, da forma de se posicionar socialmente, etc. Vejo com bons olhos um amadurecimento dessa galera mais jovem. Eu vejo que eles estão mais antenados em fazer um trabalho mais consistente. Eles já viram que se fizerem uma coisa mais consistente, conseguem que a música deles dure mais, que não seja aquela coisa descartável.

Queria que você falasse um pouquinho do seu projeto social, o Chama João. É um projeto que a gente começou lá atrás. João, na verdade, é uma música do Alma Djem, que ganhou um clipe na MTV lá por 2004, 2005. É uma música que fala sobre um menino que nasce na favela, e consegue vencer através da mentalidade, da cabeça dele, da inteligência, mas acaba sendo parado ali, assassinado pelo estado, porque começa a incomodar demais. Vira um grande líder e acaba sendo assassinado no final.

O clipe dessa música chegou ao top 10 no Disk MTV – é um clipe em stop motion, que mostra toda a história dessa música. Criamos o projeto a partir dessa música: começamos a ir nas escolas e levamos um pouco das nossas músicas de pegada mais social para a criançada analisar, junto com os professores. E depois a gente acabava se apresentando nas escolas para eles, batendo um papo. Escolhíamos um dia, e era uma grande festa – ao mesmo tempo, uma grande conscientização.

Agora estamos tentando um patrocínio ou algum apoio para que a gente consiga girar mais com ele. No começo, era um projeto que a gente tirava do próprio bolso para fazer. A ideia é gerar essa conscientização desde cedo. A música tem uma importância muito grande na formação do ser humano, da criança, do adolescente. Ela penetra na mente das pessoas sem resistência, a criança ouve e assimila.

Vocês já inspiraram alguém para começar a escrever ou compor? A gente recebe muita mensagem, principalmente nas redes sociais, de uma molecada que vem sempre falando. Tem muito artista novo que segue a gente. Nossa composição é referência para eles, sim, mas não teria uma música específica que eu poderia te falar, tipo “essa aqui foi inspirada na gente”.

Esse disco vai ser lançado também em formato físico? Porque tem essa questão do DVD – era uma mídia popular há alguns anos e hoje tudo fica no digital, no YouTube, nas plataformas em geral… Como é que isso está sendo pensado? Estamos muito focado em difundir nas plataformas e no YouTube. Pode ser que ganhe algo físico mais pra frente – uma compilação dessas 31 músicas porque as 31 com certeza não caberão, né? Mas pode ser que ganhe um vinil ali, uma edição de vinil…

Só que a coisa do visual não tem muito. As pessoas nem tem mais onde assistir! A gente ainda fala DVD porque é pra galera se ligar que é um projeto audiovisual, que foi gravado num formato dos antigos DVDs. Aquela coisa de filmar o show e fazer uma coisa com qualidade. Hoje a gente não tem como vender isso, temos que colocar no YouTube. Virou um cartão de visita da banda. Com os nossos vídeos, as pessoas vão lá pra entender como é que a banda funciona, como é que são as coisas ali.

Mas não temos como nos remunerar disso de alguma maneira. De repente pode ser pelo próprio YouTube ali, mas não tem essa coisa da venda. É uma pena, porque era um produto físico que as pessoas tinham apego, colecionavam. E, ao mesmo tempo, era uma fonte de renda pra nós – e uma fonte de renda que foi perdida. Não tem nem como substituir isso agora. Você investe muito alto no DVD e sobe no YouTube para que as pessoas conheçam, e isso possa ser revertido em show.

Acaba tendo algum retorno de qualquer jeito, mas, realmente, é muita novidade pra se acostumar de uma hora pra outra… A gente perdeu muitas fontes de renda. Você não tem mais o CD ou o DVD, que você poderia vender. Você sobe na plataforma digital, mas o pagamento tá muito aquém, vem muito pulverizado. Hoje em dia, todo mundo coloca música nas plataformas. Então, acaba que os valores são pulverizados demais. A gente coloca no YouTube e… a mesma coisa, você tem que ter bilhões e milhões de plays pra você começar a ver um dinheiro realmente que vale a pena. Então, o artista ficou muito dependente do show, e de algumas associações. Tem as experiências com fãs, merchandising – a gente ainda vende, camisetas, casacos, nos shows e na internet. É ir se adaptando, não tem muito pra onde correr.

