Livros
McGee & The Lost Hope inicia crowdfunding para turnê pela Costa Oeste dos EUA

Formada no ano passado por uma americana de Seattle (Mauren McGee) e um brasileiro (Bernd Barbosa), a banda McGee & The Lost Hope foi convidada para fazer uma turnê pela Costa Oeste dos Estados Unidos. O giro vai passar por 13 cidades, como Portland, São Francisco, Las Vegas, Los Angeles, Denver e Seattle. E para fazer essa turnê, a banda precisa da sua ajuda. Mauren e Bernd criaram um financiamento coletivo via Embolacha, com o objetivo de arrecadar R$ 20 mil em 50 dias. Olha aí.
Você pode colaborar com quantias que vão de R$ 10 a R$ 600, e as recompensas variam de postais autografados, camisetas, bonés, CD, até um jantar especial com show acústico na sua casa e artes – plásticas e visuais – produzidas pela própria Mauren.
“Precisaremos do apoio de todos que nos acompanham nessa jornada. Temos uma meta bastante ousada para cobrir os nossos gastos numa turnê internacional – e temos recompensas excelentes para quem estiver disposto a embarcar nessa jornada conosco!”, avisa McGee & the Lost Hope.
Abaixo, você confere o single Magick beings (lançado pela Abraxas Records) e o EP Sensitive woman (independente).
Crítica
Ouvimos: Kesha – . (Period)

RESENHA: Period marca a libertação de Kesha de Dr. Luke e resgata o pop debochado dos velhos tempos. Zoeira, libertação e hits prontos pro Tik Tok.
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Kesha passou a maior parte de sua carreira presa ao produtor Dr. Luke – que acusou de agressão sexual, e com o qual passou um bom tempo brigando nos tribunais, ainda que estivesse ligada a ele sob contrato. Um acordo entre os dois livrou a cantora de ter que lançar seus discos pelo selo de Luke, ainda que ele não fosse o único produtor dos álbuns, e este Period (cujo título, na verdade, é um ponto final) é o primeiro lançamento independente de Kesha, lançado por um selo com o nome dela.
O disco é um ponto final (não é só um título, enfim) numa história que deu muita dor de cabeça para a cantora – e que vazou para álbuns mal-humorados ou tristes, como High road (2020) e Gag order (2023). Na real, é igualmente uma volta ao passado: já que Lady Gaga descobriu que seus fãs preferem suas criações mais pop, Kesha não pensou duas vezes e retornou à falta de limites dos primeiros tempos.
A Kesha de Period nem é tão diferente da Charli XCX de Brat, pelo menos na nota zero em comportamento – o disco tem uma dance music em que ela admite que adora se envolver em relações perigosas (Red flag), uma new wave selvagem sobre fazer sexo com todo mundo (Boy crazy) e temas dance punk sobre diversão até o fim do mundo (Freedom e Joyride).
Tem também as dancinhas de Tik Tok de Glow, que fala de uma garota que mandou o namorado encostado passear, a tecladeira quase (eu disse quase) experimental de Delusional, e a dance music texturizada de Love forever – esta, uma canção meio breguinha em que ela diz que quer mesmo é um amor que dure pra sempre, e que soa até meio ingênua comparada ao todo do disco.
Dá pra fazer analogias entre Period e Brat mas para por aí: o disco de Kesha provavelmente não vai nem chegar perto de ser considerado o disco do ano, nem tem a pretensão de se tornar um manifesto pop – nem de longe. É mais zoeira e diversão do que arte, e basicamente é Kesha fazendo de tudo para mostrar que ela sempre foi a mesma pessoa, com e sem o tal do Dr. Luke ao lado.
De presente para os fãs, tem o pop de grito de torcida Yippee-ki-yay, o soft rock + tecnopop Too hard e o clima quase hispânico das palmas intermitentes de Trashman – música na qual Kesha fala grosso com quem merece: “eu não preciso de nenhum homem para me dizer como estou, como estou me sentindo / jogue suas opiniões no saco de lixo, canalha (…) /o patriarcado está tremendo, eu e as vadias não temos medo de você / não seja tão egocêntrico”.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Kesha Records
Lançamento: 8 de julho de 2025
Livros
Urgente!: A música de 1985 virou livro! (e eu tô nele)

E aí, por onde andava você em 1985?
