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Crítica

Ouvimos: Car Seat Headrest, “The scholars”

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Ouvimos: Car Seat Headrest, “The scholars”

Existe um componente autobiográfico no novo disco do Car Seat Headrest, a ópera-rock The scholars. Will Toledo, o homem por trás do conceito do grupo, passou a ter vários problemas de saúde após pegar covid longa – se a falta de shows da pandemia já inviabilizava a banda, começou a ficar difícil para Will levantar da cama. O quarto álbum da banda, o experimental, eletrônico e sarcástico Making a door less open (2020), foi prejudicado pelo isolamento. Uma das armas que o CSH levou adiante nessa época foi um Patreon pelo qual liberava gravações inéditas e live sessions para assinantes.

Dando uma de psicólogo de botequim, dá até para imaginar que as experiências ruins vividas por ele nos últimos cinco anos levaram Will a se dedicar a uma ópera-rock com subtexto espiritualista (“uma narrativa solta de vida, morte e renascimento”), que passa por tags como religião, espiritismo, poderes de cura, vida queer, textos bíblicos e o dia a dia numa universidade fictícia (a Parnassus). Num papo com a Exclaim!, Will revelou que ter tido covid mudou bastante sua vida, e que o abalo em todas as suas estruturas foi inevitável – como se ter fé ou acreditar na ciência não demarcassem muito território daí para a frente.

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Essas experiências todas juntas rondam The scholars, um disco que funciona mais como um álbum conceitual do que como uma ópera-rock com começo, meio e fim – o próprio Will disse que preferiu valorizar canções do que manter tudo obedecendo a uma história completa. Os personagens do disco, alunos e professores da faculdade, vão aparecendo aos poucos, e assumindo diferentes papéis na história. Uma delas é Rosa, a personagem do single Gethsemane (de 11 minutos). Ela estuda medicina, tem poderes sobrenaturais e já trouxe um paciente morto de volta à vida. Um outro detalhe: pela primeira vez na história do Car Seat Headrest, todos os integrantes da banda contribuíram com ideias para as músicas – e todas as faixas são creditadas à banda.

The scholars não é um disco de conceito fácil. Aliás, vale dizer que nos últimos tempos o CSH tem conseguido fazer sucesso na salada de músicas curtas do Tik Tok, e mesmo assim o grupo não se animou a compor pensando na rede de vídeos. O que importa é que a banda se cercou de referências musicais brilhantes e entrega um disco que realmente é trilhado no corredor das óperas-rock, cabendo uma mistura pouco usual de Peter Gabriel e Hüsker Dü no punk com alma folk CCF (I’m gonna stay with you), por exemplo. Ou a mescla de acordes poderosos na linha do The Who e de grandiloquências na onda do Queen em Gethsemane.

O som do The scholars pende mais para o pós-punk do que para o progressivo. Em Devereaux, surgem ecos de The Cars e The Police, enquanto The catastrophe (Good luck with that, man) evoca uma energia de bardo punk à la New Model Army. Já Equals traz distorções que remetem a Iggy Pop e David Bowie. Com seus onze minutos, Reality se aproxima mais de uma canção longa do que de uma suíte cheia de movimentos. Ainda assim, é um caldeirão de referências: começa com um violão que remete a Wish you were here, do Pink Floyd, passa por um clima de balada indie-shoegaze à la Radiohead e termina com um arranjo de metais.

Um verdadeiro corpo estranho em The scholars é Planet desperation, faixa de 18 minutos que parece mais um storytelling musicado do que uma música propriamente dita — e que talvez funcionasse melhor dividida em duas ou três partes. A narrativa, mais presente que a música, fala da invasão de uma faculdade de palhaços ao campo da Parnassus, culminando no envenenamento de um dos reitores. É aquele tipo de momento criado para sinalizar que a história está se encaminhando para o desfecho, como The trial em The wall (Pink Floyd) ou We’re not gonna take it em Tommy (The Who) — e também um ponto de risco: se algo sai do trilho, tudo pode ruir. Não ruiu, mas são dezoito minutos irregulares, com passagens musicalmente interessantes (como a introdução com clima marcial) e outras que beiram o tédio.