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Entrevista

Entrevista: Érika Martins fala sobre a volta da Penélope e relembra a época da banda na Sony Music

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Entrevista: Érika Martins fala sobre a volta da Penélope e relembra a época da banda na Sony Music

Nos anos 1990, o mercado musical era aquecido o suficiente para garantir que bandas de estatura indie volta e meia seriam pinçadas por grandes gravadoras – as quais, quase sempre, não sabiam o que fazer com elas. Quem ficava, era porque correspondia ao que o mainstream esperava. Uma turma enorme sobrava. A Penélope, banda cuja frontwoman era Érika Martins, ficou a meio caminho das duas coisas: conseguiu gravar dois álbuns pela multinacional Sony Music, teve airplay razoável com músicas como Holiday, ganhou vários fãs e aproveitou a maré como pôde, antes que a gravadora desistisse totalmente do grupo. Um equilíbrio quase perfeito entre sucesso na mídia (especialmente na MTV, que exibiu bastante a banda) e ralação underground, que deu experiência a Érika para tocar sua carreira solo e se dividir em vários projetos.

Para comemorar os 25 anos da estreia Mi casa, su casa (1999), a Penélope retorna com formação modificada: além de Érika no vocais, guitarra e teclados, estão hoje no grupo Fernanda Offner (baixo), Carol Lima (bateria), Fernando Americano (guitarra) e Luiz Lopez (teclado, escaleta, backings). A estreia da nova turma foi no Rock In Rio do ano passado, mas nas últimas semanas, o grupo vem passando pelos Sescs de São Paulo, num giro que encerra nesta sexta (18) no Sesc Pinheiros. Erika e banda lembram os hits e recebem convidados: a ex-baixista da Penélope Erika Nande, Vanessa Krongold (Ludov) e Otto.

Batemos um papo com Érika Martins sobre sua vida atual – ela se mudou de São Paulo para Minas – e sobre o retorno do grupo para alguns shows. E aproveitamos para relembrar a época em que a Penélope brotou no mainstream do rock brasileiro. Um período de muitas lutas, algumas glórias e vários dissabores, como a janela de um ano entre a gravação de Mi casa, su casa e seu lançamento (“uma tortura!”, lembra ela).

Texto e entrevista: Ricardo Schott – Foto: Leca Suzuki/Divulgação

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Como tem sido morar em Minas Gerais? Eu sempre vim muito a trabalho aqui, né? Mas estou aproveitando para respirar, estar na cidade, sentir realmente a cidade como é, e poder fazer as conexões dos amigos que eu já tenho de tanto tempo. Por exemplo, o pessoal do Skank, que eu já encontrava na época da Penélope, ali na Sony Music, a gente fazia muita coisa junto.  Também convivia muito com eles por causa do Tom Capone (produtor da Penélope, falecido em 2004), porque eles ensaiavam na Toca do Bandido (estúdio criado por Tom). A gente também tinha toda essa conexão. Aí, quando eu vim para cá, também retomei esses contatos.

Você tem conseguido interagir com a cena de música de Minas? Eu não sou muito de sair na noite, até porque eu fico mais no meu matinho aqui, mais afastada. Não estou exatamente dentro de BH, estou a 20 minutos de BH, que é no meio do mato. Mas sempre que eu posso, eu vou assistir alguma coisa, vejo shows novos. Tem muita coisa rolando na Autêntica, que é um lugar de show. Às vezes, quando a gente vai, tem bandas de abertura. Aí eu acabo conhecendo umas novas coisas que estão rolando. Mas quando eu estou por aqui, que eu não estou na loucura de São Paulo, ou do Rio, trabalhando, eu tenho procurado mais curtir e ficar em casa mesmo.

Me fala um pouco desses shows que você está fazendo. Eles são da sua carreira solo? Ou é a continuação daquele retorno da Penélope que rolou no Rock In Rio? É a Penélope, sim! Começou ali com o Rock in Rio, porque a ideia toda surgiu, Ricardo, na pandemia. Porque eu, na verdade, eu nem pensava em fazer nada com a Penélope mais. Aí na pandemia, ali no meio daquelas lives todas que eu estava fazendo, entrevista, eu comecei a ver o quanto a Penélope realmente tinha essa importância para muita gente.

As pessoas pediam para eu tocar as músicas, e tinha coisas que eu nem lembrava, que eu só tinha tocado lá 20 anos atrás e não tinha tocado mais. Comecei a mexer nessas músicas e bateu tão bem – me senti de novo dentro daquela roupa, da personagem, da Penélope. É onde eu estou melhor me encaixando agora. Eu fiquei com um pouco de medo no primeiro show, “será que eu vou me encaixar?”. E aí eu vi que, nossa, veio tudo, super. Porque assim, com amadurecimento, com um conhecimento melhor de palco, da minha voz… Então estou muito mais à vontade no palco e está uma delícia de fazer.  E foi uma ideia da pandemia, quando eu via os depoimentos que as pessoas mandavam sobre as músicas.

