Crítica
Ouvimos: The Wiggles, “Wiggle up, giddy up!”

Provavelmente você nunca ouviu falar de The Wiggles. Não tem o menor problema: nunca é tarde para descobrir esse grupo infantil da Austrália, que está em seu 63º álbum (!) e que em seu país de origem faz cerca de 400 shows por ano, às vezes quatro deles num só dia. Muitas vezes, as apresentações rolam em estádios, antes de partidas de futebol, para multidões de enormes proporções. O sucesso não vem de hoje, não: nos anos 2000, eles eram reis do Disney Channel e lotaram o Madison Square Garden treze vezes.
Os Wiggles existem desde 1991, costumam gravar quase com a mesma frequência do Guided By Voices (o que explica a marca de mais de sessenta discos em 34 anos) e hoje em dia, vivem nova fase. Anthony Field, o criador do grupo, com 61 anos, nem se importou com o fato de ter visto vários integrantes do grupo debandarem nos últimos anos. Cercou-se de animados músicos jovens – um deles, sua filha Lucia, de 21 anos, por acaso uma professora infantil – e ultimamente vem levando os Wiggles a explorar o TikTok e o YouTube. Nada mais lógico em se tratando de um grupo animado, colorido e cheio de passinhos vibrantes de dança (por sinal, eles têm um “elenco de apoio” que faz coreografias, e que muitas vezes serve de estágio probatório para novos integrantes).
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E aí que os Wiggles acabam de lançar seu tal 63º disco: um álbum de quase 80 minutos chamado Wiggle up, giddy up!, dedicado ao country, estilo que, sem sair das paradas há milênios, vem sendo ressignficado e descoberto pelas novas gerações. A ideia do álbum, diz uma matéria ótima do The Guardian, veio do CEO do grupo (que por acaso não é Field). A sonoridade é a mesma que você imagina quando depara com seus filhos assistindo a um vídeo da Vila Sésamo: canções animadaças, incluindo vários covers, originais, regravações deles próprios atualizadas, e participações de nomões do estilo.
Entre eles, Dolly Parton emociona em Friends! e em We will always be friends, e tem sua 9 to 5 transformada em Counting 1 to 5, uma canção para ensinar as crianças a contar. Já Orville Peck solta a voz em Friends of Dorothy, uma referência a uma personagem do elenco do grupo – como Peck é gay e “Dorothy” é uma gíria conhecida no universo queer, o The Guardian já perguntou a Field se essa faixa seria o primeiro hino gay da banda (“pode ser interpretado assim!”, diz). Vale dizer que é hora de inclusão nos Wiggles: em Wiggle up, giddy up!, rapazes e garotas de fibra soltam o laço em faixas como We’re the cowboys, we’re the cowgirls.
A personagem retorna em I love to have a dance with Dorothy, parceria do grupo com o countryman veteraníssimo Slim Dusty (1927-2003), gravada originalmente em 2000 e revistada no álbum novo. Quem também solta a voz no álbum é a countrywoman Lainey Wilson, em Let’s ride! (uma canção tão grudenta que tem até o verso “fruit salad / yummy,yummy!”), além da cantora e atriz canadense Mackenzie Porter. O barbudão Jackson Dean surge na engraçadinha It’s tough being three years old.
Não dá para usar frases como “um disco para a criança country que existe no seu coração” porque, vá lá, ouvir The Wiggles é uma experiência bastante peculiar, ainda mais com um repertório tão específico e educativo – Rock-a-bye your bear, com Mackenzie Porter, por exemplo, tem um “everybody siiiiing!” que rende umas risadas zoeiras. De “adulto”, no disco, tem o fato de que algumas faixas do material são bubblegum como ninguém faz hoje, como rola no country-rock Big red ute. Além da certeza de que Field e seus camaradas são dotados de, digamos assim, mais musicalidade que o Patati Patatá e um senso apurado de negócios de fazer inveja à turma da Galinha Pintadinha.
Nota: 7
Gravadora: The Wiggles Pty Limited.
Lançamento: 7 de março de 2025
Crítica
Ouvimos: Jehnny Beth – “You heartbreaker, you”