Eu nasci em novembro de 1974 – daí passei quase o ano todo com a idade que completei em 1984 (dez anos), andando de bicicleta, ouvindo rádio, lendo revista em quadrinhos, tomando pau em matemática, detestando a escola e meio irritado porque ninguém tinha topado me levar no Rock In Rio. Foi um ano bem fervilhante: por mais que não desse para engolir aquela papagaiada de “Nova República”, havia um clima de novidade no ar.
Se politicamente o Brasil inteiro acabou ficando igual a cachorro que caiu do caminhão de mudança, culturalmente foi uma maravilha: uma repassada na lista de álbuns nacionais lançados em 1985 anima qualquer pessoa. Você poderia começar o ano indo a uma loja comprar a estreia da Legião Urbana (lançada no vácuo do Rock In Rio sem muito alarde, acredite) e se informar, inicialmente pela revista SomTrês, e a partir de agosto pela Bizz, sobre o que estava para chegar às prateleiras.
E era muita coisa: Língua de Trapo, Ira!, Garotos Podres, Nana Caymmi, Sergio Ricardo… Tudo bem que estamos falando de 1985 e (eu lembro bem) os gostos musicais eram bastante compartimentados. Os fãs de MPB, geralmente mais velhos, raramente compartilhavam o gosto musical dos filhos e sobrinhos adolescentes, que estavam mais ligados a uma outra sigla: RPM. Passados 40 anos, a impressão é que gigantes caminhavam sobre a Terra, mesmo evitando se cruzar. Detalhe: a música girava em torno de vinil e fita – e todo mundo reclamava dos LPs e sonhava com os CDs.
Se em 1985 você já tomava cerveja Malt 90, ou estava na quinta série, ou seus pais sequer haviam se conhecido, pouco importa – importa é que um dos anos mais variados da música popular brasileira vai virar livro. 1985 – O ano que repaginou a música brasileira, organizado por Célio Albuquerque, já está em pré-venda no site da editora Garota FM Books, criada pela jornalista-escritora-multitarefa Chris Fuscaldo.
São 85 textos sobre 85 discos da época, escritos por uma turma que inclui – olha só – até artistas falando sobre seus discos e os de seus colegas: Guilherme Arantes escreveu sobre seu clássico Despertar (o do sucesso Cheia de charme), Leoni analisou a estreia solo de Cazuza (a de Exagerado, por sinal uma música de Cazuza, Leoni e Ezequiel Neves), Leo Jaime dissecou seu próprio Sessão da tarde, Marcos Sabino lembrou as histórias de seu Simples situation. Luiz Thunderbird, músico, comunicador e VJ, escolheu falar de Mais podres do que nunca, dos Garotos Podres.
Uma turma enorme de jornalistas e escritores, claro, está lá para dissecar obras da época: Mauro Ferreira falou de Bem bom (Gal Costa), Lorena Calábria escreveu sobre O adeus de Fellini (Fellini), José Teles encarou Sanfoneiro macho (Luiz Gonzaga), Silvio Essinger pegou Como é bom ser punk (Língua de Trapo). Kamille Viola escreve sobre Criações e recriações (Martinho da Vila), Chris Fuscaldo vai de De gosto, de água e de amigos (Zé Ramalho), Marcelo Costa fala sobre o disco epônimo que Tim Maia lançou naquele ano (o do hit Leva), Carlos Eduardo Lima volta a Educação sentimental (Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens), Daniella Zupo lembrou o álbum de 1985 de Tunai (do hit Sintonia). A lista tá aqui (você compra o livro neste link também).
Eu estou no livro também, falando, de certa forma, sobre mim mesmo, já que Mudança de comportamento, estreia do Ira!, é um dos discos da minha vida, e foi o disco do qual escolhi falar no livro. Mas fique tranquilo/tranquila que me deixei de lado e falei apenas do disco, da banda, e das histórias de um dos grupos mais aguerridos do rock brasileiro.
Então, bora lá: 1985 chega às livrarias ainda no segundo semestre de 2025, a tempo de soprar as 40 velinhas do bolo. Só não vai dar pra cantar Envelheço na cidade, do Ira!, na hora do parabéns – porque aí só se rolar um livro para 1986…
Texto: Ricardo Schott – Foto: Capa do livro
Entrevista
Entrevista: José Emilio Rondeau detalha a produção do primeiro LP da Legião Urbana no livro “Será!”