Como eram os depoimentos? Aparecia gente falando “essa música salvou minha vida em determinado momento”, “essa aqui eu escutava no disco”, etc. Eu realmente me emocionava, chorava ali junto com todo mundo. E me deu essa vontade de mexer de novo naquilo. Aí eu entrei em contato com todo mundo da Penélope. A gente passou por várias formações, e fui conectando aquelas pessoas. Só que cada um está num caminho diferente: o Mario Jorge (bateria) está em Salvador, a Fifi, que foi a última baixista da Penélope, está morando nos Estados Unidos…

A Erika Nande, que é baixista do Mi casa su casa, está morando em São Paulo. É uma pessoa que eu tenho até mais contato, que eu encontro muito com ela, mas ela não está mais no clima da estrada. Disse que pode fazer participação em algum show. A Constança (ex-tecladista, hoje sócia do Toca do Bandido) também disse que poderia participar de algum show… E logo depois, na sequência, o Luizão (guitarrista) faleceu.

Eu tenho reparado, é uma coisa que eu comento muito hoje em dia, que a estrada não é todo mundo que encara. É dureza mesmo. Eu estou aí quase 30 anos de carreira na estrada, viajando, fazendo show, falo que gosto até daquele cheiro de pão de queijo do aeroporto (risos). Na época da Penélope eu era a que mais curtia. Eu sempre, desde criança, fui de mudar muito, viajar muito. O pessoal já não gostava tanto de estrada, tanto que todo mundo já tinha saído na última formação da Penélope. Daí pensei: se quero mexer no repertório da banda, tenho que ver quem vai me acompanhar.

E aí você chegou nessa formação, que tem até o Luiz Lopez, que tocou por vários anos com o Erasmo Carlos… Ele foi uma das primeiras pessoas que eu pensei. A gente já tinha se encontrado de vista, porque ele frequentava os shows da Penélope. Mas a gente se conheceu mesmo numa vez em que eu fui cantar com o Erasmo no Video Music Brasil – era a primeira vez que eu cantava com ele, eu estava só pensando “não acredito, é o Erasmo, meu ídolo!”.

E aí o Luiz chegou para mim e começou a falar isso para mim: “Erika, não acredito que eu vou tocar com você. Eu estava em todos os shows da Penélope, você me influenciou muito como compositor também!” (risos). Para mim, deu aquele click, assim, de… “nossa, como tudo é cíclico!” . Uma geração vai influenciando a outra. Eu estou ali falando do Erasmo, o Luiz está vindo falar de mim. Naquela época mesmo ele já tinha falado: “olha, se aparecer um revival da Penélope quero estar junto!”.

E agora rolou! Sim, e imagina, ele falou isso lá atrás. Fiquei com isso na cabeça, a gente sempre se encontrava – ele com o Erasmo e eu solo – e ele lembrava disso. O Luiz foi a primeira pessoa em quem eu pensei. Ele conhece todo o repertório, sabe tocar todas as músicas da Penélope. E é uma pessoa querida. Convivência na estrada não é fácil – então tem que ser gente fácil de conviver. Só que quando montei a banda, falei: “Luiz, não sei se vai ser a sua praia, porque o Fernando Americano, meu marido, já toca guitarra na banda. Você se importa de tocar teclado?”. Pensei numa escaleta para fazer as flautas. Ele comprou a escaleta e ainda falou: “já tirei todas as músicas!” (risos).

Na formação tem também a Fernanda Offner, que já tocava baixo no meu trabalho solo e é minha amiga há mais de dez anos. E a Carol Lima, do Fuzzcas, tá na bateria – ela tem também uma relação enorme com a Penélope. Ela estava até me contando esse final de semana, que a gente tocou: “poxa, eu e Luiz estávamos compondo uma vez e falamos: ‘ah, nessa música quero fazer uma coisa tipo Penélope’. Sempre tive essa influência”. E eu acho que isso é o mais importante. Pra encaixar nessa história, tinha que ser um pessoal que realmente tivesse vivido a banda, que entendesse o que realmente era a Penélope.

Tem alguma música nova ou planos para alguma gravação? Então, a gente nem pensou nisso ainda. Fomos emendando um projeto que começou no Rock In Rio – foi o primeiro show da turnê de 25 anos. E aí a gente já tá fazendo uma série de outros shows. Eu tô compondo muito, muito mesmo pro meu solo. Tô cheia de coisa agora pra lançar, inclusive composições com a Virginie, do Metrô, além de outras parceiras. Mas pode ser que apareça algo da Penélope. Pode vir um disco ao vivo, com esse repertório dos 25 anos… De qualquer jeito, estamos mais focados nos shows mesmo.

Voltando ao passado da Penélope, como foi aquela passagem de vocês pela Sony? Lembro que o Mi casa su casa demorou quase um ano para sair… Nossa, esse período de um ano foi uma tortura, né? Porque a gente saiu de Salvador, a banda foi pro Rio de Janeiro, ficou quatro meses gravando… A Sony injetando muito dinheiro na gente, e ninguém ainda entendia nada ainda do mercado, todo mundo verde naquela história. Então eles injetaram uma grana pesada e depois a gente foi um ano na geladeira! Sumiu o dinheiro pro lançamento.

