Crítica
Ouvimos: The Smile, “Cutouts”

- Cutouts é o terceiro álbum do The Smile, banda formada por Thom Yorke (vocal, guitarra, baixo, teclas) e Jonny Greenwood (guitarra, baixo, teclas), ambos egressos do Radiohead, com o baterista Tom Skinner. O disco foi produzido por Sam Petts-Davies.
- Este é o segundo lançamento de um álbum de estúdio do The Smile em menos de um ano. No primeiro semestre saiu Wall of eyes (resenhamos aqui). “Acho que tínhamos um disco e meio quando decidimos lançar Wall of eyes. Então era simplesmente sobre terminar algumas das outras telas. Certamente não há a sensação de que são sobras: é apenas mais um disco”, contou Jonny Greenwood ao New Musical Express.
- Thom acaba de iniciar turnê solo e até apresentou uma música nova, Back in the game. E jogou um balde de água congelante em quem espera uma volta do Radiohead. Foi perguntado numa entrevista sobre as especulações a respeito de uma reunião da banda, e desferiu: “Eu não estou ciente disso e realmente não dou a mínima”. Porém o baixista Colin Greenwood andou revelando que a banda voltou a ensaiar há três meses.
O The Smile é (pode acreditar) o Radiohead maravilhado com alguma coisa. Pelo menos musicalmente, porque dá para perceber nas letras de Cutouts que Thom Yorke anda meio obcecado por panes no sistema, desconfigurações, quebras de padrões e até com a onda dos coaches. Afinal, Zero sum tem versos como “um sorriso de merda, uma performance (…)/a masterclass, a palestra do TED/é muita coisa para queimar sem motivo”). Um tema que tem tudo a ver com a observação que o próprio Radiohead sempre fez da passagem dos anos, da voracidade das mudanças tecnológicas, e que toca, em 2024, em vários nervos expostos.
No words, por sua vez, pinta um cenário bizarro que passa por relações pessoais, política e machismo (“você não é tão durão/sua necessidade de ser amado/você assa no deserto/uma terra arrasada/sua mente se solta/o monstro está de volta/você une os pontos e pinta/uma estrada pavimentada com boas intenções”). Cutouts, só por esses exemplos, já se torna o tipo de disco que cresce mais ainda quando você acompanha as letras junto das viagens musicais da banda, sem deixar escapar nada.
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O esquema “Radiohead solar” vigora na faixa-título, a eletrônica Foreign spies – cuja letra fala mesmo é de espiões que “estão pegando facas de cozinha/todas as vezes que nossas costas estão viradas”. Mas no geral, The Smile é Thom Yorke e Jonny Greenwood (e o batera Tom Skinner) seguindo uma mescla de ambient, bittersweet e jazz, quase sempre numa mesma música. Como nas paisagens musicais de Instant psalm, no clima corrido de Zero sum (cuja guitarra lembra um teclado, e cujo arranjo deve tanto a Talking Heads quanto a King Crimson), no jazz progressivo Colours fly e no estranho blues-de-piano de Don’t get me started, tocado como numa trilha de videogame. Ou no folk natureza-morta de Bodies laughing, que fecha o álbum.
Há outras surpresas esperando o ouvinte nesse The cutouts, que até agora é o melhor álbum do grupo. Uma delas rola no pós-punk torto, com diálogos quase jazzísticos entre baixo e bateria, de No words. A outra surge em Tiptoe, que inicialmente lembra uma releitura de A última sessão de música, de Milton Nascimento, abrindo com piano e conversas de bar – e ganha um arranjo de cordas que parece surpreendentemente emepebístico.
Nota: 9
Gravadora: XL Recordings
Crítica
Ouvimos: Finn Wolfhard – “Happy birthday”