RESENHA: Jehnny Beth (ex-Savages) retorna com o segundo disco solo, You heartbreaker, you: punk sombrio, art metal e letras viscerais sobre dor e obsessão.
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O segundo álbum solo de Jehnny Beth, ex-vocalista da banda punk Savages, não é para qualquer ouvido – talvez não seja nem para qualquer coração. Trata-se de um disco cheio de camadas musicais e emocionais, no qual Jehnny assume uma persona complexa, instável e que não tem a mínima necessidade de colocar um disclaimer a cada verso ou cada faixa. O som pode ser classificado como punk de terror, art metal, eletrônica apodrecida e distorcida – qualquer coisa que mexa com a imaginação de quem escuta, evitando classificações comuns.
Musicalmente, o som de You heartbreaker, you coloca Jehnny a meio caminho de Rollins Band e Nine Inch Nails – mas com emanações de Babes In Toyland. As três primeiras faixas, Broken rib, No good for people e Obsession, estabelecem o clima ameaçador, com vocais que vão do berro ao sussurro, e gritos que parecem entalar na garganta. Faixas como Out of my reach, Reality e Stop me now vibram mostrando um punk rock que não precisa ser rápido para manter o peso e a intensidade. I still believe, recheada de beats eletrônicos, abre com um baixo que já põe medo.
As letras de You heartbreaker, you são um caso à parte. Jehnny fala sobre relacionamentos abusivos e violentos (Broken rib), apagamentos fatais (“sou muito crítica / você não encontrou um modo de me matar ainda / eu ainda estou de pé”, vocifera em No good for people) e sobre dores, culpas, problemas que não são seus, e projeções bem estranhas das imagens de outras pessoas – tudo isso reunido na sombria e pesada I see your pain, que encerra o disco. Também encarna a mulher que passa por relacionamentos obsessivos, em faixas como Obsession e I still believe (“um dia nós os faremos acreditar em você e em mim juntos / até lá, ainda acreditarei em você e em mim, para sempre”). Em Reality, une hedonismo, menage à trois e autoestima cagada. Stop me now fala sobre reencontros que causam gatilhos e memórias doloridas.
Já High resolution sadness, a faixa mais ágil do disco, une sexo, bagunça emocional e isolamento, concluindo que “o mundo é uma máquina triste”. You heartbreaker, you dá ao/à ouvinte a estranha sensação de ter presenciado uma explosão de carro-bomba sem se dar conta de que estamos todos dentro dele.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Fiction Records
Lançamento: 29 de agosto de 2025
Crítica
Ouvimos: Guma – “Virando noite”

RESENHA: Trio recifense Guma mistura indie pop, tecnobrega, jovem guarda e ecos 80s em Virando noite, estreia festiva e cheia de balanço.
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O Guma é um trio recifense – Katarina Nápoles (voz), Carlos Filizola (guitarra e produção) e Caio Wallerstein (bateria) – que enxerga na dança, o melhor remédio. Virando noite, o disco de estreia do grupo, é um álbum de indie pop com ramificações no tecnobrega, no rock jovemguardista e até em estilhaços do rock nacional dos anos 1980.
Daria pra dizer que o Guma dá uma mirada numa espécie de Brat recifense, mas nesse ponto, o trio é mais discreto: falam de liberdade no pop-brega-funk O muro, lembram de ideias hedonistas que não saem da cabeça no reggae-rock safado Pecadinho e fazem um Love theme que soa como um desvio vaporwave dos discos de pop orquestral dos anos 1970, com guitarra, baixo, bateria, efeitos e voz declamada.
A vibe festeira de Virando noite ocupa todo o repertório, em faixas como o balanço rock-brega de Mozinho (com Bruna Alimonda) e Só quando lembro (com Uana), e a fanfarra de Novesfora, com teclados imitando metais e um clima que envolve até música cigana. Chegando perto do final, o grupo se aventura numa espécie de new wave recifense, Paraíso astral, que faz lembrar o Metrô (sim, a banda nacional dos anos 1980) e The Cure. E também no pop sonhador e quase psicodélico de Sonhar ou viver. Ouça correndo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 4 de setembro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Zac Farro – “Operator”

RESENHA: Zac Farro (Paramore) lança Operator, disco que mistura soft rock 70s, yacht rock e indie-pop vintage, com letras sobre amor e falhas de comunicação.
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Em meio a todo o processo de lançamento de Ego death at a bachelorette party, o (agora sim!) novo disco solo de Hayley Williams, Zac Farro, baterista do Paramore – banda de Hayley, você deve saber – também lança álbum próprio. Operator traz o músico se rendendo à onda soft rock requentada, e igualmente surfando de pranchão no indie-pop, mas com cara vintage.
Quase tudo de Operator só existe porque houve músicos unindo rock leve, folk, soul, baladas e estilos afins nos anos 1970. Ou seja: basicamente Zac fez um disco de yacht rock extratexturizado, com boas composições, só que com cara cult. Faixas como Operator, o pop pré-disco Second chance, o pop pós-disco 1 e o decalque de Steely Dan Simple actions soam como se alguém achasse num armário os tapes de um disco pop dos anos 1970 que sairia por uma gravadora de fundo de quintal, mas acabou sendo engavetado.
De certa forma, esse clima meio cult meio pop já é algo que Hayley havia trazido para suas gravações recentes – o que acaba fazendo com que Operator soe como um outro lado da moeda de Ego death, só que com letras mais estranhas. Zac tende a observar assuntos como amor, paixões e perdas de forma bem própria, muitas vezes abordando tudo pelo viés das falhas de comunicação, das mensagens nunca enviadas e nem mesmo entendidas (a faixa-título diz coisas como “quando tentei ligar pra você, falei com a operadora / então você me retornou / foi muito mais tarde”).
Zac também faz baladinha de AM com vibe psicodélica em I need you, som robótico e solar em Gold days (uma canção no estilo “quando olho no espelho / estou ficando velho e acabado” na qual ele, nascido em 1990, admite que não consegue mais controlar o tempo) e uma espécie de pop kraftwerkiano em Sunday driving – uma música para dirigir, unindo estilhaços de rock, soul e reggae, com efeitos sonoros imitando carros que passam. Dá para dizer que Operator é um disco pop com energia de novelty record, aquela curiosidade bem humorada que faz bem aos ouvidos.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Congrats Records
Lançamento: 18 de julho de 2025.
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