Pra mim a conta não fechava. Eu não entendia: eles tiveram grana para colocar a gente no melhor estúdio do Rio de Janeiro, deram uma estrutura, pagaram um apartamentaço para a banda morar enquanto gravava… Mas a tortura maior foi voltar para Salvador sem perspectiva nenhuma de lançamento e sem cair na estrada. Eu não pensava como penso hoje: depois depois de tudo isso que eu passei, amadureci muito nisso. Sei que não dá para esperar nada de ninguém, e que é preciso correr por fora, comer pelas beiradas, fazer acontecer. Mas na época a gente não imaginava, então a gente ficou esperando. Eu fiquei sem compor, nem tinha ânimo de escrever nada.

E antes do disco sair, você participou de A mais pedida, dos Raimundos, certo? Sim, e ela deu um empurrão pro disco sair. E para a Sony… eles se surpreenderam, porque a música era primeiro lugar em todas as rádios, e a gente estava na geladeira. Eles pensaram: “pô, temos um disco dessa menina engavetado. Vamos lançar então para aproveitar, né?”. Tinha gente na gravadora que acreditava na gente: a Alice Pelegatti, a Cristina Dórea – a Alice trabalhava o marketing de forma espetacular. Mas pra gente foi muito difícil, a Penélope era nada ali dentro. Vendemos 50 mil discos, mas a gravadora era grande demais para essa vendagem.

Eu lembro de ter pensado: se a gente estivesse numa gravadora como a Trama seria melhor, porque lá, se você vende 50 mil, vira o top da firma. E a gente na Sony era nada. A gravadora não botou grana em cima, não teve 500 mil de jabá, nada disso. Foi assustador, porque na gravação do Mi casa su casa, tivemos tudo.

Mas ainda teve um segundo disco, o Buganvília, também pela Sony. Como foi isso? Eles tiveram que fazer o disco, porque a gente tinha um contrato, né? O Buganvília eu acho o melhor disco da Penélope, inclusive. Foi um disco amadurecido na estrada, muitas das composições surgiram com a gente fazendo turnê no Sul, eu escrevendo ali no ônibus. Veio um disco mais forte mesmo, eu até já estou cantando muito melhor do que no primeiro disco. Mas a Sony não apostou muito, era difícil para eles entenderem o conceito da Penélope, e a gente era uma mistura muito grande de coisas: bubblegum, Jovem Guarda, uma coisa de MPB e de música do Nordeste que eu tenho… De vez em quando eu escuto umas coisas ali, eu falo: “nossa, isso aí tem muito de Geraldo Azevedo, de coisas que eu escutava na Bahia e gostava”, fora as coisas do indie, Sonic Youth, Pavement. Teve um sucesso ali com Caixa de bombom, Ciranda da bailarina, mas parou por ali.

Tem muita coisa que vocês faziam que era numa onda dream pop, que pega muita coisa que está sendo feita hoje.  Você percebe influência do som de vocês em bandas nacionais atuais? E outra coisa: você não pensa que seria legal que a Penélope tivesse surgido hoje, num momento em que há um cenário mais independente, e até mais compreensivo com esse tipo de som? Não, não penso isso… Eu nem sou essa pessoa saudosista, ou que fica ressentida. Para mim o melhor está por vir, sempre. Acho sempre que ainda vou produzir uma coisa mais legal. Mas em relação à influência… eu não só sinto e vejo, como escuto as pessoas me falando. O Gorky do Bonde do Rolê estava nos shows, lembro de ter visto ele adolescente na plateia – ele tinha filmagem de todos os shows nossos. Tem também essa história do Luiz Lopez. E fazendo esses shows, vi que a Penélope não ficou datada. Tem muita gente conhecendo agora e ficando surpresa, assim: “nossa, como eu não escutei isso antes?”

Como você tá vendo o universo dos shows no pós-pandemia? Para mim a melhor coisa de todas é que os shows estão começando cedo. A gente estava falando disso outro dia na estrada: tinha show que começava de madrugada, três da manhã… Aí você ia dormir e acordava meio-dia! Na pandemia eu passei a dormir dez da noite e a acordar 7h da manhã. Entrei nessa vida e estou até hoje. Quando tudo voltou, pensei: “cara, será que vou me encaixar de novo naquele mecanismo de dormir quatro da manhã e acordar uma da tarde?”. E aí os shows passaram a ser mais cedo. A gente tá fazendo muito Sesc, que já é cedo naturalmente. Acho que tem a ver com a violência nas capitais também… as coisas estão ficando mais cedo. Eu me lembro que quando ia fazer turnê lá fora, era uma delícia, estava no hotel deitada na cama bem cedo. Mas aqui no Brasil sempre foi esse ritmo louco.

