Cinema
“Pra frente Brasil”: sangue, tortura e porrada na TV

A velha frase “entendeu ou quer que eu desenhe?” serve muito bem para definir Pra frente Brasil, filme dirigido por Roberto Farias e lançado em 1982 após algum tempo de peregrinação na censura. A história, que se passa durante a Copa de 1970 e em plen ditadura militar, é a de um sujeito (Jofre, interpretado pelo irmão do diretor, Reginaldo Farias) que divide um táxi com um militante de esquerda, Sarmento (Claudio Marzo). Por causa disso, fica no radar dos órgãos de repressão, é preso e torturado.
O elenco ainda tem Antônio Fagundes, Natália do Vale, Elizabeth Savalla e Carlos Zara (o chefe das torturas). Na porradaria com Reginaldo no pau de arara, o sangue quase espirra na tela. Mas além das cenas sangrentas com Reginaldo, ainda há uma cena em que uma espécie de master-torturador faz uma exibição de novas técnicas, em frente à plateia. É complicado de ver e de ouvir. Como também é complicado analisar o subtexto do filme: a seleção brasileira campeã e a lorota do “Brasil grande” prometido pelos militares em meio a prisões e sessões de tortura.
O resultado é que Pra frente Brasil é quase um filme de terror. Explica bem o que foi a ditadura militar e serve para calar a boca de qualquer pessoa que repita, como um realejo, frases idiotas como “não havia ditadura, havia segurança”. Havia tortura para quem pensasse diferente, havia terror para quem desse o azar de estar no lugar errado, havia prisão, exílio e mais tortura (inclusive psicológica) para quem fizesse qualquer tipo de arte que o governo considerasse “degenerada”.
A novidade é que as filmagens de Pra frente Brasil estão comemorando 40 anos. E o Canal Brasil programou uma reexibição para hoje (quarta, 10), às 22h42. Pouco antes, às 22h10, rola Cinejornal com uma série de entrevistas, conduzidas por Simone Zuccolotto, sobre a produção e a trajetória de Roberto Farias.
No primeiro bloco do cinejornal, Elizabeth Savalla, Antonio Fagundes, Mauro Farias, Paulo Mendonça e Reginaldo Faria relembram a feitura do longa. E no segundo bloco, Simone conversa com o produtor Luiz Carlos Barreto e com o diplomata Celso Amorim, figura importantíssima para entender os bastidores do filme. Na época, Celso era presidente da distribuidora estatal Embrafilme. Em meio à queda de braço pela liberação do filme na censura, ele acabou deixando o cargo à disposição após aprovar o financiamento.
UPDATE: O conteúdo dos dois parágrafos aí de cima já venceu. Se você perdeu o filme na TV, dá pra ver no YouTube, em qualidade bem pior se comparada ao que provavelmente você pôde ver na telinha (a reprodução foi tirada do próprio Canal Brasil, por sinal).
Lançado para o grande público apenas em 1983 (1982 foi o lançamento no Festival de Gramado), Pra frente Brasil acabou sendo um dos primeiros filmes que levantaram uma bola interessante: a participação de empresários na manutenção da ditadura militar. O filme tem um personagem, interpretado por Paulo Porto, e inspirado no dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz e um dos responsáveis pelo aparelhamento financeiro da ditadura. Tem um documentário bem completo (e bem horrorizante) sobre o empresário, Cidadão Boilesen.
Por causa disso não faltou gente criticando o filme (uma análise no excelente blog de cinema brasileiro Estranho Encontro lembra disso), justamente por focar no apoio cívico – muita gente achou que essa escolha aliviava a barra dos militares. De qualquer jeito, Pra frente Brasil levantou essa bola e deve ter trazido más lembranças a muita gente que fez coisas às escondidas, ou permitiu que fosse feito. E visto hoje, mostra uma realidade que se recusa a desaparecer do imaginário do brasileiro.
Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Agenda
Rock Horror Film Festival: cinema de terror em setembro no Rio

O Rock Horror Film Festival, festival carioca de filmes de terror, está de volta na praça – e vai rolar de 19 de setembro a 02 de outubro no Cinesystem de Botafogo (Zona Sul do Rio). Dessa vez, o evento vai trazer uma seleção de mais de 50 filmes de 17 países em seis categorias: Longas Sinistros, Médias Bizarros, Docs Estranhos, Curtas Macabros, Brasil Assombrado e Pílulas de Medo.
O objetivo do festival é unir terror, cultura pop e rock, e juntar os públicos das três coisas. Entre os filmes selecionados, há produções como The history of the metal and the horror, documentário de Mike Schiff repleto de nomões do som pesado (EUA), Tales of babylon, de Pelayo de Lario (Reino Unido), The Quantum Devil, de Larry Wade Carrell (EUA). Há também Death link, dirigido por David Lipper (EUA), com um time de astros e estrelas que inclui Jessica Belkin (Pretty little liars), Riker Lynch (Glee), David Lipper (Full House) e outros.
O evento também vai ter mesas redondas com diretores, atores e outros profissionais da indústria para o público do festival, comandadas pela criadora do Rock Horror Film Festival, Chrys Rochat (Sin Fronteras Filmes), e que vão rolar no hall do Cinesystem. Entre os convidados já estão confirmados diretores da Polônia, EUA, Canadá e Brasil. Happy hours cinéfilas, shows de rock e oficinas estão no programa também, além da exibição de um filme inédito no Brasil na abertura.
Lista completa dos filmes que participarão da edição no site do festival: www.
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