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Crítica

Ouvimos: Ian Ramil, “Tetein”

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Ouvimos: Ian Ramil, "Tetein"
  • Tetein é o terceiro disco de Ian Ramil, lançado nada menos que oito anos após o segundo – Derivacivilização (2015). O disco vem repleto de vivências de Ian como pai (de Nina, que ganha uma Cantiga de Nina em duas versões no álbum) unidas a um ou outro comentário sobre política (Macho-rey, que fala em gente “que adora piada de negro e gay”).
  • Além de Cantiga de Nina, músicas como O bichinho e Tetein também foram inspiradas na filha – cuja voz aparece em alguns momentos do disco, como na Canção do Chapeuzinho Vermelho.
  • “Ao mesmo tempo que eu estou vivendo esse mundo infantil, tem um outro mundo que segue acontecendo. E é o mundo que está esperando ela e que me perturba muito. Não virou tudo um mar de rosas, não me tornei o homem perfeito, na família perfeita, e agora tudo é lindo. Não consigo, como artista, como ser humano, não prestar atenção nas coisas que também estão acontecendo enquanto eu estou vivendo essa magia da paternidade, da vida em família, que é tão bonita por um lado, mas que também tem as suas dificuldades internas”, disse Ian num papo com a Noize.

Tetein é sofisticado musicalmente e engajado politicamente nas letras – mesmo quando fala de sensações e vivências pessoais. O terceiro álbum de Ian Ramil, o mais delicado e experimental de sua discografia, parte da MPB com base em folk, com discretos tons eletrônicos e orquestrais, para chegar a um som quase cinematográfico – como se letra, melodia, voz e arranjo viessem combinados para que o ouvinte possa ver o disco, mais do que apenas ouvir. Da mesma forma, fala de assuntos como o conservadorismo e o neo-fascismo (Macho-rey) e as tramas do vil metal (a orquestral Lego efeito manada) como se fossem fábulas, ou roteiros de histórias em quadrinhos.

Somos convidados a acompanhar o dia a dia de Ian e sua filha Nina na faixa título do álbum. Por sinal, uma convite também a observar que o velho tema da “realização pessoal” pode apontar para outros tipos de realizações, mais mágicas e íntimas (“nada de fake/foda-se o like/intimidade é bem maior”, diz a letra). O universo caseiro de Ian traz Nina tocando piano na popular Canção do Chapeuzinho Vermelho, além da Cantiga de Nina, um choro feito para a filha, lembrando a cappella que “toda hora é de brincar/todo dia pra correr”. Músicas como O homem-bomba e Palavras-vão, por sua vez, mostram um lado de tentativa e erro do disco, de poesia quase concreta em letra e música.

A bela O mundo é meu país soa quase como uma MPB-britpop, com arranjo de orquestra e tom beatle, apontando para a partilha entre a casa e a rua, o dia a dia familiar e o “mundo lá fora”. “Toda história é minha história/todo lado é de cá”, diz a letra. O bichinho e Teletransporte são duas músicas que estabelecem diálogos: a primeira com o convívio familiar atual de Ian, a segunda com o dia a dia familiar na infância, em 1996, numa linguagem em que parentes já mortos e sensações de três décadas atrás quase podem ser tocadas e sentidas novamente. Para ouvir de fone e apreciar o tom quase pop-barroco das faixas.

Gravadora: Tratore
Nota: 8

Foto: Carine Wallauer/Divulgação

Ricardo Schott é jornalista, radialista, editor e principal colaborador do POP FANTASMA.

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Crítica

Ouvimos: Finn Wolfhard – “Happy birthday”

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Finn Wolfhard estreia solo com lo-fi torto, entre Lemon Twigs e Weatherday, misturando barulho, charme retrô e zoeira pop.

RESENHA: Finn Wolfhard estreia solo com lo-fi torto, entre Lemon Twigs e Weatherday, misturando barulho, charme retrô e zoeira pop.

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Finn Wolfhard, o Mike Wheeler da série Stranger things, faz – quem diria – música do mesmo mundo invertido do qual seu personagem é frequentador. Seu primeiro disco solo, Happy birthday, é lo-fi purinho, e tem mais cara de mixtape do que de álbum. O volume de experimentações por faixa determina a colocação de Happy birthday numa esquina entre a beleza 60’s 70’s dos Lemon Twigs e a zoeira de estúdio do Weatherday. A faixa-título abre o álbum entre ruídos na abertura e um clima Beach Boys fake, seguida pelo power pop de boas guitarras de Choose the latter, e pelos sons de transmissão que surgem no bubblegum Eat.

