Crítica
Ouvimos: Olly Alexander, “Polari”

O polari, uma linguagem usada por gays ingleses desde o século 19, surgiu como uma forma de proteção, permitindo que conversas permanecessem incompreensíveis para não-gays – especialmente policiais, em época de repressão extrema na Inglaterra. Volta e meia explorado na cultura pop, o polari ajudou a batizar, por exemplo, Bona drag (1990), uma coletânea de singles de Morrissey, além do single Piccadilly palare. O nome da gravadora britânica Rough Trade também remete ao polari—”trabalho duro” era uma gíria gay para sexo com conotação violenta, seja física ou psicológica.
Polari é também o nome da estreia solo do britânico Olly Alexander, ex-integrante da banda de synth pop Years & Years. Um disco que já estava sendo esperado há tempos, já que Olly destacou-se como ator na série It’s a sin, fez uma aparição no Brit Awards de 2021, e o Years & Years vinha se desintegrando aos poucos, a ponto do irregular Night call (2022), último álbum da banda, já ser um disco solo de Alexander usando o nome da banda.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
E aí sai Polari, um disco que basicamente vai da house music mais comercial ao orgulho indie em poucos minutos – passando por synth pop, pós-disco, sons que lembram o Human League trevoso do começo, e coisas dançantes que poderiam estar no “só as melhores da Jovem Pan”. Uma variedade que descamba para a mesma irregularidade de Night call em alguns momentos – especialmente quando você espera que venha algo diferente musicalmente e surge uma dance music que poderia ter sido lançada em 1999, como em When we kiss ou Archangel. Ou até Dizzy, a “primeira música solo” de Olly, que soa tão próxima ao universo dos Pet Shop Boys que poderia facilmente ser uma demo rejeitada da dupla.
Polari, no entanto, não segue essa linha o tempo todo, reservando surpresas ao longo do caminho. A faixa-título traz rajadas vibrantes de synth, enquanto Cupid’s bow aposta em uma house music robusta. Heal you se destaca como um hino de identificação e apoio mútuo, com versos como “todo mundo deve ser ouvido / não, não negue o que você sente / apenas deixe-se curar”. Já I know e Make me a man mergulham em um clima oitentista, sendo que esta última combina a energia de Michael Jackson com a sonoridade do Erasure. Não por acaso, Vince Clarke, do lendário duo synthpop, participa da faixa coescrevendo, tocando violão e assinando a programação de bateria.
Com uma voz que remete fortemente a Michael Jackson, Olly também explora um lado mais sério do pop adulto. Isso transparece em faixas ótimas como Shadow of love, Miss you so much – que evoca o som de bandas como Kajagoogoo – e Whisper in the waves, uma faixa etérea e ambient, com synths que voam nos ouvidos, e clima lembrando Sade Adu. O final traz o indie pop com argamassa oitentista de Language. Somando tudo, Polari ganha (muitos) pontos quando passa longe do trivial, e merece destaque pelo resgate de um tema socialmente (e humanitariamente) importante.
Nota: 8
Gravadora: Polydor
Lançamento: 7 de fevereiro de 2025.
Crítica
Ouvimos: Nyron Higor, “Nyron Higor”

