Crítica
Ouvimos: Paris Texas, “MID AIR”

- O Paris Texas é uma dupla de hip hop alternativo de Los Angeles, formada por Louie Pastel e Felix. Os dois se conheceram na faculdade em 2013 e formaram a banda em 2018. Os dois soltaram o segundo álbum, MID AIR, em 21 de julho.
- A dupla é conhecida por seu material cru e politicamente incorreto, próximo do gangsta dos anos 1990 em alguns momentos. E também por fazer rap com influências de punk e heavy metal, em riffs e batidas.
- O nome relaciona-se com o filme de Wim Wenders, Paris, Texas, mas não foi necessariamente inspirado nele: “Nós apenas gostamos da ideia da justaposição maluca entre os dois lugares, porque estamos sempre fazendo duas coisas que realmente não coincidem culturalmente, ou a música que estávamos fazendo nunca se encaixava no que estava acontecendo”, teoriza Pastel.
Um amigo definiu o Paris Texas como uma “mistura de Death Grips com Wolf Gang”. Faz todo sentido: o novo álbum da dupla de hip hop alternativo de Los Angeles vai lá na união rap + hardcore + ruídos diversos da primeira banda e cai também para o som diversificado e alternativo do segundo grupo. O resultado é uma espécie de hip hop de horror, com storytelling denso e pesado, do tipo que não mascara realidades em favor de nada.
E olha que a dupla abre MID AIR com uma faixa, tenTHIRTYseven, que esconde as intenções hip hop sob uma sonoridade meio punk meio eletrônica. Split screen e DnD são mais explícitas, sendo que a segunda abre com uma guitarra meio grunge. As letras viajam em torno de sexo, sexismo, drogas (em praticamente todas as faixas), comentários arrasa-quarteirão sobre o universo do showbusiness e todas as desilusões do dia a dia (“foda-se toda essa merda de rock, meu mano”, em DnD, e “a música em que eu investi, eles não querem ouvir essa merda”, em Closed caption), misturados com o rolé das ruas. Quem curte Odd Future e Kid Cudi tem chances de curtir o Paris Texas, por exemplo, embora o conceito seja bem diferente.
O conceito de hip hop do Paris Texas é sombrio, e provoca confusões e distorções na cabeça do ouvinte – só encare se você ouvir todas as faixas como se fossem um filme violento e realista. O som relaciona-se direto com uma releitura mais moderna e eletrônica do soul psicodélico do Funkadelic (as vozes distorcidas de Closed caption soam como os momentos mais malucos de Free your mind and your ass will follow). PANIC!!! é uma porrada punk-hip-hop com final abrupto, que dá vontade de conferir ao vivo. A destrutiva Bulletman soa como uma espécie de rap stoner, com seu riff distorcido intermitente e seus ruídos de tiros de videogame. NüWhip é rap metal com mais queda para o primeiro estilo do que para o segundo – mas sustentado por um riff que soa quase garageiro e distorcido.
Entre as curiosidades absolutas, Everybody’s safe until…, soando como um Outkast sombrio, mas com baixo e riff de guitarra lembrando Pixies. Ain’t no high fala de overdoses, tristezas e humilhações, num clima que, até a metade, lembra uma balada do T. Rex. Earth-2 soa como se o Black Sabbath fizesse hip hop. E por acaso, já que Lana Del Rey tem uma música chamada Paris, Texas, o Paris Texas tem uma música chamada… Lana Del Rey, com letra impublicável de tão violenta, e argamassa punk-psicodélica. Ousadia sem alegria, e um tapa na cara.
Gravadora: Paris Texas LLC
Nota: 8
Foto: Reprodução da capa do álbum
Crítica
Ouvimos: Chloe Slater, “Love me, please”

- Love me, please, é o segundo EP da cantora inglesa Chloe Slater. O primeiro EP, You can’t put a price on fun, saiu ano passado (e foi resenhado pela gente aqui).
- “Acho que muitas pessoas acham que sou controversa ou algo assim, mas meu ponto de vista é que todos merecem ser amados, ter direitos e existir no mundo. Acho que essa é uma crença bem básica de direitos humanos, mas muitas pessoas discordam”, disse recentemente à New Musical Express, quando foi capa da publicação.
