Cinema
Missão: matar! Quando Tarcisio Meira deu uma de 007

Qual é a desse Missão: matar! e o que Tarcisio Meira tem a ver com isso? Vamos lá: durante o comecinho dos anos 1970, o cinema brasileiro viveu uma fase rapidíssima em que, talvez por conta do clima nada amigável propiciado pela ditadura militar, qualquer diretor (ou produtor) queria lançar o James Bond brasileiro.
Na verdade, as coisas nunca eram bem assim: o universo dos agentes secretos muitas vezes acabava mesmo era confundido com o mundo perigosíssimo (e extremamente contextualizado no Brasil) dos matadores de aluguel. Ou mesmo ganhando contornos mais sacanas do que os filmes do agente 007 poderia sonhar. Rolou até um filme chamado O agente positivo, dirigido por Fabio Sabag e produzido por Jece Valadão, em que um agente chamado Ed Sexy brigava com bandidos que tentavam roubar informações do primeiro reator atômico nacional.
E em março de 1972 os sonhos da indústria cinematográfica nacional ganhavam outros contornos, já que era o mês de lançamento de Missão: matar! Era um filme “de espionagem” dirigido pelo ítalo-brasileiro Alberto Pieralisi e inspirado no romance Always kill a stranger, do escritor americano Robert L. Fish. O húngaro naturalizado brasileiro João Bethencourt trabalhou no roteiro e nos diálogos em português ao lado do próprio Robert. De novidade tinha ninguém menos que Tarcisio Meira, então um galã de novelas de 37 anos, interpretando o espião.
Em Missão: matar, Tarcísio fazia o inspetor José da Silva, criado pelo próprio Fish – e a ideia era investir numa espécie de franquia “da Silva”, que não foi para a frente. O inspetor ganhava a árdua missão de derrotar um matador profissional. O bandidão, cujo nome era Nácio Madeira Mendes (o ator Luís de Lima, pai do violonista Luís Filipe de Lima) queria assassinar um delegado argentino, Juan Dorcas (Rubens de Falco), que participava de uma convenção da Organização dos Estados Americanos no Rio.
José da Silva andava para lá e para cá com belas garotas, circulava pelo Rio num Puma vermelho, mas Fish negava que se tratasse de um James Bond à brasileira. “Ele não é um herói invencível, capaz de escapar do inimigo ‘voando’ graças a algum miraculoso aparelho recém-descoberto pela mais avançada tecnologia”, contava o autor a O Globo.
Se você está se perguntando de onde surgiu a ideia de um inspetor chamado José da Silva, tem mais informações para seu pobre coraçãozinho. Robert L. Fish realmente escreveu vários livros de uma série chamada The captain José da Silva mysteries, com histórias de espionagem que se passavam no interior do do Brasil – algumas delas, claro, na Amazônia. Entre os livros estão títulos como O fugitivo e A ponte que ia para lugar nenhum. Em livrarias on-line, dá para encontrar vários desses livros em inglês, até mesmo em edições Kindle.
“Mas como esse tal de Fish foi se interessar tanto assim pelo Brasil?”, você deve estar se perguntando. O textinho abaixo, publicado no Jornal do Brasil em 25 de maio de 1971, talvez responda suas perguntas. Fish, engenheiro de formação, tinha passado nove anos construindo fábricas no Rio e em SP, e “aprendeu português nas ruas de Nova Iguaçu, entre 1953 e 1957”. Fish, que ainda escreveria vários outros livros e textos para cinema, morreu nos EUA em 1981 aos 68 anos.
A reportagem do Globo diz que Fish já trabalhava na adaptação de seu livro The Xavier affair, da mesma série “da Silva” para o cinema, e que uma empresa chamada Taurus Filmes havia sido criada só para desenvolver a franquia. Aparentemente nada foi feito. No mesmo ano de 1972, em setembro, Tarcisio Meira já estava em cartaz com Independência ou morte, dirigido por Carlos Coimbra, no qual interpretava D. Pedro I.
Vale citar que pouca gente viu o nascimento do 007 nacional e MUITA gente se animou a pagar ingresso para ver Tarcísio interpretar o ex-imperador brasileiro. Missão: matar! teve circuito reduzidíssimo (o site da Cinemateca Brasileira diz apenas “exibido no Rio de Janeiro a 31.03.1972, no Veneza”). Já o outro filme estrelado pelo galã foi direto para o circuito nacional de cinema, numa época em que filmes de sucesso duravam até um ano em cartaz.
De qualquer jeito, Missão: matar!, até alguém tirar ele de lá, está no YouTube. Pega aí. De nada. 🙂
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Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
- Ouvimos: The Raveonettes – Sing…
- Ouvimos: Drop Nineteens – 1991
- Ouvimos: Drop Nineteens – Hard light
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
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