Crítica
Ouvimos: Lilly Hiatt, “Forever”

- Forever é o sexto disco da cantora norte-americana Lilly Hiatt, que é filha do cantor e compositor John Hiatt, e é também formada em psicologia.
- “Este foi um disco que foi escrito e gravado uma faixa de cada vez com meu marido Coley. Depois de descartar cerca de 20 músicas que escrevi nos últimos anos, eu queria chegar ao cerne das coisas”, conta ela no texto de lançamento.
- “Tive uma ótima conversa com uma amiga no telefone e ela mencionou que não tinha certeza de onde eu estava. Percebi que também não tinha certeza disso. Foram alguns anos nebulosos depois de 2020, e as peças pareciam estar apenas começando a ser reunidas. Eu me apaixonei, me casei, tive um cachorro, uma casa… coisas com as quais sempre sonhei”, continua ela, dizendo que demorou ate aceitar que estava preparada para sua nova vida. “O tempo está voando, e eu quero estar aqui para tudo, em vez de ficar perdida em meus pensamentos o tempo todo. Meu amor é para sempre”, finaliza.
Lilly Hiatt é filha de John Hiatt, um veterano da música estadunidense cuja carreira atravessa décadas e estilos — do country à new wave, passando por yacht rock, blues e o rock revisionista dos anos 1970. Do pai, herdou a disposição para explorar novos caminhos. E da geração que revelou o pai, ela absorveu, quase por osmose, a vibe dos roqueiros que, não importa para onde sigam, carregam com orgulho suas raízes e tudo o que elas representam.
Daí que, equilibrada entre o country e o alt-country em álbuns anteriores, em Forever, ela retorna partindo para o garage rock, e até para sonoridades aparentadas do grunge em alguns momentos – sem deixar de lado a argamassa country. O disco, bem conciso (29 minutos), abre com Hidden day, rock indie-blues, com certa psicodelia misturada lá. Shouldn’t be, por sua vez, é rock de festa, com algo glam misturado, já que é um boogie que poderia ser uma releitura do T Rex. Ghost é um rock que consegue apontar simultaneamente para o country e para o punk. Os vocais de Lilly parecem ser feitos num megafone, com bastante eco.
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O disco novo de Lilly, por sinal, é um disco bastante alegre, quase sem melancolia, em que ela fala sobre dia a dia pessoal, vida amorosa, realização musical e até sobre um “dia secreto” da semana, entre quinta e sexta (“para esta porra de semana/é onde eles guardam o dia escondido/não conte aos seus amigos/guarde para si mesmo”, canta na já citada Hidden day, deixando certa dúvida sobre porque diabos ela não localizou o tal dia no fim de semana). Trabalhando ao lado do marido, o músico de Nashville Coley Hinson, ela reflete sobre o que deve perdurar para sempre na faixa-título — que, liricamente, se torna a peça central do álbum.
Musicalmente, Forever é mais representado pelo revisionismo anos 1960/1970 de Somewhere (uma canção que poderia estar no repertório de Warren Zevon ou Tom Petty), pelo baladão country romântico de Man, pela neopsicodelia oitentista de Evelyn’s house e pela balada Thoughts. Muito embora haja bastante variedade no álbum, cabendo um paredão de guitarras e distorções na faixa-título, e vibes herdadas de David Bowie em Kwik-E-Mart, uma canção sobre a felicidade que existe nas coisas simples. E Forever conquista justamente pela pureza e pela sinceridade em que investe.
Nota: 8
Gravadora: New West Records
Lançamento: 31 de janeiro de 2025
Crítica
Ouvimos: Nova Twins – “Parasites & butterflies”

RESENHA: No terceiro álbum Parasites & butterflies, Nova Twins misturam rap-metal, r&b e peso noventista em faixas cheias de atitude.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Marshall Records
Lançamento: 29 de agosto de 2025.