Lembra daquele sininho que aparecia no refrão (e no final) da música Será, da Legião Urbana? Na verdade, não é um sininho – é um instrumento musical alemão chamado glockenspiel, formado por barras de metal, que dava aquele som cristalino. E o bendito glockenspiel gerou uma crise durante as gravações de Legião Urbana, a estreia epônima do grupo, no meio de 1984.
“Eles detestaram o instrumento!”, conta o jornalista José Emilio Rondeau, que produziu o álbum e teve a ideia de usar as chapinhas de metal porque elas apareciam com destaque em Born to run, sucesso de um de seus heróis, Bruce Springsteen – e o produtor, claro, acabou convencendo a banda. Essa e outras histórias sobre o debute de uma das maiores bandas da história do rock brasileiro, estão no livro Será! – Crises, genialidade e um som poderoso: os bastidores da gravação do primeiro disco da Legião Urbana contados por seu produtor (Ed. Máquina de Livros, 112 páginas, R$ 65 impresso e R$ 39 e-book).
No Rio, cidade que a banda brasiliense escolheu para morar, o livro ganha lançamento nesta quarta (4), às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema (Rua Visconde de Pirajá, 572), com uma esticada no dia 13 na Bienal do Livro. Rondeau falou ao Pop Fantasma sobre os bastidores do livro e também conversou com a gente sobre seu mais novo veículo de mídia – a newsletter Farol, que sai toda sexta-feira com um apanhado de notícias e descobertas do mundo pop e do cinema, sempre com um texto envolvente.
Texto e entrevista: Ricardo Schott – Foto destaque Mauricio Valladares/Divulgação
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Como foi voltar a essa época do primeiro disco da Legião Urbana e finalmente escrever um livro sobre? Na verdade é o seguinte: durante décadas desde a feitura do disco, eu falei com uma porrada de gente. Dei entrevistas, participei de documentários, programas de TV. Já vinha falando sobre esse período há muito tempo. Agora é diferente: marcou-se uma data redondíssima – os 40 anos do disco – e a ideia foi reunir uma história oral daquela gravação, daquele período de gestação, realização e lançamento do disco. É um período que representa uma transformação muito profunda na Legião. Eles deixam de ser uma banda punk raiz e viram um fenômeno pop – mesmo que não estivessem necessariamente buscando isso. E que o Renato fosse refratário à ideia de ser um sucesso pop.
Reuni um grupo de pessoas que estiveram ali durante a feitura do disco: os músicos, o técnico de som, o Mayrton Bahia (diretor de produção)… Fomos conversando separadamente com cada um e tentando buscar a lembrança que todos tinham daquele momento. Havia muitos pontos em que as memórias eram conflitantes. As pessoas não se lembravam exatamente do que tinha acontecido. Foi uma experiência de aprofundar a memória do período – e, para mim também, muita coisa já tinha se apagado.

A capa do livro (esq.) e o autor, José Emilio Rondeau
E foi bem legal ter trazido o Amaro Moço (técnico de som do disco) para as entrevistas do livro, até porque técnicos de som nem sempre são lembrados nessas horas… O Amaro Moço foi importantíssimo. O Bonfá fala no livro que o disco é resultado do trabalho de muita gente, e o Amaro é uma dessas pessoas. Ele aceitou o desafio de fazer esse disco sem ter experiência prévia com rock. Vinha de uma formação em samba, tinha feito discos pop – fez Rosana com Lincoln Olivetti, por exemplo. E ele mesmo dizia: “Grave é grave e agudo é agudo. Consigo gravar tudo que pintar na minha frente”. Ele teve muito cuidado técnico. Tinha sido recentemente promovido a técnico de som – antes era assistente. Eu, como fissuradinho pelo lado técnico de um disco, fico pensando nos outros fissuradinhos que têm no mundo, e que vão ler o livro.