Então o principal para mim é que tudo está mais cedo, e a galera também está sedenta pelos shows. No caso da Penélope, as pessoas têm ido aos shows também pela memória afetiva. Antes mesmo da turnê, a gente fez um esquenta em São Paulo e quando cheguei no palco, tinha gente na plateia chorando, segurando uma faixa! Ai eu já me segurei pra não chorar (risos) e o Luiz disse que também ficou se segurando, porque ele se via naquelas pessoas. É muita emoção pra todo mundo.

Depois desse show de hoje, como está a agenda da banda? Algo marcado para o Rio? E seu disco solo, já tem data pra sair? Até agora nada no Rio, mas estamos pensando em possibilidades. Eu queria fazer esse circuito dos Sesc, fiz até algumas vezes com Lafayette e Os Tremendões. Meu disco eu nem sei se vai virar um disco mesmo, porque hoje em dia todo mundo meio que voltou para o compacto, os singles. Lancei um single com a Fernanda Takai, foi nossa primeira composição juntas, Céu de planetário. Estou com três músicas compostas com a Virginie, do Metrô. São várias frentes. No sábado (19) vou fazer um show solo no Festival de Inverno de Paranapiacaba (São Paulo) que se chama Vênus. Somos eu e o Fernando no palco, e vamos tocar as músicas que a gente toca aqui em casa, que estão no vídeos que eu posto no YouTube. Começamos a reparar que tem muita música falando de Vênus: tem Venus in furs, do Velvet Underground, Venus as a boy, da Bjork, e isso virou um projeto de show!

 

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Entrevista

Entrevista: José Emilio Rondeau detalha a produção do primeiro LP da Legião Urbana no livro “Será!”

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Lembra daquele sininho que aparecia no refrão (e no final) da música Será, da Legião Urbana? Na verdade, não é um sininho – é um instrumento musical alemão chamado glockenspiel, formado por barras de metal, que dava aquele som cristalino. E o bendito glockenspiel gerou uma crise durante as gravações de Legião Urbana, a estreia epônima do grupo, no meio de 1984.

“Eles detestaram o instrumento!”, conta o jornalista José Emilio Rondeau, que produziu o álbum e teve a ideia de usar as chapinhas de metal porque elas apareciam com destaque em Born to run, sucesso de um de seus heróis, Bruce Springsteen – e o produtor, claro, acabou convencendo a banda. Essa e outras histórias sobre o debute de uma das maiores bandas da história do rock brasileiro, estão no livro Será! – Crises, genialidade e um som poderoso: os bastidores da gravação do primeiro disco da Legião Urbana contados por seu produtor (Ed. Máquina de Livros, 112 páginas, R$ 65 impresso e R$ 39 e-book).

No Rio, cidade que a banda brasiliense escolheu para morar, o livro ganha lançamento nesta quarta (4), às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema (Rua Visconde de Pirajá, 572), com uma esticada no dia 13 na Bienal do Livro. Rondeau falou ao Pop Fantasma sobre os bastidores do livro e também conversou com a gente sobre seu mais novo veículo de mídia – a newsletter Farol, que sai toda sexta-feira com um apanhado de notícias e descobertas do mundo pop e do cinema, sempre com um texto envolvente.

Texto e entrevista: Ricardo Schott – Foto destaque Mauricio Valladares/Divulgação

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Como foi voltar a essa época do primeiro disco da Legião Urbana e finalmente escrever um livro sobre? Na verdade é o seguinte: durante décadas desde a feitura do disco, eu falei com uma porrada de gente. Dei entrevistas, participei de documentários, programas de TV. Já vinha falando sobre esse período há muito tempo. Agora é diferente: marcou-se uma data redondíssima – os 40 anos do disco – e a ideia foi reunir uma história oral daquela gravação, daquele período de gestação, realização e lançamento do disco. É um período que representa uma transformação muito profunda na Legião. Eles deixam de ser uma banda punk raiz e viram um fenômeno pop – mesmo que não estivessem necessariamente buscando isso. E que o Renato fosse refratário à ideia de ser um sucesso pop.

Reuni um grupo de pessoas que estiveram ali durante a feitura do disco: os músicos, o técnico de som, o Mayrton Bahia (diretor de produção)… Fomos conversando separadamente com cada um e tentando buscar a lembrança que todos tinham daquele momento. Havia muitos pontos em que as memórias eram conflitantes. As pessoas não se lembravam exatamente do que tinha acontecido. Foi uma experiência de aprofundar a memória do período – e, para mim também, muita coisa já tinha se apagado.