Nyron Higor é um cantor e compositor de Maceió que já havia estreado com Fio de lâmina (2022), álbum de jazz-MPB de quarto, feito em casa, e sem nenhum planejamento além do “oba, tenho um disco!”. Nyron Higor, segundo álbum, é praticamente sua estreia, já que tem aparecido em sites de resenhas, ganhou um esquema de turnês, como se não bastasse, tem lançamento internacional – sai pelo selo inglês Far Out Recordings.
Ainda que a sonoridade pareça música brasileira bedroom em alguns momentos, não se trata de um registro caseiro – Bruno Berle e Batata Boy produziram o trabalho e ajudaram a fazer de Nyron Higor um disco que, em sua maior parte, poderia ter saído do estúdio da Odeon nos anos 1970. Uma MPB ligada no jazz, em climas baileiros e em percussões contemplativas. Tudo isso aí junto forma o cerne de faixas como Ciranda, Louro cantador (com violão, baixo e órgão na frente, ruídos de mata que remetem a Naná Vasconcellos e uma vibe Ed Lincoln) e Estou pensando em você.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Esta última, por acaso, é trilhada numa espécie de futurismo passadista, ou passadismo futurista – soa como se Johnny Alf, João Donato e Marcos Valle, lá por 1973, já tivessem acesso a uma tecnologia que ninguém tinha ainda. Essa linha do tempo esticada na frente do ouvinte é a cara de faixas como Demo love, que insinua algo moderno e setentista, simultaneamente). Ou São só palavras – mais MPB estilo Odeon, mas com micropontos de funk e trap, vocal com autotune, e participação de Berle e da cantora Alici. E Maravilhamento, repleta de magia nos teclados, e com uma musicalidade que poderia ter sido tramada pelo Som Imaginário.
Curiosamente, o/a ouvinte de Nyron Higor é devolvido para a contemporaneidade conforme o álbum vai seguindo, graças ao boogie sombrio de Som 24, a vinheta de baixo e teclados Pizzicato e a balada de violão Eu te amo – que lembra o conterrâneo músico mais ilustre de Nyron (Djavan) e poderia até entrar numa trilha de novela. No fim, a beleza de Me vestir de você, uma balada pop-MPB oitentista, com piano Rhodes e tom contemplativo e calmo. Ouça tudo várias vezes, porque há muito para descobrir neste disco.
Nota: 10
Gravadora: Far Out Recordings.
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: The Main Squeeze, “Panorama”

Não adianta: seja lá em que época a gente viver, sempre vai surgir uma banda com “squeeze” no nome, seja com intenções sacanas – já que a palavra tem conotações masturbatórias – ou não. O quinteto de Los Angeles The Main Squeeze parece ter adotado a expressão idiomática no sentido de “par ideal”, “abraço apertado” ou algo assim.
Faz sentido, porque a música do Main Squeeze, especialmente no novo álbum, Panorama, envolve o ouvinte como um abraço, misturando rock, psicodelia, soul, jazz, funk, hip-hop e toques latinos. Tudo isso com um clima “antigo” de gravação e composição, como se fosse uma joia esquecida do passado esperando para ser redescoberta. Muita gente, ao ouvir o som da banda, vai lembrar da pegada meio lounge, meio trilheira do Khruangbin – o que faz ainda mais sentido, já que são duas bandas olhando para o futuro sem esquecer do passado.
- Apoie a gente e mantenha nosso trabalho (site, podcast e futuros projetos) funcionando diariamente.
Panorama tem r&b setentista feito por quem viveu intensamente os anos 1990 e 2000 (It’s no wonder, com vocais que lembram solos de orquestra), soul com um toque sutil de reggae (Endorphins, onde as guitarras roqueiras e o uso criativo do eco dão peso à faixa) e um equilíbrio interessante entre rock setentista e o soul da mesma época, no estilo de Diana Ross e Marvin Gaye, como na excelente Wild cheetah e na pinkfloydiana Wildest dreams.
No meio do álbum, aparecem ainda Don’t wanna wait, um blues lento guiado pelos teclados e com ecos de Soundgarden nos solos de guitarra, e Get in where you fit in, um funk-reggae-soul à la Rufus & Chaka Khan que, de repente, ganha um refrão heroico de hard rock. Acid blues é pura psicodelia blues-rock, daquelas músicas que parecem seguir tranquilas, mas podem explodir a qualquer momento. Já Laurelwood, um soul viajante, faz lembrar o hit instrumental Voo sobre o horizonte, do Azymuth, só que com um leve toque de synth pop.
O disco fecha com uma carta na manga: Take me out, hit do Franz Ferdinand, reaparece transformado em um soul envolvente e atmosférico, onde o riff original de guitarra é recriado e os vocais, e os vocais ganham uma vibe “malemolente” que inexistia no original, e a música inteira pulsa com um balanço redondo e impossível de ignorar. Um desfecho que resume bem Panorama: um passeio por diferentes estilos, sempre com identidade própria.
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 9 de janeiro de 2025
Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?