The scholars encerra com um noise-rock 60’s, True/false lover, que tem algo de The Cars e algo dos Beatles de Taxman, e cuja letra (não vou contar o fim) mostra que havia algo de bem estranho e obscuro em toda a história do disco. Na real, nos dias de hoje, é até um alívio que um disco deixe mais dúvidas do que certezas – já que todas as certezas podem cair por terra, como rolou em 2020. E essa incerteza sempre foi o combustível do Car Seat Headrest.

Nota: 8,5
Gravadora: Matador Records
Lançamento: 2 de maio de 2025

Crítica

Ouvimos: Gaby Amarantos – “Rock doido”

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Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.

RESENHA: Disco-filme com 22 faixas em 36 minutos, Rock doido mostra Gaby Amarantos unindo tecnobrega, pop e festa em uma obra inventiva e multimídia.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 9
Gravadora: Deck
Lançamento: 29 de agosto de 2025

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Rock doido, o disco novo de Gaby Amarantos, tem um formato que lembra o de discos de bandas casca-grossa como D.R.I.: são 22 faixas curtíssimas em 36 minutos (!). Não é apenas um disco: tem ainda Rock doido, o filme, que traz todas as músicas do álbum filmadas com Gaby, convidados e sua turma, tudo em plano sequência, com o pessoal se movimentando em vários cenários subsequentes.

O disco funciona na medida que você esteja disponível para aprender uma nova forma de ouvir música: Rock doido é totalmente montado como se fosse uma festa, um DJ set, ou um passeio curto pelas festas de aparelhagem do Pará. Junto com a recente volta da Gang do Eletro (resenhada pela gente aqui), é quase um relato de como várias tendências musicais se uniram em momentos diferentes para gerar o tecnobrega e estilos afins.

Não é um disco feito para “tocar no rádio” e está mais para um suposto antecipador de tendências que, provavelmente, vão dar canal no rádio ou na TV em algum momento – a graça de Rock doido é justamente o lado multimídia dele, de ser um álbum que vira filme (está no YouTube na íntegra e pode, quem sabe, ser exibido na TV). A mistura de referências também chega à capa, que lembra tanto Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, quanto Dangerous, de Michael Jackson.

  • Ouvimos: Lambada da Serpente – Lambada da Serpente (EP)

Com tanta rotatividade, eleger uma música preferida fica até complicado – inclusive porque os beats e refrãos vão se seguindo bem rápido. Essa noite eu vou pro rock introduz a/o ouvinte no clima festeiro. Short beira cu, Te amo fudido (com Viviane Batidão), Tumbalatum (terror fake com a já citada Gang do Eletro), Dá-lhe sal e Viciada em seduzir apresentam expressões locais e o clima da noite paraense a quem ouve o disco bem distante do Pará. Bonito feio é uma das faixas que separam um pouco o “tecno” do brega no álbum.

No final, tem Deixa, um samba-reggae que parece meio deslocado no álbum – é a música menos “rock doido” da fornada, mas talvez seja a tal “música de rádio” do disco. Sem crise: Rock doido é um disco-filme que confirma Gaby Amarantos como uma das artistas mais inventivas do pop brasileiro.

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Crítica

Ouvimos: Big Special – “National average”

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Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria britânica com ironia, fúria e riffs venenosos.

RESENHA: Dance-punk ácido e sarcástico, National average faz o Big Special rir da miséria com ironia, fúria e riffs venenosos.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 10
Gravadora: SO Recordings / Silva Screen Records Ltd
Lançamento: 4 de julho de 2025

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Chega a escorrer veneno de National average, segundo álbum do Big Special, dupla britânica cujo clima basicamente é o da dança punk – às vezes soando como um EMF (lembra deles?) que entrou em órbita, ou como um desdobramento da receita doidona do selo Food, na virada dos anos 1980 para os 1990. Em vibe funky, Joe Hicklin e Callum Moloney falam dos problemas mais bizarros vividos pela população britânica nos dias de hoje.

Na real, nada que seja estranho até mesmo aqui no Brasil. A faixa God save the pony, tributo pago a Talking Heads e à turma de Madchester, inclui no mesmo saco hambúrgueres superfaturados, gentrificação, gente instagramável (“mal ganho o salário mínimo / e sou um clichê do rock and roll / e, para ser honesto / não consigo acreditar em quanto tempo isso já durou”) e um estado de letargia total, como se todo mundo já estivesse acostumado com isso – à Rolling Stone, a banda disse que se trata de um “boa noite e boa sorte para o peso que todos carregamos. Somos os cavalos cansados ​​arrastando uma carga pessoal e, muitas vezes, o peso de outra pessoa”.