Legião Urbana ganha novo livro

A capa do livro (esq.) e o autor, José Emilio Rondeau

E foi bem legal ter trazido o Amaro Moço (técnico de som do disco) para as entrevistas do livro, até porque técnicos de som nem sempre são lembrados nessas horas… O Amaro Moço foi importantíssimo. O Bonfá fala no livro que o disco é resultado do trabalho de muita gente, e o Amaro é uma dessas pessoas. Ele aceitou o desafio de fazer esse disco sem ter experiência prévia com rock. Vinha de uma formação em samba, tinha feito discos pop – fez Rosana com Lincoln Olivetti, por exemplo. E ele mesmo dizia: “Grave é grave e agudo é agudo. Consigo gravar tudo que pintar na minha frente”. Ele teve muito cuidado técnico. Tinha sido recentemente promovido a técnico de som – antes era assistente. Eu, como fissuradinho pelo lado técnico de um disco, fico pensando nos outros fissuradinhos que têm no mundo, e que vão ler o livro.

A Legião tinha vindo de duas tentativas de gravar com produtores feras de estúdio, mas que não deram certo. Você acredita que era preciso de verdade um jornalista musical que entendesse a banda? Alguém que conhecesse as referências deles? Na verdade, tenho certeza de que havia um punhado de outros produtores que poderiam ter feito o disco. Dei a sorte de, na cara de pau, dizer: “Quero fazer isso”. Eu não saberia dizer se havia alguém além do Liminha, na época, que poderia entender a banda. Havia um rol de outros nomes que poderiam ter sido escolhidos. Pegaram dois craques de produção, que eram o Marcelo Sussekind e o Rick Ferreira. Mas não havia um encontro de sensibilidades. Não havia harmonia, não havia concordância, aquela coisa do “ah, entendi o que você falou desse disco, desse músico, sei pra onde sua cabeça tá indo”.

Acho que minha sorte foi ter sido o cara que bateu na porta naquela época. Certamente, poderia ter vindo outro nome. Tinha a minha falta de perícia como produtor em termos técnicos, de saber tocar um instrumento… Mas eu fui mais na intuição, no gosto musical, na experiência de tudo que eu já tinha ouvido ao longo daqueles anos. Eu era muito próximo deles. A gente tinha ouvido muita coisa em comum, embora eu tivesse ouvido um pouco mais — era um pouquinho mais velho, já tinha dado algumas voltas a mais. A gente teve uma proximidade muito grande, apesar de haver, em alguns momentos, uma discordância de caminhos: vai por aqui, vai por ali. No final, ficou uma coisa extremamente coesa. Forte pra caramba. Até hoje me emociona ouvir o disco, especialmente Será.

Será tinha o diferencial do glockenspiel, que chamava muita atenção para a faixa. E a banda não gostou inicialmente da ideia de usá-lo, certo? Foi a coisa mais maluca do mundo, porque enfiei na música uma obsessão minha, que era Bruce Springsteen. Sempre fui muito fã dele. E eu só consegui verbalizar isso agora: eu via Será como Born to run, que tinha o glockenspiel. As duas representavam uma coisa dramática, heroica, desafiadora. Algo como: vamos à luta, vamos conseguir vencer (risos).

O glockenspiel foi uma coisa que, inicialmente, eles detestaram. Lembrei disso reouvindo a música 50 mil vezes pra lembrar (risos). Mas no fim das contas, o Renato, sem que fosse pedido, fez muito mais com o glockenspiel do que o planejado. Inicialmente eram 3 ou 4 notas no refrão, mas no final da música ele sai improvisando. E ficou do cacete. Ele entrou naquela onda e entendeu.

Legião Urbana em novo livro: Renato Russo ao piano no estúdio da EMI-Odeon durante a gravação (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)

Renato Russo ao piano no estúdio da EMI-Odeon durante a gravação (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)

Você falou que reouviu o disco 50 mil vezes e eu ia realmente te perguntar quantas vezes você escutou o disco para fazer o livro… Desde o ano passado, quando comecei a escrever o livro até agora, ouvi toda hora. Descobri coisas que já tinha esquecido. Coisas que me agradavam menos passaram a me agradar mais, e vice-versa. Mas tem sempre aquela faixa à qual eu volto, que é Será. Eu me surpreendi muito com a capacidade do Renato na segunda voz. Aquilo me arrepiou. Não foi discutido antes, não foi planejado. Ele gravou de primeira, de surpresa. Foi uma interpretação espetacular.

Você falou que deu sorte por ter tido cara de pau de se oferecer para produzir a Legião. Por acaso, a Legião deu uma baita sorte do Mayrton Bahia ter resolvido conversar com a banda, quando ela estava querendo sair da gravadora. Como você vê esses golpes de sorte na vida da banda? Aliás, você acha que sorte é importante na vida de um artista? A sorte acaba sendo um elemento na vida de qualquer pessoa. A gente planeja uma coisa, mas sempre acontece algo que muda a trajetória, que oferece uma possibilidade inesperada. Se não tivesse visto aquela conversa, o Mayrton nunca iria saber o que houve. O Renato Russo poderia não ter cortado os pulsos e o Renato Rocha (baixista) não teria entrado (ele só entrou para a banda por causa desse incidente com Russo, como está no livro). Eles poderiam ter continuado gravando com o Marcelo Sussekind ou o Rick Ferreira na produção, e teria saído outra coisa.

