Crítica
Ouvimos: Adorável Clichê, “Sonhos que nunca morrem”

- Sonhos que nunca morrem é o segundo álbum da banda catarinense Adorável Clichê, formada por Felipe Protski (guitarra, synth, vocal), Gabriel Geisler (baixo), Gabrielle Philippi (vocal, composição), Marlon Lopes da Silva (guitarra, vocal).
- O material foi todo gravado no quarto de Marlon, que é produtor do grupo. O primeiro álbum, O que existe dentro de mim, havia sido feito da mesma forma. “Tivemos vários contratempos no caminho, desde problemas pessoais até a pandemia. Nesse contexto, não havia outro cenário além de continuarmos produzindo em casa. Acredito que isso agrega um toque mais pessoal a todo o trabalho”, conta Marlon.
- A menina da capa do álbum é a vocalista Gabrielle, quando criança, tomando café antes de ir para a aula, num inverno. A foto foi tirada pelo pai dela.
O Adorável Clichê volta equilibrado entre os lados dream pop e shoegaze. São dois estilos musicais que conversam bastante entre si (e que quase sempre servem como sinônimos um do outro), mas que servem a musicalidades diferentes, dependendo de qual parede de som aguarda o ouvinte. Acordes esparsos, ecos e teclados surgem logo na abertura, com a curta Como era antes. Na sequência, Sonhos que nunca morrem vai revelando parentescos com o guitar rock, que vão surgindo ao longo de músicas como Devagar, Medo, Fogo, Amarga e, especialmente, As coisas mudam pra melhor. Tudo bastante equilibrado entre sons celestiais e peso, melancolia (muita) e intensidade sonora, com influências confessas de bandas como New Order (bastante perceptível) e DIIV.
As letras do disco, feitas “num fluxo de consciência emocional” (como a própria banda fala no texto de lançamento) vêm num clima reconhecível: várias delas parecem ter reflexos da pandemia e das mudanças – de vida, de relacionamentos, de projeto, de expectativas – que vieram nos último quatro anos, tempo que a banda levou para fazer o álbum. Como era antes é quase autoexplicativa (“eu não sei quando vou poder conversar/como era antes”). As coisas mudam pra melhor vem mais como desejo do que como afirmação (“eu nunca me senti tão só/tudo desaba ao meu redor”). Por acaso, boa parte do material do disco fala de embates entre desejos e vida adulta, e de afastamentos, para o bem ou para o mal. Amarga põe final numa história de relacionamento na qual uma das partes “só existe na depressão” da outra.
Sonhos que nunca morrem surge entre sinais do passado, expectativas e mudanças pessoais, e é um dos discos recentes que apontam para um futuro bem legal do rock brasileiro.
Nota: 8,5
Gravadora: Balaclava
Crítica
Ouvimos: Clara Bicho, “Cores da TV” (EP)

“Artista visual, musicista e jornalista pela UFMG”, como se define em seu instagram, Clara Bicho oferece mais do que apenas música em seu aguardado primeiro EP, Cores da TV – o disco é um universo esperando para ser desvendado. As melodias tem ar indie pop, as letras têm clima de diário, os cenários mostram Clara interagindo com todos os lugares dos quais ela fala nas letras.
A paleta indie pop do disco traz influências de disco music na faixa-título Cores da TV (parceria com Sophia Chablau), que traz sonoridade remetendo a grupos como Girl Ray, enquanto Meu quarto é mais experimental, soando como um passeio introspectivo pelos guardados de Clara Bicho e pelas recordações de uma vida (“faz um tempo ue eu tento me organizar / mas disso tudo aqui eu não quero me livrar”).
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Quase sempre, o som de Cores da TV parece “derreter”, como numa psicodelia pop, herdada tanto de Mutantes quanto de Flaming Lips. Rola isso na bossa indie Música do peixe, que depois se transforma numsamba-rock, e também no pop adulto oitentista (city pop, digamos) de A rua. Luzes da cidade, quase na mesma vibe, é um pop de quarto que remete ao boogie dos anos 1980, cujo vocal tem sujeira de gravação feita em casa.
No final, o som luminoso e repleto de recordações de Árvores do fundo do quintal, gravada ao lado da banda catarinense Exclusive Os Cabides (“as árvores do fundo do quintal / mandam lembranças / de quando a gente era criança”). Uma música, e um EP, em que passado e afeto são tão importantes quanto o futuro, e formam uma visão nova de música pop.
Nota: 9
Gravadora: Bolo de Rolo
Lançamento: 5 de maio de 2025.
Crítica
Ouvimos: Maré Tardia, “Sem diversão pra mim”

