Crítica
Ouvimos: Helado Negro, “Phasor”

- Phasor é o oitavo disco do projeto norte-americano Helado Negro, criado pelo compositor, cantor, produtor e beatmaker Roberto Carlos Lange. Nascido na Flórida, Roberto é filho de imigrantes equatorianos, estudou arte digital e design de som, e quando adolescente, era fascinado pelo experimental (e maravilhoso) Liquid television, central de vídeos experimentais da MTV.
- Roberto (cujo nome, não dá pra negar, tem raízes brasileiras) tem, sim, influências de música latina. Mas rejeita estereótipos. “Muitas das coisas que minha família compartilhou comigo foram nostálgicas – mas também proporcionaram a compreensão de que os Estados Unidos não são o único lugar que faz música”, diz aqui.
- Roberto Carlos Lange já gravou seu xará mais famoso. O EP Pasajero (2010), lançado como um presente para seus pais, tem duas versões do LP em espanhol Canta a la juventud, lançado pelo Rei em 1965: Jurame e Rosita.
O som do Helado Negro é experimental e contemplativo – tem essa última característica até mesmo quando Roberto Carlos Lange (que é “o” Helado Negro, enfim) adota loops frenéticos e batidas mais dançantes. Ouvido de fone, parece um som dançante que não é feito para dançar, mas para ouvir com calma, prestando atenção nos vocais agudos e introvertidos, nas letras que dão uma noção de paraíso romântico (afinal, é o disco de I just want to wake up with you), nas melodias que parecem tanto herdeiras de Brian Eno e Kraftwerk quanto de Mutantes. Por acaso, os três surgem como lembrança no quase-samba eletrônico Out there e no folk misterioso de Flores.
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O principal não apenas de Phasor quanto de vários álbuns anteriores do Helado Negro é a disposição para criar um paraíso em que nada pode incomodar ou estressar o ouvinte. É o que surge no balanço dream pop de Best for you and me, na bossa folk eletro-acústica Colores del mar, no mantra Echo tricks me e no soul psicodélico Es una fantasia. A audição detalhada de Phasor revela até mais o compositor do que o beatmaker, com Lange escondendo surpresas nas melodias à moda de Arthur Verocai. Como cantor, tem um registro calmo que (olha só!) lembra às vezes um saudoso amigo de seu xará mais ilustre, Erasmo Carlos (Flores faz lembrar um pouco Minha gente, lado-B do Tremendão de 1972).
Em Phasor, Lange surge como um pesquisador monstruoso de música eletrônica. O álbum traz elementos musicais criados por ele quando tomou contato com a “máquina de composição” do Sal-Mar, sintetizador criado em 1969 e usado como material de pesquisa. Além disso, homenageia a compositora de música eletrônica e criadora do conceito de “deep listening” Pauline Oliveros na bela faixa de abertura, LFO (Lupe finds Oliveros). Uma chave de compreensão daquelas: Helado Negro abriu seu novo disco fazendo referência à audição profunda e concentrada, em tempos de faixas curtas, artistas lançados aos borbotões e royalties contados nas plataformas digitais.
Nota: 8
Gravadora: 4AD
Foto: Reprodução da capa do álbum.
Crítica
Ouvimos: Gabriel Ventura – “Pra me lembrar de insistir”

RESENHA: Gabriel Ventura mistura MPB, vibes grunge e climas experimentais em Pra me lembrar de insistir, disco ruidoso e inventivo feito pra ouvir com atenção.
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Músico fluminense, um dos fundadores da banda Ventre – que revelou também Larissa Conforto, do projeto musical Aiye, e Hugo Noguchi – Gabriel Ventura faz MPB com uma cara bem diversa em seu segundo disco solo, Pra me lembrar de insistir. Por mais que você consiga ver emanações de Milton Nascimento e até de Geraldo Azevedo no som de Gabriel, o principal ali é que se trata de um disco ruidoso, onde percussões e violões parecem ranger, e sons fantasmagóricos surgem por todo o lado.
Essa busca por um design sonoro menos formal acontece em todo o álbum – como em Lamber os dentes, no jazz silencioso de Acalento, na ambientação musical selvagem de Trovejar e no curioso drum’n bass orgânico de O que quiser de mim, que vai tendo modificações no ritmo e destaca justamente o som da bateria. O enfeite do não e do sim traz som percussivo e quase concretista, Toda canção soa quase esculpida em torno do violão – e muita coisa no álbum parece emanar uma MPB grunge, ou uma música brasileira que foi ouvir Caetano e Gil, mas não deixou de ouvir Velvet Underground e PJ Harvey.
Viagens sombrias aparecem também entre os rangidos de Cor de laranja, na estileira grunge-jazz-MPB de Fogos e na guitarra estilingada de Brusco. Pra me lembrar de insistir surge numa época em que fones são pequenos e plataformas achatam o som – mas soa como um disco da era do CD, em que havia aquela vontade de fotografar musicalmente o estúdio.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Balaclava
Lançamento: 6 de maio de 2025
Crítica
Ouvimos: Matthew Nowhere – “Crystal heights”