A Legião tinha vindo de duas tentativas de gravar com produtores feras de estúdio, mas que não deram certo. Você acredita que era preciso de verdade um jornalista musical que entendesse a banda? Alguém que conhecesse as referências deles? Na verdade, tenho certeza de que havia um punhado de outros produtores que poderiam ter feito o disco. Dei a sorte de, na cara de pau, dizer: “Quero fazer isso”. Eu não saberia dizer se havia alguém além do Liminha, na época, que poderia entender a banda. Havia um rol de outros nomes que poderiam ter sido escolhidos. Pegaram dois craques de produção, que eram o Marcelo Sussekind e o Rick Ferreira. Mas não havia um encontro de sensibilidades. Não havia harmonia, não havia concordância, aquela coisa do “ah, entendi o que você falou desse disco, desse músico, sei pra onde sua cabeça tá indo”.
Acho que minha sorte foi ter sido o cara que bateu na porta naquela época. Certamente, poderia ter vindo outro nome. Tinha a minha falta de perícia como produtor em termos técnicos, de saber tocar um instrumento… Mas eu fui mais na intuição, no gosto musical, na experiência de tudo que eu já tinha ouvido ao longo daqueles anos. Eu era muito próximo deles. A gente tinha ouvido muita coisa em comum, embora eu tivesse ouvido um pouco mais — era um pouquinho mais velho, já tinha dado algumas voltas a mais. A gente teve uma proximidade muito grande, apesar de haver, em alguns momentos, uma discordância de caminhos: vai por aqui, vai por ali. No final, ficou uma coisa extremamente coesa. Forte pra caramba. Até hoje me emociona ouvir o disco, especialmente Será.
Será tinha o diferencial do glockenspiel, que chamava muita atenção para a faixa. E a banda não gostou inicialmente da ideia de usá-lo, certo? Foi a coisa mais maluca do mundo, porque enfiei na música uma obsessão minha, que era Bruce Springsteen. Sempre fui muito fã dele. E eu só consegui verbalizar isso agora: eu via Será como Born to run, que tinha o glockenspiel. As duas representavam uma coisa dramática, heroica, desafiadora. Algo como: vamos à luta, vamos conseguir vencer (risos).
O glockenspiel foi uma coisa que, inicialmente, eles detestaram. Lembrei disso reouvindo a música 50 mil vezes pra lembrar (risos). Mas no fim das contas, o Renato, sem que fosse pedido, fez muito mais com o glockenspiel do que o planejado. Inicialmente eram 3 ou 4 notas no refrão, mas no final da música ele sai improvisando. E ficou do cacete. Ele entrou naquela onda e entendeu.

Renato Russo ao piano no estúdio da EMI-Odeon durante a gravação (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)
Você falou que reouviu o disco 50 mil vezes e eu ia realmente te perguntar quantas vezes você escutou o disco para fazer o livro… Desde o ano passado, quando comecei a escrever o livro até agora, ouvi toda hora. Descobri coisas que já tinha esquecido. Coisas que me agradavam menos passaram a me agradar mais, e vice-versa. Mas tem sempre aquela faixa à qual eu volto, que é Será. Eu me surpreendi muito com a capacidade do Renato na segunda voz. Aquilo me arrepiou. Não foi discutido antes, não foi planejado. Ele gravou de primeira, de surpresa. Foi uma interpretação espetacular.
Você falou que deu sorte por ter tido cara de pau de se oferecer para produzir a Legião. Por acaso, a Legião deu uma baita sorte do Mayrton Bahia ter resolvido conversar com a banda, quando ela estava querendo sair da gravadora. Como você vê esses golpes de sorte na vida da banda? Aliás, você acha que sorte é importante na vida de um artista? A sorte acaba sendo um elemento na vida de qualquer pessoa. A gente planeja uma coisa, mas sempre acontece algo que muda a trajetória, que oferece uma possibilidade inesperada. Se não tivesse visto aquela conversa, o Mayrton nunca iria saber o que houve. O Renato Russo poderia não ter cortado os pulsos e o Renato Rocha (baixista) não teria entrado (ele só entrou para a banda por causa desse incidente com Russo, como está no livro). Eles poderiam ter continuado gravando com o Marcelo Sussekind ou o Rick Ferreira na produção, e teria saído outra coisa.
Mas cada um deles, o Mayrton também, estava com a vida girando em torno da feitura desse disco. Todo mundo se empenhou pra que ele ficasse pronto e fosse o melhor disco possível. O primeiro álbum da Legião não é um disco punk. Não é só de rock, ou de pop. É tudo isso ao mesmo tempo. Pra mim, representa justamente o início da transformação da Legião. O que ela ia ser no disco seguinte já começa a se esboçar aqui. A faixa que abre o Legião Urbana Dois (que é Daniel na cova dos leões) é uma sequência natural do segundo lado do primeiro disco. Uma música originalmente instrumental, que nasceu da feitura do primeiro disco e dá continuidade ao processo inicial.