Finn contenta-se em soar verdadeiramente mais pop em Objection, balada que lembra bandas como Rapsberries e Badfinger. Mas Happy birthday aposta suas fichas também no slacker rock de Trailers after dark, na grungeira de Crown e em pelo menos três faixas – Everytown there’s a darling, You e Wait – tão grudentas quanto indies, lembrando as produções da gravadora K Records. Provável que os próximos discos de Finn já tragam um equilíbrio maior entre barulho e beleza – depende dele.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 7,5
Gravadora: Night Shift/AWAL
Lançamento: 6 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Esteves Sem Metafisica – “de.bu.te.”

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Projeto da escritora portuguesa Teresa Esteves da Fonseca, o Esteves Sem Metafísica estreia com um belo disco de art rock, folk e ecos de Beatles, Stereolab e Bowie.

RESENHA: Projeto da escritora portuguesa Teresa Esteves da Fonseca, o Esteves Sem Metafísica estreia com um belo disco de art rock, folk e ecos de Beatles, Stereolab e Bowie.

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Com nome tirado de um verso do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), o Esteves Sem Metafísica é o projeto musical da escritora portuguesa Teresa Esteves da Fonseca. de.bu.te, primeiro álbum, faz lembrar às vezes vozes pouco lembradas, como as de Catherine Ribeiro – e tem uma referência enorme da fase final dos Beatles, em vários momentos. No geral, é um disco de art rock, com vocais que surgem como vento e peças sonoras delicadas, como Proposição, a folk e elaboreada Sóbria (que chega a lembrar Stereolab) e o jazz pop Dar-me de volta e Tenta, que unem noção musical beatle, soins franceses e música popular de Portugal.

Sons que vão encontrando seu próprio ritmo aparecem nos vocais de Não sei ter-te e na vibração celestial de Balada da debutante (que evoca David Bowie). Redenção abre com vocais bem cuidados e ritmo cigano, e ganha tom quase progressivo depois. No final, Montanha isolada vem quase silenciosa, com beleza folk e orquestral, e letra introspectiva. Uma estreia muito bonita.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: FlorCaveira
Lançamento: 20 de junho de 2025

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Crítica

Ouvimos: Diego Assuf – “Zunindo a gruta da hibernação”

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Ritualístico e psicodélico, o solo de estreia de Diego Assuf mistura folk, MPB, sons mântricos e surrealismo à la Manduka, Lennon e Gismonti.

RESENHA: Ritualístico e psicodélico, o solo de estreia de Diego Assuf mistura folk, MPB, sons mântricos e surrealismo à la Manduka, Lennon e Gismonti.

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O carioca Diego Assuf deixa claro qual é a dele logo no começo de seu primeiro disco solo, Zunindo a gruta da hibernação: sons ritualísticos, referências da psicodelia nordestina e de toda uma onda mântrica de voz e violão que muita gente fiicou conhecendo na era dos blogs de MP3 e do Rapidshare (lembra?). Nomes como Manduka – referência assumida, por sinal -, Hawkwind, Paulo Diniz e Paulo Bagunça, além da banda do disco-jogo Persona, emanam da sonoridade do disco.

Esse tom ritualístico surge logo nos dez minutos da faixa-título – que abre o álbum unindo sons acústicos de poucas notas, ruídos de mata e uma vibe lembrando os momentos calmos do King Crimson. Prossegue na música das matas de Hey searcher e invade também músicas como Chautauqua da nova vida (que lembra os voos instrumentais de Beto Guedes), o folk andino + samba montanhês de Se arrastando e o retropicalismo de Meu amigo Mario Carte.

Entre letras libertárias e alguns instrumentais, Zunindo é também o disco do blues folk Navio zen e da pianística Fim do meu ouvido, desconcertante a ponto de lembrar John Lennon, Arnaldo Baptista e Egberto Gismonti juntos nas teclas. Duas curiosidades no álbum: Hollywood, supostamente gravada ao vivo, traz Diego errando de propósito, tendo “brancos” no palco, e ganhando vaias e gritos de “toca Raul!”. E o forró psicodélico O meu sapato, com diálogos sampleados da pornochanchada sanguinária O cafetão, de Francisco Cavalcanti (1982). O tipo de disco que, se tivesse saído por um selo pequeno em 1971, teria virado raridade.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Paraíso Perdido
Lançamento: 4 de janeiro de 2025

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