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Crítica

Ouvimos: Cloud Nothings, “Here and nowhere else (10th anniversary)”

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Cloud Nothings, "Here and nowhere else (10th anniversary)"

O Cloud Nothings, que lançou seu oitavo disco em 2024 (o bom Final summer, resenhado pela gente aqui) é um caso de banda que aponta para emo, pós-hardcore e noise-rock, e aparentemente conquista fãs em todos esses estilos – da pessoa que curte bandas mais experimentais, a quem gosta de sons mais, digamos, emocionantes. O grupo liderado por Dylan Baldi sempre teve a manha de explorar lados do ser humano que outros compositores e outras bandas jamais encarariam: traumas, misantropia, vontade de desaparecer, ataques de pânico, universos pessoais desabando. E aqueles momentos em que definitivamente ser o perdedor não tem charme nenhum.

Todos esses sentimentos estão envolvidos em Here and nowhere else, terceiro álbum do grupo, lançado originalmente num significativo primeiro de abril, dia da mentira, em 2014 – e que ganha agora edição comemorativa de dez anos. Antes desse álbum, o grupo havia lançado Attack on memory (2012), produzido por ninguém menos que Steve Albini. A ideia de Dylan (voz, guitarra), Jayson Gerycz (bateria) e TJ Duke (então baixista) era soar como uma banda “ao vivo” e aumentar a agressividade do som do grupo, conhecido por fazer refrãos bacanas e por soar mais próximo da união de punk e power pop. Albini disse ter mexido pouco no som da banda, mas conseguiu extrair um mini-craque do barulho do trio.

Para Here and nowhere else, o grupo convocou John Congleton como produtor, e permaneceu na mesma linha ruidosa do anterior – talvez até com mais direção, e com certeza com mais experiência. Críticas da época apontam que Dylan, especificamente, conseguia soar pop e acessível até quando berrava nas músicas, ou extraía ruídos da guitarra. Sim, e não apenas isso. Na real, o mundo do Cloud Nothings em seu terceiro álbum era duro e complexo de se identificar. O personagem de praticamente todas as letras deles em Here era um garoto que precisava de ajuda (terapêutica, principalmente) e era assombrado por fantasmas do passado. Era mais leve que o herói trágico de Zen arcade, disco conceitual do Hüsker Dü (coincidência ou não, lançado vinte anos antes, em 1984).

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Now here in, a faixa de abertura, foi feita por Dylan num violão, como um recado à uma namorada francesa – mas foge de toda e qualquer possibilidade de soar como música romântica, graças a versos como “eu posso sentir sua dor, e me sinto bem com isso”. Quieter today, sobre “pessoas que gostam de falar por falar”, é quase auto-explicativa – a letra soa como um recado de Dylan para si próprio (“ninguém quer ouvir todo mundo reclamar/se isso está me deixando louco/ninguém ouve, ninguém precisa”). Psychic trauma deprime qualquer um: “nunca serei curado, é difícil de explicar/trauma psíquico, retorna com a idade (…)/não acredito que o que você está me dizendo é verdade/minha mente está sendo desperdiçada ouvindo você”, intensidade musical entre berros e guitarradas.

Assim é o clima de Here, um disco que vai em poucos minutos (ou segundos) do punk a la Buzzcocks ao barulho melódico – e que apresenta até uma canção de mais de sete minutos, Pattern walks, sobre o retorno dos traumas, encerrada com uma torrente de peso e emoção. Uma música que Dylan considera como sendo muito positiva – numa entrevista da época, ele disse que antes, “sentia que ninguém gostava da banda, e eu estava fazendo isso por três anos”, e que tudo estava demorando demais para dar certo. Por outro lado, I’m not part of me, que encerra o disco, traz uma cláusula de melhora: “estou aprendendo a estar aqui e em nenhum outro lugar/como posso focar no que fazer sozinho”.

O material feroz e melódico de Here and nowhere else, no relançamento, é complementado por um CD extra, trazendo o repertório do disco gravado em dois shows de janeiro de 2015 – além de mixes diferentes de Giving into seeing e I’m not part of me. Fica bem claro que o Cloud Nothings conseguiu de verdade levar o show para o estúdio, e fez do palco uma extensão do álbum.