- Recentemente, Chloe chamou a atenção a ponto de pular dos pequenos shows em Manchester (onde ela nasceu) para o status de ato de abertura do Kings Of Leon em uma arena em Colônia, e para tocar no palco BBC Introducing de Glastonbury (foi sua primeira experiência em um festival, aliás).
O momento é de Chloe Slater, e nada parece capaz de deter isso. Já perfilada em duas extensas reportagens do New Musical Express — a mais recente, inclusive, como matéria de capa —, a artista volta com Love me, please, um EP mais direto e afiado do que You can’t put a price on fun, sua estreia no ano passado.
A música de Chloe transita por um rock acessível e imediato, especialmente para as novas gerações. Ecos de Paramore e Wet Leg surgem aqui e ali, mas, desta vez, até um primo mais comercial do Sonic Youth dá as caras. É o caso de Sucker, um pós-punk debochado de vocais quase falados, onde ela mira neofascistas e adoradores de Trump e similares: “Não serei uma otária pelo sonho americano/não mentirei para fazer você ficar/e se eu conseguir, então não vou endireitar meus dentes (…)/como é saber que seus milhões podem alimentar uma tonelada?”.
Como o próprio título sugere, Love me, please também cutuca a indústria da fama e a maneira como alguns artistas são lançados. Em Tiny screens, um cruzamento entre Blondie, Paramore e uma estética ruidosa, Chloe descarta o mundo de algoritmos, celebridades vazias e estrelas fabricadas. Já Fig tree molda a servidão ao patriarcado na indústria da música, sobre uma base que flutua entre o pós-punk e o pós-grunge.
We’re not the same injeta micropontos de metal no indie rock enquanto a letra ironiza artistas sem cultura e sem informação: “Ah, então você gosta de Tarantino?/Eu nunca assisti a esse filme/Como é que se chama mesmo?/A garota com o sangramento nasal na parede do seu quarto”. No desfecho do EP, o quase dream pop de Imposter aborda a insegurança da síndrome do impostor — aquele medo silencioso que muitos escondem. Love me, please consolida Chloe Slater como uma voz afiada e impossível de ignorar.
Nota: 9
Gravadora: Stoler Juice/AWAL
Lançamento: 4 de fevereiro de 2025
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Crítica
Ouvimos: Circa Waves, “Death & love, pt.1”

- Death & love, pt.1 é o sexto álbum da banda britânica Circa Waves. O grupo é formado por Kieran Shudall (voz e guitarra), Joe Falconer (guitarra solo, piano, backings), Sam Rourke (baixo, teclados, backing vocals) e Colin Jones (bateria).
- “Os problemas que eu tinha com meu coração mudaram completamente minha perspectiva de vida… abalou meu mundo e o mundo da minha família, é claro. Eu fui de pensar merda, vou morrer, para encontrar o que eu descreveria como uma nova chance de vida. Eu ainda não consigo superar o quão sortudo eu sou de ainda estar aqui”, disse Kieran ao site Boot Music.
Poderia ter sido o melhor disco do Circa Waves, mas a banda não colaborou lá muito. Marcado pelos problemas pessoais do vocalista Kieran Shudall – que fez uma operação cardíaca em 2023 e ficou entre a vida e a morte – Death & love pt. 1 é aquele típico disco legalzinho, que não compromete tanto, mas que poderia ter saído bem melhor. O Circa Waves volta “lembrando” uma série de grupos, mas sem conseguir usar uma cola própria para unir tantas referências e “recados” que pulam de uma faixa para a outra.
Vá lá que o disco abre com uma faixa boa: American dream abre em clima Pixies, com base seca de guitarra, e vai ganhando uma base mais próxima do indie rock dos anos 2000 – já a letra, feita provavelmente bem antes dos Estados Unidos embarcarem sem disfarce na escrotidão política, reflete a chegada de um jovem inglês a Nova York, com versos como “então eu caminho pelo Central Park/tentando encontrar meus pés, mas a rua ficou escura/e eu vi coisas que você nunca viu/oh, eu sou um garoto inglês com um sonho americano”, sem sombra de ironia. Like you did before traz Kieran botando em melodia os pensamentos da internação (“neste quarto escuro, estou subjugado/estou confuso, clamando por ajuda”) numa música que parece uma mescla de Harry Styles e Strokes – mas parece com canções pouco inspiradas de ambos, vale dizer.