Mas cada um deles, o Mayrton também, estava com a vida girando em torno da feitura desse disco. Todo mundo se empenhou pra que ele ficasse pronto e fosse o melhor disco possível. O primeiro álbum da Legião não é um disco punk. Não é só de rock, ou de pop. É tudo isso ao mesmo tempo. Pra mim, representa justamente o início da transformação da Legião. O que ela ia ser no disco seguinte já começa a se esboçar aqui. A faixa que abre o Legião Urbana Dois (que é Daniel na cova dos leões) é uma sequência natural do segundo lado do primeiro disco. Uma música originalmente instrumental, que nasceu da feitura do primeiro disco e dá continuidade ao processo inicial.

O processo de gravação do primeiro disco da Legião, pelo que dá para ver no livro, mudou a maneira como a EMI via a banda. Você acredita que o primeiro disco mudou a maneira como se gravava rock no Brasil, e a maneira como se via o rock no Brasil? Bom, certamente houve uma mudança de visão muito forte ali, em relação a tudo que viria a acontecer na produção de discos de rock no Brasil, aliás no ecossistema do rock e do pop do Brasil.

Mas não foi a única coisa: esse disco saiu logo depois do Rock in Rio, que foi uma bomba transformadora no habitat do rock e do pop no Brasil. Uma coisa foi se encadeando à outra, tudo foi se somando. Se o disco da Legião tivesse saído sozinho, talvez não causasse a mesma pressão, o mesmo impacto. E o disco custou a pegar. Ele sai depois do Rock In Rio. Quando pegou, foi bem à beça, pegou de alto a baixo o país todo, todo mundo foi tomando conhecimento… Mas tem esse espaço de tempo em que ele demorou.

Aliás, o primeiro disco da Legião não saiu só depois do Rock In Rio, ele saiu depois do Carnaval! Houve uma ressaca do Rock in Rio e do carnaval. Demorou até que acontecesse alguma coisa. Fiquei preocupado: será que não rolou? Mas chegou uma hora que… rolou.

O João Barone me disse que a impressão que os Paralamas do Sucesso tinham dos estúdios da EMI-Odeon é que aquilo parecia uma repartição pública da Alemanha Oriental. Como era lidar com o Zoltan Merky (diretor técnico dos tempos da Odeon, que aparece creditado em discos como o Clube da esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, como Z.J. Merky), extremamente rigoroso com todos os processos? Ah, o Zoltan não ia muito ao estúdio… O Amaro e o Nivaldo (Duarte, técnico de som experiente da gravadora) iam checar com ele pra ver se tava tudo certo. E eu acredito que a gente já tenha fugido bastante dos padrões. A faixa Petróleo do futuro teria sido vetada se tivesse sido ouvida por aquele padrão técnico da época, o Zoltan iria ter sipitucas se tivesse ouvido aquilo (risos).

Havia uma sonoridade muito específica nos discos da EMI-Odeon naquele momento – Dalto, Vinicius Cantuária, 14 Bis. Uma sonoridade bem mais linear, tudo muito limpo e bem produzido. O disco da Legião, comparado a isso, é mais solto. Os Paralamas também sempre tiveram uma sonoridade super enxuta, mesmo que a partir de determinado momento fosse outra coisa. Era pop, mas era um pop bem amarrado.

E justamente Petróleo é bem definidora, por causa daquela abertura que parece que não vai começar nada na música… e aí começa. Um troço meio Ramones. Isso. Foi muito gratificante. Ter esse arco bem claro, bem forte, bem marcante. A Legião vem daí. Isso é Legião, aliás isso e todas essas outras coisas. É tanto Petróleo do futuro, essa ferocidade, essa orgia de microfonia, quanto o romantismo de Por enquanto, no final.

Legião Urbana ganha novo livro: na foto, Legão, Rondeau e Marcelo Nová

Marcelo Nova (de óculos escuros) visita as gravações do primeiro da Legião, em 1984. Rondeau está entre ele e Bonfá (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)

Antes de produzir a Legião você produziu o primeiro disco do Camisa de Vênus. Como foi essa produção? Quando eu era do Jornal do Brasil, o Marcelo Nova era radialista em Salvador, na rádio Aratu. A gente se conheceu indo pra São Paulo em 1981, no ônibus da EMI, pra ver o show do Queen no Morumbi. Ele contou que tava montando uma banda chamada Camisa de Vênus, e houve uma continuidade depois disso, ficamos amigos. Um dia ele falou: “Rolou o Camisa. Tá a fim de produzir?” Eu falei “vamos nessa!”, mas minha experiência era zero. Aliás minha experiência era assistir a gravações de outros artistas, mas sem interesse em saber o que estava sendo feito ali. Fomos na cara e na coragem.