Nota: 8,5
Gravadora: Pure Noise

Crítica

Ouvimos: Lily Allen – “West End girl”

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Lily Allen renasce em West End Girl: pop confessional, moderno e afiado, transformando dores pessoais no melhor álbum dela em anos.

RESENHA: Lily Allen renasce em West End Girl: pop confessional, moderno e afiado, transformando dores pessoais no melhor álbum dela em anos.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: BMG
Lançamento: 24 de outubro de 2025.

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Muita gente anda dizendo que não esperava que Lily Allen, depois de tanto tempo (No shame, o disco anterior dela, saiu em 2018) voltasse com um álbum ótimo – e, de fato, as atenções do mercado fonográfico não estavam mesmo voltadas para ela. West End girl surgiu quase de surpresa no momento em que Lily se sentiu com coisas para falar, e mais do que tudo, segura consigo própria. O fim do casamento com o ator David Harbour, e os abusos e traições que ela viveu durante o relacionamento, são o suposto principal tema do disco (recentemente, a cantora deu uma disfarçada, falou que nem tudo é verdade e disse que West End girl foi “inspirado” em seu ex-casamento).

Lily sempre foi bastante confessional em relação a particularidades de sua vida, em músicas e entrevistas, mas dessa vez os fãs já vinham caçando detalhes de que algo estranho vinha rolando. Recentemente ressurgiu uma entrevista dada pelo ex-casal no tapete vermelho do prêmio teatral Oliviers Awards 2022: Lily foi indicada a melhor atriz por seu papel na peça 2:22 A ghost story e, no tal bate-papo, teve aturar o (então) marido fazendo uma piadinha cheia de ressentimento e inveja. Nas fotos do evento, ela parece bastante incomodada com tudo e sem a menor vontade de estar ali, pelo menos ao lado de Harbour.

  • Ouvimos: Blood Orange – Essex honey

Seja como for, o David Harbour (ou o que o valha) que é retratado em West End girl é um sujeitinho invejoso (na faixa-título), infiel (Just enough, Madeline e quase todo o disco), viciado em sexo (Pussy palace), escroto (em Nonmonogamummy ela fala algo sobre David ter exigido relacionamento aberto e que ela quisesse ter filhos com ele) e frequentador de redes sociais bem estranhas (4chan Stan, na qual Lily confessa que as bandeiras foram tantas que ela resolveu fuçar nas coisas do ex-marido e achou uma nota de compra suspeita). Allen também se diz cansada de ter que bancar a mãe de seus maridos e namorados (Fruityloop, de versos como “queria poder consertar todos os seus problemas / mas todos os seus problemas são seus para você consertar”).

Dallas Major, cantada na primeira pessoa, usa um truque típico de Madonna e Beyoncé – a criação de um alter-ego que, na real, é uma versão dela própria – e resume tudo em tristes constatações: “eu uso o nome artístico Dallas Major, mas esse não é meu nome verdadeiro / sabe, eu costumava ser bem famosa, isso foi há muito tempo atrás / sim, estou aqui em busca de reconhecimento e provavelmente devo explicar / como meu casamento se tornou aberto desde que meu marido me traiu”, canta, antes de mudar a perspectiva: “o nome dela é Dallas Major / ela morre de medo de fracassar / ela só está aqui em busca de validação”.

Musicalmente, West End girl é o melhor disco de Lily em bastante tempo, e tem algumas modernidades bem interessantes, como a bossa jazz pop da faixa-título, a agilidade sonora de Ruminating (com piano pop lembrando os hits de Joe Jackson), a blues ballad indie de Sleepwalking e o pop alternativo, com ares sessentistas, de Tennis. Madeline é um pop abolerado, quase um brega, que vai ganhando cara trap. Faixas como a celestial Pussy palace, 4chan Stan e Fruityloop (essa, lembrando a Lily do começo) deixam sempre a impressão de algo familiar – mas nunca repetido ou entediante.

Nonmonogamummy, mesmo com a letra relatando amarguras pessoas, é pop feliz e com ligeiro ar 60’s, evocando algo de Low rider, hit do War. Dallas Major é um r&b com cara quase disco, E ainda tem Let you w/in, pop adulto de piano, com andamento evocando Elton John e Paul McCartney. West End girl é o momento em que Lily percebe o tempo que perdeu tentando impressionar e conquistar gente estúpida – mas também musicalmente, é a “melhor versão” dela nos últimos tempos.