O processo de gravação do primeiro disco da Legião, pelo que dá para ver no livro, mudou a maneira como a EMI via a banda. Você acredita que o primeiro disco mudou a maneira como se gravava rock no Brasil, e a maneira como se via o rock no Brasil? Bom, certamente houve uma mudança de visão muito forte ali, em relação a tudo que viria a acontecer na produção de discos de rock no Brasil, aliás no ecossistema do rock e do pop do Brasil.
Mas não foi a única coisa: esse disco saiu logo depois do Rock in Rio, que foi uma bomba transformadora no habitat do rock e do pop no Brasil. Uma coisa foi se encadeando à outra, tudo foi se somando. Se o disco da Legião tivesse saído sozinho, talvez não causasse a mesma pressão, o mesmo impacto. E o disco custou a pegar. Ele sai depois do Rock In Rio. Quando pegou, foi bem à beça, pegou de alto a baixo o país todo, todo mundo foi tomando conhecimento… Mas tem esse espaço de tempo em que ele demorou.
Aliás, o primeiro disco da Legião não saiu só depois do Rock In Rio, ele saiu depois do Carnaval! Houve uma ressaca do Rock in Rio e do carnaval. Demorou até que acontecesse alguma coisa. Fiquei preocupado: será que não rolou? Mas chegou uma hora que… rolou.
O João Barone me disse que a impressão que os Paralamas do Sucesso tinham dos estúdios da EMI-Odeon é que aquilo parecia uma repartição pública da Alemanha Oriental. Como era lidar com o Zoltan Merky (diretor técnico dos tempos da Odeon, que aparece creditado em discos como o Clube da esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, como Z.J. Merky), extremamente rigoroso com todos os processos? Ah, o Zoltan não ia muito ao estúdio… O Amaro e o Nivaldo (Duarte, técnico de som experiente da gravadora) iam checar com ele pra ver se tava tudo certo. E eu acredito que a gente já tenha fugido bastante dos padrões. A faixa Petróleo do futuro teria sido vetada se tivesse sido ouvida por aquele padrão técnico da época, o Zoltan iria ter sipitucas se tivesse ouvido aquilo (risos).
Havia uma sonoridade muito específica nos discos da EMI-Odeon naquele momento – Dalto, Vinicius Cantuária, 14 Bis. Uma sonoridade bem mais linear, tudo muito limpo e bem produzido. O disco da Legião, comparado a isso, é mais solto. Os Paralamas também sempre tiveram uma sonoridade super enxuta, mesmo que a partir de determinado momento fosse outra coisa. Era pop, mas era um pop bem amarrado.
E justamente Petróleo é bem definidora, por causa daquela abertura que parece que não vai começar nada na música… e aí começa. Um troço meio Ramones. Isso. Foi muito gratificante. Ter esse arco bem claro, bem forte, bem marcante. A Legião vem daí. Isso é Legião, aliás isso e todas essas outras coisas. É tanto Petróleo do futuro, essa ferocidade, essa orgia de microfonia, quanto o romantismo de Por enquanto, no final.

Marcelo Nova (de óculos escuros) visita as gravações do primeiro da Legião, em 1984. Rondeau está entre ele e Bonfá (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)
Antes de produzir a Legião você produziu o primeiro disco do Camisa de Vênus. Como foi essa produção? Quando eu era do Jornal do Brasil, o Marcelo Nova era radialista em Salvador, na rádio Aratu. A gente se conheceu indo pra São Paulo em 1981, no ônibus da EMI, pra ver o show do Queen no Morumbi. Ele contou que tava montando uma banda chamada Camisa de Vênus, e houve uma continuidade depois disso, ficamos amigos. Um dia ele falou: “Rolou o Camisa. Tá a fim de produzir?” Eu falei “vamos nessa!”, mas minha experiência era zero. Aliás minha experiência era assistir a gravações de outros artistas, mas sem interesse em saber o que estava sendo feito ali. Fomos na cara e na coragem.