Fomos pro estúdio da RCA em São Paulo, e ficamos lá alguns dias. Foi uma farra. Eles tinham aquele som, que já era o som deles, era ultra punk, amador mesmo. Mas tinha muita verdade, muito senso de humor. Foram dias ótimos. Eu tava no Fantástico, acho, e pedi umas férias pra fazer esse disco. Era pra me divertir, até porque nem ganhei nada fazendo o disco! Foi tudo de graça.

Eu achei bem inesperado o Marcelo Nova ir ao estúdio visitar a Legião na gravação do disco – ele, que é um eterno crítico de tudo que é feito no rock nacional… Você se lembra como foi essa visita? Aliás como se davam as visitas dos artistas ao estúdio? Olha, só me lembro da visita por causa da foto. Não sei como se deu isso. Mas era uma época em que a gente era muito amigo, o Marcelo Nova estava no Rio, o convidei e ele foi. O Guilherme Isnard (Zero), que foi lá, conhecia eles de São Paulo. O Herbert Vianna foi lá com Paula Toller, e ele tinha indicado a Legião para a EMI. A Fernanda, esposa do Dado, conhecia todo mundo, facilitava. O rock em São Paulo já tinha uma conexão com a Legião. O Lulu Santos também passou pelo estúdio, mas ele tinha ido na verdade à gravadora, não sei por que cargas d’água ele foi lá. Ele pegou o baixo (do Renato Rocha) e saiu fazendo uns solos alucinantes, deixou todo mundo de boca aberta…

Até hoje há quem critique o jeito do Marcelo Bonfá tocar. Você acredita que o tempo vai fazer justiça a ele? Bom, o Bonfá, como está no disco, compõe o som da Legião. Ele é o som da Legião. Assim como os outros integrantes, o Renato Russo. Tem erros, tem momentos melhores e piores, tem erros inclusive meus ali. Mas o que tá no disco é exatamente a cara da Legião.

E como está sendo fazer a newsletter Farol? Tem sido muito gratificante, é um exercício diário de jornalismo. Eu trabalho nela todos os dias. É ótimo ver a reação das pessoas, voltar às minhas raízes, contar pra todo mundo o que eu ouvi, minhas histórias. É um público fiel, que tá crescendo cada vez mais – não é nada gigantesco, mas pra mim é perfeito. É um grupo muito bacana. A ideia original na verdade era fazer uma plataforma maior com outros predicados, porque eu queria fazer uma espécie de agregador de notícias.

Renato Russo e Dado Villa-Lobos no estúdio

Gravando! Renato e Dado no estúdio (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)

A Catherine Valentine, chefe de política da Substack (plataforma de newsletters), acredita que as que as eleições de 2026 e 2028 vão ser decididas justamente por causa do Substack. Políticos já têm newsletters lá, empresas de mídia como a BBC e a Billboard também têm. Como você vê isso? Bom, quem trabalha para um político vai sempre tentar usar qualquer ferramenta existente a favor de seu candidato – e contra o candidato oponente. Então não é uma surpresa. Eu não gostaria que isso acontecesse, mas sempre que existir um pedacinho de papel, se alguém puder colocar nele uma mensagem de um político… vai acontecer exatamente isso. Por outro lado, sempre vai haver pessoas excelentes fazendo newsletters excelentes, que vale a pena você assinar. O uso safado das plataformas sempre vai existir.

Você permaneceu tendo contato com a Legião depois do disco? Sim, eu fiz o clipe da música Tempo perdido. Foi a última vez em que trabalhamos juntos, porque logo depois do primeiro álbum eu já estava super enterrado na (revista) Bizz, que era um trabalho que me tomava muito tempo. Eu já estava fazendo toda a movimentação para ir para os Estados Unidos. Também produzi o primeiro álbum dos Picassos Falsos (1987). Quando fiz o clipe de Tempo perdido reencontrei os quatro depois de muito tempo. Lembro que o Negrete (apelido pelo qual Renato Rocha era conhecido na época), na gravação, até me disse “Rondeau, olha eu aqui! Não sou mais aquele punk rasgado não, tô bem vestido!”.

Eu parei de seguir os discos da Legião depois de um determinado ponto. O Que país é esse (1987) foi o último que ouvi com muita atenção. O fato de ficar longe do país me distanciou um pouco, não tinha internet, você ficava recebendo as coisas aos poucos. Mas a Legião virou outra coisa, outro tipo de som, bem diferente do que eu ouvia antes.

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