Crítica
Ouvimos: Wander Wildner, “Diversões iluminadas”

Wander Wildner não é mais aquele sujeito que cantou “eu quero que o Caetano vá pra puta que o pariu” (em Porque não, não-hit de sua ex-banda Replicantes). Que bom: certas coisas são engraçadas quando você tem 20 e poucos anos, e são bem bobocas quando você passa dos 40, 50 ou 60. O Wander de hoje está em paz com suas raízes musicais, lembra que em seu passado convivem um ex-hippie e um eterno punk, e em Diversões iluminadas, cai dentro de releituras no estilo faça-você-mesmo de músicas que marcaram sua história.
Algumas dessas releituras, pelo menos para quem não acompanha a carreira e a entrevistas de Wander, podem parecer inesperadas, como Um índio (Caetano Veloso), Dê um rolê (Novos Baianos) e Terral (Ednardo). A música de Caetano retorna com sonoridade entre o rock clássico e o punk – e o som de artistas como John Cooper Clarke, Craig Finn, Iggy Pop, Smithereens. O hit novobaiano, que era um blues-rock psicodélico na versão de Gal Costa em 1971, virou uma balada típica de cantores de punk decididos a encarar seu trabalho como um viés sombrio do rock clássico – com direito a drive poderoso no “eu sou amor da cabeça aos pés”. O clássico de Ednardo volta lembrando Psychedelic Furs e Lloyd Cole, e ao mesmo tempo tem algo de dream pop escondido ali.
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Em Diversões iluminadas (disco acompanhado por um livro que pode ser pedido pelo zap da Editora Yeah – 51-99799-1900) o mesmo tratamento é dado a (imagine) Sangue latino, hit dos Secos & Molhados – que virou pré-punk com vocal grave e um paredão de guitarras que chega a esconder a bateria. Redemption song, de Bob Marley, volta em português (mas mantendo o título em inglês) com cadência punk-romântica. Clima parecido brota na releitura de The killing moon (Echo and The Bunnymen), que ganha guitarras que dão um clima quase shoegaze para a gravação. Pra viajar no cosmos não precisa gasolina, de Nei Lisboa, encerra o disco tendo suas características experimentais e espaciais turbinadas.
No lado originalmente roqueiro do disco convivem outras releituras notáveis, como o hard rock punk de Beside you (Iggy Pop) e o rock româtico e vira-lata, no estilo da carreira solo de Johnny Thunders, de True love will find you in the end (Daniel Johnston). John Lennon is my Jesus Christ, dos rockers galeses do Buzzard Buzzard Buzzard, ganha modificações na letra para abarcar nomes como Mick Jagger e o roqueiro e jornalista gaúcho Jimi Joe. Um bom respiro não-autoral numa carreira compromissada com a independência. Só não precisava muito reler (igualmnte em português, como acontece com todas as releituras de músicas estrangeiras do disco) Times like these, dos Foo Fighters.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 3 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: Preoccupations – “Ill at ease”

RESENHA: Preoccupations lança Ill at ease, seu melhor disco: pós-punk denso, melódico e sombrio, com ecos de R.E.M., Smiths e Interpol.
Existe algo bem forte no som da banda canadense Preoccupations (ex-Viet Cong – a alcunha mudou porque a banda começou a ter shows cancelados devido ao nome considerado ofensivo) que lembra uma mescla de Interpol, R.E.M. e Smiths. O tal “algo” inclui: vocais fortes, letras apocalípticas, climas pesados, mas tudo amaciado com vibes bem melódicas.
Ill at ease (algo como “constrangido”, “pouco à vontade”) leva essa receita ao máximo e é o melhor disco de Matt Flegel (baixo, vocais), Mike Wallace (bateria), Scott “Monty” Munro (guitarra, sintetizador) e Daniel Christiansen (guitarra) até o momento. Musicalmente é o retrato da transformação do pós-punk em, mais que um estilo musical, uma senha de compreensão musical, e uma chave de leitura para clima estranhos.
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É o que rola em Focus, uma canção sobre mal do século e culpa (“o diagnóstico é / estou fazendo o meu melhor / para esquecer tudo o que sei / mas não consigo me livrar da vergonha dos erros que cometi / deve ter acontecido aqui há mil anos’). E no pós-punk eletrônico de Bastards, uma canção que põe a nu a pose daquele ser humano que só pensa em grana e fama, mas com metáforas de fim de mundo: “talvez, quando você sentir tudo desmoronando / não há mais nada aqui para aproveitar / acho que estamos prontos para o asteroide”.
O disco aponta também para uma união entre a crueza do punk e o som dos já citados R.E.M. e Smiths (Andromeda), sons que lembram David Bowie (a faixa-título e Retrograde – essa última na onda da fase Berlim) e pós-punk robótico na cola de Can e New Order, simultaneamente (Panic). Sken tem experimentações rítmicas a rodo no começo, a ponto de confundir a/o ouvinte, e, finalizando, Krem2 é um blues pós-punk gótico e sombrio. Enfim, Ill at ease traduz inquietações com arranjos emocionantes, atmosferas densas e um senso constante de tensão.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Born Losers Records
Lançamento: 9 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Men I Trust – “Equus asinus”