RESENHA: Finn Wolfhard estreia solo com lo-fi torto, entre Lemon Twigs e Weatherday, misturando barulho, charme retrô e zoeira pop.
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Finn Wolfhard, o Mike Wheeler da série Stranger things, faz – quem diria – música do mesmo mundo invertido do qual seu personagem é frequentador. Seu primeiro disco solo, Happy birthday, é lo-fi purinho, e tem mais cara de mixtape do que de álbum. O volume de experimentações por faixa determina a colocação de Happy birthday numa esquina entre a beleza 60’s 70’s dos Lemon Twigs e a zoeira de estúdio do Weatherday. A faixa-título abre o álbum entre ruídos na abertura e um clima Beach Boys fake, seguida pelo power pop de boas guitarras de Choose the latter, e pelos sons de transmissão que surgem no bubblegum Eat.
Finn contenta-se em soar verdadeiramente mais pop em Objection, balada que lembra bandas como Rapsberries e Badfinger. Mas Happy birthday aposta suas fichas também no slacker rock de Trailers after dark, na grungeira de Crown e em pelo menos três faixas – Everytown there’s a darling, You e Wait – tão grudentas quanto indies, lembrando as produções da gravadora K Records. Provável que os próximos discos de Finn já tragam um equilíbrio maior entre barulho e beleza – depende dele.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Night Shift/AWAL
Lançamento: 6 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Esteves Sem Metafisica – “de.bu.te.”

RESENHA: Projeto da escritora portuguesa Teresa Esteves da Fonseca, o Esteves Sem Metafísica estreia com um belo disco de art rock, folk e ecos de Beatles, Stereolab e Bowie.
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Com nome tirado de um verso do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), o Esteves Sem Metafísica é o projeto musical da escritora portuguesa Teresa Esteves da Fonseca. de.bu.te, primeiro álbum, faz lembrar às vezes vozes pouco lembradas, como as de Catherine Ribeiro – e tem uma referência enorme da fase final dos Beatles, em vários momentos. No geral, é um disco de art rock, com vocais que surgem como vento e peças sonoras delicadas, como Proposição, a folk e elaboreada Sóbria (que chega a lembrar Stereolab) e o jazz pop Dar-me de volta e Tenta, que unem noção musical beatle, soins franceses e música popular de Portugal.
Sons que vão encontrando seu próprio ritmo aparecem nos vocais de Não sei ter-te e na vibração celestial de Balada da debutante (que evoca David Bowie). Redenção abre com vocais bem cuidados e ritmo cigano, e ganha tom quase progressivo depois. No final, Montanha isolada vem quase silenciosa, com beleza folk e orquestral, e letra introspectiva. Uma estreia muito bonita.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: FlorCaveira
Lançamento: 20 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Diego Assuf – “Zunindo a gruta da hibernação”

RESENHA: Ritualístico e psicodélico, o solo de estreia de Diego Assuf mistura folk, MPB, sons mântricos e surrealismo à la Manduka, Lennon e Gismonti.
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O carioca Diego Assuf deixa claro qual é a dele logo no começo de seu primeiro disco solo, Zunindo a gruta da hibernação: sons ritualísticos, referências da psicodelia nordestina e de toda uma onda mântrica de voz e violão que muita gente fiicou conhecendo na era dos blogs de MP3 e do Rapidshare (lembra?). Nomes como Manduka – referência assumida, por sinal -, Hawkwind, Paulo Diniz e Paulo Bagunça, além da banda do disco-jogo Persona, emanam da sonoridade do disco.
Esse tom ritualístico surge logo nos dez minutos da faixa-título – que abre o álbum unindo sons acústicos de poucas notas, ruídos de mata e uma vibe lembrando os momentos calmos do King Crimson. Prossegue na música das matas de Hey searcher e invade também músicas como Chautauqua da nova vida (que lembra os voos instrumentais de Beto Guedes), o folk andino + samba montanhês de Se arrastando e o retropicalismo de Meu amigo Mario Carte.
Entre letras libertárias e alguns instrumentais, Zunindo é também o disco do blues folk Navio zen e da pianística Fim do meu ouvido, desconcertante a ponto de lembrar John Lennon, Arnaldo Baptista e Egberto Gismonti juntos nas teclas. Duas curiosidades no álbum: Hollywood, supostamente gravada ao vivo, traz Diego errando de propósito, tendo “brancos” no palco, e ganhando vaias e gritos de “toca Raul!”. E o forró psicodélico O meu sapato, com diálogos sampleados da pornochanchada sanguinária O cafetão, de Francisco Cavalcanti (1982). O tipo de disco que, se tivesse saído por um selo pequeno em 1971, teria virado raridade.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Paraíso Perdido
Lançamento: 4 de janeiro de 2025
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