Outras canções falam também da merdificação geral que todo mundo vai levando adiante na vida, como The mess (que soa como um Tom Waits alt-metal) e Hug a bastard – esta, um reggae preguiçoso transformado em indie rock, com cara de Beastie Boys, Beck e até de Gorillaz, iniciado com os versos “encontrar deus? / cara, não consigo achar minhas chaves”. Nada se comparado a Shop music, synth pop stoner que equivale a um soco na boca do estômago de quem acredita em virtudes no mundo fonográfico, em versos como “vamos vender suas merdas / (…) e depois de vender suas merdas, vamos vender outras merdas” e “não consigo identificar o monstro quando ele está bem vestido / é o seguinte: dinheiro fala, mas não canta”.

Esse clima de desesperança e ironia é a cara de National average, disco que também fala sobre merdas passadas de geração a geração em família (o blues zoeiro Pigs puddin), de choque com o mercado fonográfico “profissional” (Professionals, uma mescla de The Who e Viagra Boys, se é que é possível), e de como todo e qualquer emprego ou chefe é uma merda (Yesboss, rap-punk sem o menor cacoete de rapper, com voz praticamente falada).

O disco novo do Big Special chega a ser um projeto multimídia – no sentido de que você tem que prestar atenção nas letras, ler as entrevistas, saber qual é a da banda e acompanhar o que eles andam falando para ter uma fruição total do disco. Em letra e música, tudo em National average soa como uma sequência de porradas bem dadas. O Big Special revisita-parodia o blues a la Eric Clapton em Domestic bliss, uma espécie de canção sophisti-punk que revira ao contrário o mito de Sísifo para falar sobre depressão e máscaras do dia a dia. Tem ainda Judas song, dance-punk sobre traição e rancor, com guitarras pesadas e um clima “eletrônico” que faz lembrar o Ultravox – mas com bastante sujeira.

Em resumo: National average é daqueles discos que fazem você rir, pensar e se envenenar ao mesmo tempo — e ainda sair dançando no final.

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Ouvimos: Helado Negro – “The last sound on Earth” (EP)

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Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.

RESENHA: Inspirado no filme Wavelength (1967), Helado Negro cria em The last sound on Earth um EP existencial, espacial e cheio de ecos de solidão e esperança.

Texto: Ricardo Schott

Nota: 8,5
Gravadora: Big Dada
Lançamento: 7 de novembro de 2025

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Realizado em 1967 por um cineasta então ainda inexperiente (o canadense Michael Snow), o documentário Wavelength – disponível no YouTube – mostra várias experimentações com sons, imagens, situações e emoções. Foi esse filme que inspirou o músico norte-americano Roberto Carlos Lange, mais conhecido como Helado Negro, no conceito de seu novo EP, The last sound on Earth. Basicamente um disco que trabalha numa questão que muita gente jamais gostaria de imaginar: qual seria o último som ouvido imediatamente antes da morte?.

Na real, o EP de Helado Negro é mais uma experiência existencial do que apenas espiritual, falando também sobre solidão (More, cujo clipe traz emoções sendo representadas por um coração de origami) e política (Protector). Em todo caso, a música de The last sound é uma experiência transcendental, na qual cabem sons espaciais e futuristas, vocais quase fantasmagóricos e, em muitos casos, um clima meio “o Prince que veio do espaço”, como na dance music de More e na gélida e animada Don’t give up now.

  • Ouvimos: Stealing Sheep – GLO (Girl Life Online)

Em Sender receiver, tema psicodélico e eletrônico com frases e palavras soltas que formam uma mensagem sobre tecnologia, desigualdade e solidão (no estilo de Arnaldo Antunes e do Can: “crescendo sozinho / amigos fantasmas / eleve a esperança / diminutiva preocupação consigo mesmo”), surpresa: Helado canta de forma impostada, quase lembrando seu xará brasileiro Roberto Carlos. A “onda sonora” do doc que inspirou Helado ganha comentários musicais no jungle Protector (com clima lo-fi e derretido, como uma fita que se desfaz) e no instrumental Zenith, cuja espacialidade é dada pelos teclados.

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