RESENHA: Matthew Nowhere homenageia os anos 1980 no álbum Crystal heights, com ecos de David Sylvian, Japan e Ultravox.
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Músico de San Francisco (CA), Matthew Nowhere não está muito preocupado em parecer inovador. Seu primeiro álbum, Crystal heights, é uma homenagem sincera à música dos anos 1980 e aos teclados da época. Também brinca com uma chuva de referências eletrônicas dos anos 1980, como o clima Jean Michel Jarre da vinheta Transmission, a evocação da fase tecnopop do Ultravox em Love is only what we are e da faixa-título, o clima sombrio e kraftwerkiano de Have you ever known, e a vibe de trilha de série do interlúdio Stellar enfoldment.
Crystal heights une várias vertentes tecladeiras da época, do mais pop ao mais experimental, passando pelo rock eletrônico. A elegância e o estilo de Transforming lembram David Sylvian e o Japan, enquanto Echoes still remain une climas tecnopop e ambient. Ruby shards tem violão e guitarra limpa, solar – remetendo ao disco Technique, do New Order (1989) – enquanto Everything’s true, mesmo com ritmo eletrônico demarcado, traz lembranças de Echo and The Bunnymen. Já Silver glass é uma curiosidade: uma espécie de tecnobrega cool, cuja melodia e arranjo lembram Peter Gabriel.
Persist3nce, no final do disco, é música eletrônica com pegada forte, mais próxima do hi-NRG, e clima de sonho darkwave dado pela participação da dupla de shoegaze voador Lunar Twin. Um momento em Crystal heights que traz memória e reinvenção misturadas.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8,5
Gravadora: Nowhere Sound
Lançamento: 23 de maio de 2025.
- Relembrando: Ultravox – Systems of romance (1978)
- A fase inicial do Ultravox no podcast do Pop Fantasma
- Ouvimos: Billy Nomates – Metalhorse
Crítica
Ouvimos: Krustáceos – “Bicho bruto” (EP)

RESENHA: Krustáceos estreia com o EP Bicho bruto, que mistura pós-punk, tecnopop e zoeira à la anos 1980 e 1990.
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Krustáceos é o codinome do produtor musical e trilheiro de cinema Pedro Sodré, e Bicho bruto é a estreia em EP do projeto. Um disco de seis faixas que faz um retorno bastante sincero não apenas na musicalidade dos anos 1980 como também no clima de vale-tudo musical e lírico da época. Boa parte do repertório, em letra e música, lembra direto Talking Heads e U2 – só que aí o U2 provocador do começo dos anos 1990, do disco Zooropa (1993). A faixa-título, que abre o disco, tem guitarra em tom funk e letra que inicia lembrando Numb, de Bono & cia.
Na sequência, o pós-punk e os teclados em vibe tecnopop de Kunk, a zoação com a onda de influencers na fantasmagórica Devora-me ou te decifro (“investe tempo em produção sem produzir o conhecimento”, diz a letra) e o tecnopop na cola da Orchestral Manoeuvres In The Dark – com ótima intervenção de metais no final – de E então as luzes… Já Amor aos litros tem algo de synthpop e algo de R.E.M,. e Não vai ser com medo tem jeito de hino pós-punk, mas com clima zoeiro.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Nous Music
Lançamento: 8 de maio de 2025
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