Fomos pro estúdio da RCA em São Paulo, e ficamos lá alguns dias. Foi uma farra. Eles tinham aquele som, que já era o som deles, era ultra punk, amador mesmo. Mas tinha muita verdade, muito senso de humor. Foram dias ótimos. Eu tava no Fantástico, acho, e pedi umas férias pra fazer esse disco. Era pra me divertir, até porque nem ganhei nada fazendo o disco! Foi tudo de graça.
Eu achei bem inesperado o Marcelo Nova ir ao estúdio visitar a Legião na gravação do disco – ele, que é um eterno crítico de tudo que é feito no rock nacional… Você se lembra como foi essa visita? Aliás como se davam as visitas dos artistas ao estúdio? Olha, só me lembro da visita por causa da foto. Não sei como se deu isso. Mas era uma época em que a gente era muito amigo, o Marcelo Nova estava no Rio, o convidei e ele foi. O Guilherme Isnard (Zero), que foi lá, conhecia eles de São Paulo. O Herbert Vianna foi lá com Paula Toller, e ele tinha indicado a Legião para a EMI. A Fernanda, esposa do Dado, conhecia todo mundo, facilitava. O rock em São Paulo já tinha uma conexão com a Legião. O Lulu Santos também passou pelo estúdio, mas ele tinha ido na verdade à gravadora, não sei por que cargas d’água ele foi lá. Ele pegou o baixo (do Renato Rocha) e saiu fazendo uns solos alucinantes, deixou todo mundo de boca aberta…
Até hoje há quem critique o jeito do Marcelo Bonfá tocar. Você acredita que o tempo vai fazer justiça a ele? Bom, o Bonfá, como está no disco, compõe o som da Legião. Ele é o som da Legião. Assim como os outros integrantes, o Renato Russo. Tem erros, tem momentos melhores e piores, tem erros inclusive meus ali. Mas o que tá no disco é exatamente a cara da Legião.
E como está sendo fazer a newsletter Farol? Tem sido muito gratificante, é um exercício diário de jornalismo. Eu trabalho nela todos os dias. É ótimo ver a reação das pessoas, voltar às minhas raízes, contar pra todo mundo o que eu ouvi, minhas histórias. É um público fiel, que tá crescendo cada vez mais – não é nada gigantesco, mas pra mim é perfeito. É um grupo muito bacana. A ideia original na verdade era fazer uma plataforma maior com outros predicados, porque eu queria fazer uma espécie de agregador de notícias.

Gravando! Renato e Dado no estúdio (Foto: Mauricio Valladares/Divulgação)
A Catherine Valentine, chefe de política da Substack (plataforma de newsletters), acredita que as que as eleições de 2026 e 2028 vão ser decididas justamente por causa do Substack. Políticos já têm newsletters lá, empresas de mídia como a BBC e a Billboard também têm. Como você vê isso? Bom, quem trabalha para um político vai sempre tentar usar qualquer ferramenta existente a favor de seu candidato – e contra o candidato oponente. Então não é uma surpresa. Eu não gostaria que isso acontecesse, mas sempre que existir um pedacinho de papel, se alguém puder colocar nele uma mensagem de um político… vai acontecer exatamente isso. Por outro lado, sempre vai haver pessoas excelentes fazendo newsletters excelentes, que vale a pena você assinar. O uso safado das plataformas sempre vai existir.
Você permaneceu tendo contato com a Legião depois do disco? Sim, eu fiz o clipe da música Tempo perdido. Foi a última vez em que trabalhamos juntos, porque logo depois do primeiro álbum eu já estava super enterrado na (revista) Bizz, que era um trabalho que me tomava muito tempo. Eu já estava fazendo toda a movimentação para ir para os Estados Unidos. Também produzi o primeiro álbum dos Picassos Falsos (1987). Quando fiz o clipe de Tempo perdido reencontrei os quatro depois de muito tempo. Lembro que o Negrete (apelido pelo qual Renato Rocha era conhecido na época), na gravação, até me disse “Rondeau, olha eu aqui! Não sou mais aquele punk rasgado não, tô bem vestido!”.
Eu parei de seguir os discos da Legião depois de um determinado ponto. O Que país é esse (1987) foi o último que ouvi com muita atenção. O fato de ficar longe do país me distanciou um pouco, não tinha internet, você ficava recebendo as coisas aos poucos. Mas a Legião virou outra coisa, outro tipo de som, bem diferente do que eu ouvia antes.
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