RESENHA: Men I Trust lança Equus asinus, disco nostálgico e etéreo com folk desolado, pop barroco, emanações da música francesa, e clima de trilha soft porn das antigas.
Demoramos para resenhar o disco do Men I Trust, Equus asinus, lançado em março, e acabou que a banda canadense já cumpriu o que havia prometido e soltou nas plataformas Equus caballus, novo álbum e “outra face” do disco anterior.
São de fato dois discos com astrais bem diferentes um do outro – Caballus fica para uma próxima resenha, mas Asinus investe fortemente numa nostalgia ligada ao pop barroco, à música francesa e… aos temas de antigos filmes soft porn. Pois é: faixas como Girl, Bethelehem e The landkeeper caberiam bem em algum filme da franquia Emmanuelle, ou em alguma produção liberalzaça rodada numa praia deserta.
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Também é um disco marcado por estruturas musicais ligadas ao folk desolado, como em Unlike anything (“quando minha mão se for, você será o mesmo / você é diferente de tudo que eu conheço / você ainda é aquele que não pode ser domado”), I don’t like music, Frost bite, a celestial Burrow. Moon 2 é uma balada jazzística, psicodélica, derretida, que soa como uma viagem bem estranha – e é seguida por um instrumental de piano, What matters most.
Na real, o que o Men I Trust fez foi dividir seu som em dois lados diferentes, e colocar cada lado em cada disco – e a face tranquila e enevoada surge em Equus asinus. É uma opção que acaba cobrando algumas coisas do grupo: mesmo que Asinus tenha algumas músicas excelentes, o cansaço acaba vencendo várias vezes, e fica a impressão de um disco bem maior do que seus quase 45 minutos.
A curiosidade fica por conta da capa, que mostra uma foto num clima nada sexy: um casal no quarto, o homem passando roupa, a mulher de costas. Pode ser uma autozoação, mas fica na memória o que alguém disse do disco no site Album Of The Year: “Desculpe, mas a ironia não pode salvar esta capa”. E é verdade.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7
Gravadora: Independente
Lançamento: 19 de março de 2025
Crítica
Ouvimos: Scar – “Lado A: O óbvio ululante” (EP)

RESENHA: Scar, de Nilópolis, lança Lado A: O óbvio ululante: synthpop com pegada 80s, vaporwave e referências de videogame, pagode e Turma da Monica.
Synthpop de Nilópolis (cidade da Baixada Fluminense, Rio), feito por uma banda-de-uma-mulher-só, com referências que vão de trilhas de videogames dos anos 1990 a histórias da Turma da Monica. O Scar, comandado pela musicista Isis Cardoso, vai além disso, apresentando no EP Lado A: O óbvio ululante quatro faixas que falam sobre amores, distâncias, batalhas diárias, transporte público, e uma noção de synthpop que passa principalmente pelo pop adulto dos anos 1980 e pelo retrofuturismo.
Shinji, a faixa de abertura, fala sobre o dia a dia de alguém que trabalha o dia inteiro (em telemarketing, como sugerem o início e fim da faixa), em meio a uma trama de programações, vocais e synths que remete tanto a Yellow Magic Orchestra quanto a grupos de pagode, tudo funcionando como se tivesse sido gravado no quarto. Maktub invade as áreas da Orchestral Manoeuvres In The Dark, do Ultravox e de Marina Lima, unindo observações do urbano e do existencial (“já estive tanto no lugar errado / já estive tanto no mesmo lugar”).
Na segunda metade do EP, Coisas tem batida seca e pós-punk, que evolui para algo sintetizado, ensolarado e tropicalizado, com pandeiro e percussão no fim. Tamagochi, aberta pelos incríveis versos “semana passada você passou com seu Chevette / com seus óculos escuros / com o seu walkman / e disse pra ouvir a fita que você gravou” une synthpop, pagode e clima vaporwave, como se desse início a um sonho em que várias perspectivas de futuro se confundem.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Quarto Escuro Sounds
Lançamento: 3 de maio de 2025
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