Lançada em 2022, a estreia epônima do Maré Tardia era um disco bastante juvenil, mais ligado a uma combinação de indie rock e surf music. Mas já indicava o caminho que a banda seguiria com Sem diversão pra mim, seu segundo álbum. O Maré Tardia atual soa mais explosivo, apresenta composições bem mais afiadas e parece ancorado em diversas fusões estilísticas que se alternam: punk dos anos 1970, indie dos anos 2000, pós-punk (tanto o original quanto o revisitado a partir da virada do milênio) e, em especial, sonoridades que remetem a bandas como Libertines e Television Personalities.
Essa mistura aparece em faixas como Leviatã, Já sei bem, Junkie food (com um clima surfístico-misterioso que lembra o início do Dead Kennedys) e na faixa-título – cujos vocais evocam a fase punk do Ultravox e, não por acaso (note o nome do disco), também têm algo de Titãs. Tarde demais traz vários riffs, vocais gritados, uma pegada grunge e, surpreendentemente, encerra com um clima de maracatu punk, com percussões marcantes e guitarras inspiradas. Uma inesperada brasilidade também marca Nunca mais, última do álbum, com batida discreta de bossa nova e um improviso samba-rock no final.
Ian Curtis, que homenageia o saudoso vocalista do Joy Division, tem guitarras que lembram o U2 do início e grupos pouco lembrados do pós-punk, como Comsat Angels. Já a despojada Nadavai, lançada como single, é punk indie com batidas à la Dave Grohl e um vocal descolado que remete ao rock dos anos 2000 (Arctic Monkeys, Strokes). Sem diversão pra mim, o disco, carrega por acaso muito do romantismo que permeou o rock brasileiro de vinte anos atrás – aquela estética de falar de si e dos sentimentos como quem comenta o mundo, firmando posição diante de tudo. Ouça correndo.
Nota: 8,5
Gravadora: Deck
Lançamento: 30 de abril de 2025.
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Crítica
Ouvimos: Y3ll, “Entre samples roubados & cerveja barata”

Direto do extremo leste de São Paulo – entre Guaianases e Cidade Tiradentes -, Daniel Oliveira, o popular Y3ll, soltou nas plataformas Entre samples roubados & cerveja barata, álbum de título certeiro e alma 100% urbana. Aqui, o rap vira quase city pop, mesmo nos momentos em que a estética japonesa não está diretamente presente. É trilha sonora de rolê pela cidade — real ou imaginária —, desses que começam na quebrada e terminam em algum lugar no controle remoto ou nas profundezas das plataformas de streaming.
A faixa Livre já dá o tom: sample do tema do programa do Datena no SBT misturado com Estou livre, de Tony Bizarro. Não se vão carrega peso e ironia: um rap encorpado por grooves de disco music e sonoridades de flashback, com Y3ll fazendo a pergunta que vale um milhão: “por que idiota falando bosta atrai multidão?”. Em Coral — que traz o título do disco num dos versos —, o clima muda: sambinha-rap suave, tranquiilo. Pela Leste, por outro lado, volta pro grave e dançante: batidão pesado, com sample até do programa do João Kléber.
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Os temas variam entre prazeres simples e duras realidades: sábado à noite, boletos, tretas, polícia, morte. Estão todos ali na sombria Dono do pedaço, com um riff de teclado de influência árabe, e no rap falado, lento e quase confessional de Não sei. Interlúdios dão o respiro: Comerciais simula um dial girando entre anúncios, Interlúdio traz papos paralelos, e Viva a vida é um velório vem com ninguém menos que Zeca Pagodinho filosofando sobre os enterros felizes no bairro carioca de Irajá.
No fim das contas, Entre samples roubados & cerveja barata é um disco-vinheta. Um mosaico sonoro da quebrada, da vida, da cidade — daqueles que não contam só uma história, mas várias ao mesmo tempo.
Nota: 8,5
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 9 de maio de 2025.
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