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Crítica

Ouvimos: Zécarlos Ribeiro – “(Todos os Homens)º = 1”

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Em (Todos os Homens)º = 1, Zécarlos Ribeiro une rock clássico, folk e deboche em disco variado que mistura poesia do cotidiano, crítica social e ecos de Erasmo, Zappa e Arrigo.

RESENHA: Em (Todos os Homens)º = 1, Zécarlos Ribeiro une rock clássico, folk e deboche em disco variado que mistura poesia do cotidiano, crítica social e ecos de Erasmo, Zappa e Arrigo.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: 7 de novembro de 2025
Lançamento: Independente

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Zécarlos Ribeiro é, ao lado de Luiz Tatit, o principal compositor da história do grupo Rumo, e um cara bom de narrar cenas – sempre com um olho na história, e outro no que pode estar acontecendo nas internas. Esse clima toma conta de seu segundo disco solo, (Todos os Homens)º = 1 (“todos os homens elevado a zero é igual a um”).

A curiosidade é que (Todos os Homens)º = 1 é basicamente um disco de rock, e de rock clássico, à maneira de Erasmo Carlos – o espírito do Tremendão baixa em faixas como o boogie Bando de loucos (que tem ótimo arranjo de metais), o rock acústico Vai pra cama descansar e o blues-rock titânico É do mal. Estica a trena abre com uma improvável cara industrial e depois vira um rock irônico e nostálgico. Arrigo Barnabé comparece em Minha cabeça, um eletro-rap-samba zoeiro, que tem algo de Sparks. E vibes lembrando Frank Zappa aparecem na faixa-título.

  • Ouvimos: UmQuarto – Fora de lugar

Zécarlos também embarca e tons folk e country em faixas como a sombria Deslumbre (com Ana Deriggi nos vocais), a abolerada e italianada Sonhe em pé (com Carlos Careqa), o roquinho mineiro Vem pra cá e a abolerada Volta pra mim, que lembra Rita Lee. Nas letras, Zécarlos põe poesia e história no trivial, sempre com deboche e protesto, como na insônia de Volta pra mim (“não consigo mais dormir de madrugada / meus pensamentos marcam reuniões inesperadas”) e o papo sobre amor e algoritmos de Bando de loucos.

Sonhe em pé conta histórias de italianos em São Paulo, enquanto Estica a trena fala sobre operários que dançam, no sentido literal e figurado – com direito à citação de Construção, de Chico Buarque, e suas lembranças de dias acidentados para o trabalhador brasileiro. Som e poesia do dia a dia.

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Crítica

Ouvimos: Bianca and The Velvets – “Reminder” (EP)

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Vinda de Belém, Bianca and The Velvets lança Reminder, EP com base em The Cure, e em estilos como grunge e pós-punk, com voz grave marcante e clima dramático.

RESENHA: Vinda de Belém, Bianca and The Velvets lança Reminder, EP com base em The Cure, e em estilos como grunge e pós-punk, com voz grave marcante e clima dramático.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Independente
Lançamento: 22 de outubro de 2025

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Punk e indie rock de Belém (PA): no EP Reminder, Bianca and The Velvets (Bianca Marinho, Marcel Barretto, Emmanuel Penna e Leonardo Chaves) unem referências que passam pelo pós-punk, pelo grunge e pelo som de bandas dos anos 2000 – tendo como detalhe especial a voz grave de Bianca, que muitas vezes soa parecida com a de Dean Wareham (do Luna, lembra?) e em outros momentos ganha uma vibe entre o sexy e o robótico.

  • Ouvimos: Flerte Flamingo – Dói ter

O EP Reminder abre chegando perto simultaneamente de The Cure e do garage rock, com a distorcida Knives – que abre com um “go on” idêntico ao de In between days, do Cure. Like on TV une Gang Of Four e trevas darkwave. Summertime river é o lado sixties do disco, na guitarra e na composição, e tem algo de slacker, de despojado, no arranjo.

As duas próximas faixas reúnem o lado dramático de Reminder. Said you loved me, then you’re gone é uma música sombria de piano e violão, com voz sussurrada, e um clima o mais folk-grunge possível. I was a giver é folk tocado na guitarra, com algo de Velvet Underground nos vocais e na execução. No excuses, indie rock que encerra o álbum, traz emanações de Pretenders e The Killers, simultaneamente.

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