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Tem quem já tenha falado que Nova Twins é a mistura perfeita de Spice Girls e Rage Against The Machine – até faz sentido, mas o lance ali é mais assustador que essa combinação, em termos de norte atitudinal e peso musical. No terceiro álbum, Parasites & butterflies, há uma combinação de beleza e susto no título, e uma receita sonora própria do metalcore em faixas como Glory, Piranha e Parallel universe, além do jungle de Drip.
- Ouvimos: The New Eves – The New Eve is rising
Aliás, quase todo o disco é baseado numa receita certeira de rap-metal para rodas de pogo. Que rende também proximidades com o r&b nas ótimas Soprano (pop do mal, pesado e distorcido, que lembra o peso dos anos 1990), Monster e Sandman. Ou em Hide & seek, um dos raros momentos não tão interessantes do álbum, marcada pelo empoderamento e pelos versos espertos na letra (“você não pode me pegar / eu corro, você me segue”).
Das experimentações realizadas por Amy Love e Georgia South, as que mais chamam a atenção são a vibe Body Count de N.O.V.A., o metal-gospel de Hummingbird (a melhor do disco) e a auto-homenagem do funk-house-metal Black roses. Tudo é feito com tanta personalidade que em vários momentos de Parasites & butterflies, as duas poderiam descambar para o nu-metal ou algo parecido. Acaba não rolando porque, no rolé das Nova Twins, só vale peso quando tem memória e balanço. Felizmente.
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Crítica
Ouvimos: David Byrne – “Who is the sky?”

RESENHA: David Byrne lança Who is the sky?, disco irregular mas envolvente, entre boas histórias, ecos de XTC e Beatles e momentos de otimismo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Matador
Lançamento: 5 de setembro de 2025
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Falando em primeira pessoa: tive sentimentos conflitantes ouvindo este Who is the sky?, novo disco de David Byrne gravado ao lado da Ghost Train Orchestra. Vi isso consultando minhas anotações (sim, eu ouço discos anotando, à mão). Por exemplo: não pude deixar de exclamar um animado “caralho, que foda isso!” ao lado de I met the Buddah at a downtown party, uma canção bonitinha que Byrne fez contando a história de um sujeito que viu Buda cometendo excessos numa festa.
David Byrne sempre foi bom contando histórias, desde o comecinho dos Talking Heads – e sempre foi bom em achar o melhor caminho para fazer com que elas chegassem ao público. Só que lá pelas tantas bateu um certo ranço: será que Who is the the sky? é tudo isso aí mesmo? E o “pensa bem” veio acompanhado de algumas constatações. Uma delas é a de que mesmo o que há de bom em Who is the sky? soa meio repetido: Byrne parece ter se inspirado MUITO em Day in, day out, do XTC, para fazer When we are singing, e juntou elementos de She’s leaving home, dos Beatles, em A door called no. O tipo de coisa que você talvez desculparia no Oasis, mas aqui não rola.
Tem as letras: Who is the sky?, na real, varia entre o otimismo e o papo de coach. Isso rola quando Byrne fala sobre as portas fechadas da vida (A door called no), sobre como a criatividade das pessoas vai sendo podada (Don’t be like that) e até sobre como as paredes de um apartamento podem contar histórias (My apartment is my friend). Na real, fica até a expectativa de que Byrne aprofunde o discurso de boa parte dessas letras em algum outro canto – numa entrevista, numa newsletter, ou sei lá o quê – porque são histórias que, ao jogarem a bola para o/a ouvinte concluir, soam incompletas. Aliás, essa incompletude é comum a vários discos de Byrne, com boas ideias que atiram para vários lados.