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We made it caminha por um terreno perigoso: soa como uma mescla do indie rock norte-americano dos anos 2000 com a época em que bandas como Snow Patrol e Coldplay eram boas. Um certo tom dramático no estilo das bandas emo chega perto do grupo em Le Bateau, e um clima meio batido de rock de pista toma conta de Everything changed, cuja letra é relato bem fiel das mudanças na vida do vocalista (“eu sei que você queria que as coisas permanecessem as mesmas/bem, querida, tudo mudou, tudo mudou”). A bacaninha Hold it steady reza na cartilha do pop adulto oitentista.
No entanto, é no final do disco que se encontra uma faixa que deveria servir de modelo para o Circa Waves: Bad guys always wins tem lá seus cruzamentos com o som do The Jam, com um tom bittersweet no fim. A letra mistura dores de corno e recomeços (“e às vezes é difícil quando você se sente excluído/e você acha que pode ser deixado para trás/apenas prenda a respiração e vá devagar/linha por linha”). Vale louvar a capacidade do Circa Waves de explorar coisas diferentes, mas é para aguardar a parte 2 desse disco (sim, tem uma parte 2) na esperança de inspirações melhores.
Nota: 6,5
Gravadora: Lower Third/PIAS
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: FACS, “Wish defense”

- Wish defense é o sexto álbum da banda norte-americana FACS. Acabou sendo o último disco produzido por Steve Albini. O engenheiro de som Sanford Parker pegou o trabalho depois que ele morreu.
- Hoje na formação do grupo estão Brian Case (guitarra, voz, teclados), Noah Leger (bateria e percussão) e Jonathan Van Herik (baixo, violão e baixo de seis cordas). Jonathan, que era um integrante original do grupo, voltou após a saída da baixista Alianna Kalaba.
- “Todo esse álbum é sobre a ideia de um duplo, ou um doppelgänger. Como você se apresenta e quem você realmente é. Eu li Doppelgänger: A trip into the mirror world, de Naomi Klein, e fiquei fascinado por como o deslizamento para o mundo digital cria espaço suficiente entre fatos/realidade para que as pessoas parem de ser críticas, apesar das evidências em contrário, e apenas aceitem o que está na tela”, contou Case ao site Birthday Cake Breakfast.
Wish defense, sexto álbum do FACS, trio ruidoso de Chicago, foi feito para gerar tensão — aquele tipo de som que mantém os instintos aguçados, à espera de uma explosão que pode ou não acontecer. Para começar, o disco foi produzido por um mestre nessa arte: Steve Albini, que “gravou” a banda durante dois dias em seu estúdio. O resultado acabou sendo o último álbum produzido por ele (morto em maio do ano passado). E, ouvido em perspectiva, soa como um testamento das habilidades de Albini na captação de bandas ao vivo. As guitarras e os pratos da bateria, por vezes, parecem até suar frio.
Poeticamente, todas as faixas exploram a ideia do duplo — “como você se apresenta e quem você realmente é”, diz o guitarrista e vocalista Brian Case. Musicalmente, Wish defense dialoga com referências como Killing Joke, Public Image Ltd e Wire. As experimentações rítmicas lembram as obsessões de John Lydon na época de Metal box (1979, segundo disco do Public Image), enquanto os vocais blasés e ríspidos ecoam tanto Lydon quanto Jaz Coleman (KJ). Já o clima cáustico dos arranjos remete à primeira fase do Wire.
O baixo pulsante e as guitarras estridentes de Talking haunted chamam atenção logo de cara. Ordinary voices surpreende com um clima samba-hard, onde bateria e chocalho se entrelaçam. O math rock aparece nas quebradiças Wish defense e Desire path — esta última com um quê de Fugazi. O trio chega perto de um samba-jazz do demônio em A room e equilibra peso e beleza na ótima Sometimes only, que gira em torno de um riff circular e uma batida hipnótica. No final, um tom mais “normal” de pós-punk surge em You future, sustentado por um riff de guitarra que constrói a melodia. Um disco feito de sombras e choques.
Nota: 8,5
Gravadora: Trouble In Mind
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025
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