Lançamentos
Rogério Skylab: mesmo instrumental, “Caos e cosmos 3” fala sobre ditadura e torturas

Com Caos e cosmos 3, fechamento do seu projeto Cosmos (que na verdade durou cinco discos) Rogério Skylab lança pela primeira vez um disco totalmente instrumental. Ainda assim, sua voz aparece bastante nas músicas – são vocalises e gritos que surgem em várias faixas. Por sinal, todas compostas por Skylab e tocadas por Thiago Martins (guitarra), Leandro Braga (piano), Yves Aworet (baixo), Alex Curi (bateria) e Humberto Araújo (sopros).
O conceito do álbum, revelado por Skylab num post do Twitter, e os nomes das músicas, explicam tudo: em Caos e cosmos 3 “as músicas têm como títulos ruas e regiões que foram palco de acontecimentos políticos trágicos na história brasileira”, afirma ele. A capa traz um mapa inexistente que traz todos os lugares que servem de títulos de faixas: Rua Barão de Mesquita (rua no bairro carioca da Tijuca onde o DOI-CODI funcionou por alguns anos), Araguaia (lugar de guerrilhas e de morte de guerrilheiros), Rua Tutoia (rua onde funcionou o DOI-CODI em São Paulo), Alameda Casa Branca (rua em São Paulo onde Carlos Marighella foi assassinado), La Higuera (lugar na Bolívia onde Ernesto Che Guevara foi assassinado), Base aérea do Galeão (centro de tortura da Força Aérea Brasileira na ditadura), Brotas de Macaúbas (lugar na Bahia onde Carlos Lamarca foi caçado e assassinado).
A duração do disco é relativamente breve (menos de 40 minutos) e as faixas incluem músicas de mais de 6 minutos e algumas vinhetas e temas curtos. O material, mesmo sem letras, fala por si próprio. As faixas são um compêndio musical que gira em torno do jazz e chega até o hardcore, ao rock dos anos 1950/1960 e até mesmo a tons hispânicos (na faixa Alameda Casa Branca). Base aérea do Galeão, um jazz sombrio repleto de gritos (como os de um torturado) é a mais impressionante e perturbadora do disco, encerrando o projeto e atirando o ouvinte num vórtice dos mais bizarros.
>>Batemos um papo com Rogério Skylab no ano passado.
Crítica
Ouvimos: Haim – “I quit”

RESENHA: I quit, novo disco das Haim, mistura rock, estileira pop bem própria e crônicas sobre amadurecimento, frustrações e limites — com guitarras, beats e coração.
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Se a vida adulta viesse com manual de instruções, teria a mesma graça? Não, ou sim – depende do ponto de vista. Mas o que parece ser um grande “olhe aqui, eu venci!” muitas vezes se transforma em aporrinhações mil: boletos, relacionamentos que vem e vão, descobertas amargas, mortes de amigos e parentes, empregos nos quais você é explorado/explorada e ganha pouco, custas de advogados (olha, às vezes é necessário, e como).
Com esse esquema, o “lado bom” de ser adulto (a saber: exercer sua independência e ser dono/dona do seu nariz) fica até parecendo uma propaganda enganosa do fim da adolescência, em que cenas de sucesso profissional ou amoroso são cenas meramente ilustrativas. Bom, nem tanto: com o tempo, você simplesmente entende que a realidade é meio injusta, mas dá seus pulos, peita umas situações, simplesmente dá de ombros pra outras tantas e parte pra briga. Ou escolhe melhor suas brigas – faz parte.
Esse clima de “já dei colher de chá demais, agora chega!” é basicamente o tema central de I quit, quarto álbum das irmãs Haim (Danielle, Este e Alana). Um disco que já está fazendo bastante sucesso por causa do universo no qual mexe e dos símbolos que escolheu para representar esse momento. Basta olhar para as capas dos singles: em Take me back, as três aparecem com aquela expressão clássica de exaustão contida – como quem tenta manter a pose mesmo de saco cheio, numa vibe Sex and the city da depressão. Já em Relationships, o clima é outro. Tudo na capa do compacto lembra a famosa foto da Nicole Kidman saindo radiante do escritório de seu advogado, após divorciar-se de Tom Cruise: sol batendo, verde no cenário, felicidade urgente, visual despojado que dispensa qualquer glamour hollywoodiano.
O que pode parecer uma versão musical da novela Quatro por quatro (no caso Três por três, enfim) na real é um disco bastante arrojado, rock de olho no pop e vice-versa. I quit começa com a declaração de princípios Gone, surf folk que sampleia Freedom, de George Michael, e guia o timão para a onda de Madchester, anos 1980. All over me é pop distorcido, saturado, como se viesse de uma gravação antiga – e vai ganhando peso. Relationships e Down to be wrong são soul de roqueiro, remetendo tanto a Primal Scream quanto a John Frusciante. Take me back, por sua vez, é folk punk cheio de recordações de adolescência, com linhas vocais faladas que lembram direto People who died, da The Jim Carroll Band, e clima power pop.
- No nosso podcast, Primal Scream do começo à fase Screamadelica.
- Jim Carroll: descubra agora!
- Quando Stevie Nicks ficou maior que o Fleetwood Mac
Investindo em crônicas musicadas, as Haim e o produtor-parceiro Rostan Batmanglij invadem as àreas de Alanis Morrisette (Love you right), do country-rock herdado de Fleetwood Mac e Tom Petty (The farm, com gaita estilo Bob Dylan), do dream pop (Lucky stars) e do country-folk urbano (Everybody’s trying to figure me, uma ode aos momentos que-se-foda da vida). As ondas recentes de pop gostosinho e synthpop com cara oitentista se avizinham de I quit, respectivamente, com Try to feel my pain e Spinning. Já Blood on the street é blues-soul gravado na unha. É uma das faixas em que mais se sente I quit como um organismo vivo, e é mais uma história na vibe “valeu, tô fora” do disco.
O Haim fez de Now it’s time, última faixa do disco, um resumo de I quit. Tem sample de Numb, música de 1993 do U2 – e, opa, o U2 já tinha usado a guitarra de Danielle Haim em Lights of home, do álbum Songs of experience. As irmãs avisam que foi uma troca justa. No fim das contas, a forma como bandas como U2, R.E.M. e Red Hot Chili Peppers uniram pop e rock ajuda a entender o que elas construíram aqui. E o recado da última faixa vem sem rodeios: às vezes, as histórias mais duras não terminam em vingança nem em perdão – terminam no entendimento de que esse mundo é cheio de gente sonsa mesmo: “Você sempre encontrará uma maneira / de continuar se sentindo bem / mentindo na minha cara”, cantam. E vida que segue, vire as costas e vá pro outro lado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Polydor
Lançamento: 20 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Godofredo, “Tutorial”