- Ouvimos: The Who – Live at The Oval 1971
Como artista solo, Byrne nunca perdeu a vibe maníaca que ele desenvolveu na época dos Talking Heads – uma coisa de brincar com os próprios sentimentos, sensações e constrangimentos, e jogar tudo nas músicas. É o que surge na vibe comemorativa de Everybody laughs, e também nas lembranças de Beatles e Wings de When we are singing e The avant garde. O ragga The truth mexe numa ferida aberta universal (“a verdade é a última coisa que um homem quer ouvir”, diz a letra) e acaba deixando o otimismo de lado para bater forte. Tem ainda o folk beatle-beachboy She explain things to me e a latinesca What’s the reason for it? (com Hayley Williams), que mantêm o astral do disco – e funcionam bem.
Byrne é sempre um bom encantador de serpentes: você passa até por cima das falhas de Who is the sky?, e de um certo ranço pessoal com a figura proeminente-àààà-beça dele, porque fica bem difícil resistir a um disco que, em 2025, tem evocações do XTC. Ou porque o clima pastoril de algumas músicas acaba ganhando. E isso tudo, ainda que você estivesse esperando ver alguma estrutura sendo abalada com um disco novo dele – aliás, vale citar que o próprio Byrne, no release de lançamento, explica que o principal assunto de Who is the sky?, é ele próprio, suas circunstâncias e trabalhos colaborativos.
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Crítica
Ouvimos: Mateo – “Neurodivergente”

RESENHA: Em Neurodivergente, Mateo (ex Francisco El Hombre) estreia solo com coragem, misturando pop latino, rock e dores pessoais em canções intensas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Dorsal Lab
Lançamento: 7 de julho de 2025.
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Um dos fundadores da banda Francisco El Hombre, o mexicano naturalizado brasileiro Mateo Piracés-Ugarte estreia solo com Neurodivergente pegando em fios pessoais de altíssima tensão. O músico convive com o diagnóstico de bipolaridade tipo 1, depressão e traços de borderline, além de ser adicto em recuperação, e jogou toda essa vivência nas letras do álbum. Foi preciso bastante coragem para expor vulnerabilidades, problemas pessoais e golpes da vida – como ele próprio confessou em entrevista à revista Noize. Tanto que, analisando bem, Neurodivergente é um disco depressivo cuja elaboração passou por certos filtros para que os gatilhos fossem mais leves, e que o contato com a própria dor de Mateo fosse mais atenuado.
- Ouvimos: La Dispute – No one was driving the car
- Ouvimos: Bella e o Olmo da Bruxa – Afeto e outros esportes de contato
Assim, até mesmo uma autoconfessa carta de suicídio, Ato final, soa inicialmente apenas como uma canção bastante dramática e eletrônica, com ritmo dado pelos samples de voz – até que a ficha cai. Neurodivergente prossegue numa onda que mistura rock, pop latino, eletrônicos e tons da música brasileira, como no desespero de É o que é (“o que foi já não voltará a ser, eu sei”), nas respirações e tosses da acústica Una vez más e na rotina desgastada do pop cabisbaixo de Apenas mais um triste.
O pop latino e intenso La insanidad é o walk on the wild side do disco, com Mateo narrando o tempo em que circulou na cracolândia paulistana e viu de tudo um pouco. “A insanidade / é uma arma para sobreviver ao medo”, canta, falando de um sentimento mais do que conhecido até de quem nunca pisou no redutos de drogas das grandes cidades. Me salva (Por solo un minuto), um pedido de ajuda musicado, tem muito do calor do rock argentino. No final, a vibe emo-pop-gospel de Querida, música de superação falando em depressões, bipolaridades e tudo o que vem junto.
***
Neste sábado (4), Mateo lança Neurodivergente no Armazém do Campo (Alameda Nothmann 806, Campos Elíseos, São Paulo), às 16h. Além do show, vai rolar um bate-papo sobre saúde mental com a psicóloga Mari Pontes, da rede CAPS e do projeto Nós na Rede. “O evento é gratuito e traz uma proposta que vai além da música: aproximar arte e saúde mental em um espaço de diálogo aberto”, diz o release.
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