RESENHA: O Godofredo mistura pós-punk, lo-fi, folk e psicodelia em Tutorial, disco com humor, inventividade e espírito caseiro.
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O segundo álbum da banda mineira Godofredo tem, realmente, um tutorial – de brincadeira, claro. Tutorial encerra com uma faixa-título que traz um papo remoto dos integrantes da banda, falando sobre o melhor modo de ouvir o disco. Uma vinheta falada que fecha o ciclo de temas pós-punk e de psicodelia lo-fi, sons herdados do Clube da Esquina e canções entre o folk e o grunge que marcam as outras dez faixas do álbum.
Tutorial soa como um disco gravado em estúdio pequeno ou um quarto, abrindo com o pós-punk sombrio de Inferno e Febre de março – esta com ar grunge e guitarras e baixo distorcendo o som, além de final no clima de Tourette’s, do Nirvana. Daí para a frente, a variedade toma conta: Guarda-roupas tem letra triste e clima mutante e meio sixties, mas apontando para o shoegaze. Filme da Varda é um tecnobrega folk psicológico e… cinéfilo, fazendo referência à cineasta belga Agnès Varda (você talvez tenha ouvido falar pelo menos do curta Black Panthers, de 1968, feito por ela).
O Godofredo une sons herdados do Velvet Underground com psicodelia e rock anos 1990 em Celina, O triste fim da água e No bar do Flamengo, e une lo-fi e Beto Guedes em A aventura pts 2 e 3 e Amanhã pode ser assim. Imaginando Pequim volta ao pós-punk do começo, mas evocando Pixies e Breeders, e valorizando a melodia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Belo Horizonte Central (BHC)
Lançamento: 5 de junho de 2025.
Crítica
Ouvimos: Brenda Cruz – “Pagando pra ver” (EP)

RESENHA: Brenda Cruz estreia no EP Pagando pra ver, unindo MPB, rock e samba-funk em cinco faixas cheias de força e identidade.
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Nascida e criada na região do Subúrbio Ferroviário de Salvador (um conjunto de 22 bairros periféricos da capital baiana), Brenda Cruz é um dos nomes lançados pelo projeto local Sons do Subúrbio. O EP Pagando pra ver é sua estreia como cantora solo, após vários outros trabalhos na música, e demonstra, na curta duração preenchida pelas cinco faixas, força musical ligada tanto à MPB clássica quanto ao rock. Ioná, faixa de abertura, tem introdução metaleira com lembranças de Sepultura e Nação Zumbi, mas segue para um soul pesado e bem cantado, que deve rende muito bem ao vivo.
O material de Pagando pra ver foi todo composto por Brenda e pelo músico Geo Filho, com produção de Irmão Carlos Psicofunk. A musicalidade do álbum migra para o reggae da faixa-título. Depois, para a afromusic – quase um axé com estrutura metálica – de Sal da vida. E em seguida, para o samba-funk de ritmo forte, cabendo piano Rhodes e um segmento de rap, de É isso que você é. Além do r&b sinuoso com cara de MPB anos 1970 de Fora de controle, e das letras repletas de empoderamento e magia.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 14 de maio de 2025.
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