Cultura Pop
MC5, e os 48 anos do single “Kick out the jams”

2017 tem várias efemérides ligadas a 1967 e 1977, mas tem uma data não-redonda que não pode passar em branco: em março de 1969, há 48 anos, saía o single de “Kick out the jams”, do MC5, pioneiro grupo proto-punk de Detroit que fez um barulhão com o compacto e com o LP de mesmo nome – este, lançado um mês antes pela Elektra.
O MC5 – Rob Tyner nos vocais, Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith nas guitarras, Michael Davis no baixo e Dennis Thompson na bateria – fazia uma bizarra cópula entre psicodelia, rock dos anos 50, soul, gospel (graças aos vocais de barítono de Tyner) e até jazz (John Coltrane, Miles Davis e Sun Ra estavam entre suas preferências). Também mexiam com a mesma receita de blues eletrificado do Led Zeppelin, mas chegando a resultados completamente diferentes – é só ouvir “Motor City is burning”, de “Kick out the jams”, sobre os conflitos raciais nas ruas de Detroit, que deixaram um enorme rastro de destruição dois anos antes. Só por isso, dá para ter uma ideia de como o MC5 estava desalinhado com o clima paz-e-amor da época.
Para aumentar o clima caótico, o grupo, no começo de carreira, era empresariado pelo escritor, poeta e hippie radical John Sinclair. Sinclair tinha uma comuna de arte, música e estudos sobre uso medicinal da maconha, a Trans-Love Energies, e passou a usar a empresa para cuidar dos negócios do MC5. Sinclair era também fundador do White Panther Party, partido antirracista e socialista com agenda análoga à dos Black Panthers. Acabou entrando para a história do rock como o homenageado de John Lennon na canção “John Sinclair”, de 1972 – o ex-beatle compôs a música como protesto contra a prisão de Sinclair por tráfico de maconha, ocorrida após o empresário ter oferecido um baseado a um policial disfarçado. Quando o ativista Abbie Hoffman tentou invadir o show do The Who no Festival de Woodstock (e foi expulso do palco pelo guitarrista Pete Townshend), sua intenção era discursar em prol de Sinclair.
A ligação do MC5 com Sinclair não duraria muito, já que o empresário não tinha dinheiro para investir na banda (o caixa do quinteto ia quase todo para a Trans-Love e acabava se confundindo com o dos White Panthers) e logo depois seria preso. Deu tempo o suficiente para o produtor do selo Elektra, Danny Fields, descobrir o MC5 e contratá-los e para a banda lançar “Kick out the jams” (algo como “botem tudo para fora!”), um LP que abria com uma pregação de dois minutos exortando os jovens a “decidirem se querem ser parte da solução ou parte do problema” e com uma faixa-título que iniciava com “kick out the jams, motherfuckers!”. Olha o disco aí.
A Elektra deixou passar essa, mas no single, para o qual esperavam boa saída nas rádios, mandaram o vocalista Rob Tyner trocar a frase por “kick out the jams, brothers and sisters!”
Apesar da boa vontade e dos esforços da Elektra, a relação da banda com a gravadora não duraria nem um ano. Além de não vender muitos discos e de atrair um público bem estranho para seus shows (entre eles os encrenqueiros do Up Against The Wall Motherfuckers, grupo revolucionário de extrema-esquerda), o MC5 tinha resolvido protestar contra a Hudson’s, cadeia de lojas de departamentos que baniu “Kick out the jams” de sua seção de discos: publicou um anúncio numa revista underground chamada “Fifth State” com a frase “fuck Hudson’s”. Só que incluíram o selo da Elektra no anúncio. Foram demitidos por telefone pelo presidente Jac Holzman.
O grupo acabaria contratado pela Atlantic, empresariado pelo jornalista que fez a primeira grande matéria com a banda na Rolling Stone – era Jon Landau, que anos depois seria descobridor e empresário de Bruce Springsteen. Jon manteve o conceito radical do MC5 mas fez uma limpeza geral no circo em torno da banda. O grupo passou a chegar de limusine nos shows e a focar mais no som do que na atitude. Na sequência, lançaram seu pior disco, “Back in the USA” (1970) e um álbum até bem melhor que “Kick out the jams”, o essencial “High time” (1971). A primeira fase da banda acabaria aí, mas apesar das mortes de Rob Tyner (em 1988) e de Fred “Sonic” Smith (em 1994, deixando viúva a cantora Patti Smith), o grupo teria vários retornos. Em 2005, viriam a São Paulo fazer um show no festival Campari Rock, tendo como vocalista convidado Mark Arm, do Mudhoney. O Showlivre, na época, bateu um papo com eles. Olha aí.
Aos trancos e barrancos, o MC5 deixou um enorme legado para o rock e tem pelo menos um grande hino revolucionário, que é justamente “Kick out the jams”, gravada por meio mundo após 1969. Olha aí o Pearl Jam, com Mark Arm e Steve Turner (também do Mudhoney), relembrando a música em 2005, no Brasil.
Óbvio que o Rage Against The Machine fez também sua versão da música.
O Presidents Of The USA, banda de Seattle que fez sucesso nos anos 1990 (lembra de “Lump?) fez uma versão bem bacana.
Kramer ao lado de outro nomão proto-punk, os Pink Fairies, tocando a canção em 1979.
Jeff Buckley e o amigo Brother Angry Dave, ambos aparentemente bastante chapados, fazem uma versão da música em 1995.
https://www.youtube.com/watch?v=8VG6ETTwgDQ
A releitura do grupo australiano de stoner rock Mammoth Mammoth, ao vivo (som e imagem ruins).
O grupo de garagem novaiorquino The Fuzztones convida o cantor do Cult, Ian Astbury, e faz uma releitura bem fiel ao original.
O trio austrialiano Silverchair também costumava tocar a música.
O grupo sueco Hellacopters fez sua releitura.
Voltado para uma excelente mescla de psicodelia, hard rock e power pop, o Blue Oyster Cult gravou a canção, mas meteu um “brothers and sisters” no lugar do “motherfuckers”.
O grupo americano de stoner rock Monster Magnet, ao vivo, em 1998, com “Kick out the jams”.
E de brinde, pega aí o MC5 esticando a música para mais de oito minutos, num programa de TV. Imperdível e emocionante. Boa semana a todos.
Cultura Pop
Urgente!: O silêncio que Bruce Springsteen não quebrou

Tá aí o que muita gente queria: Bruce Springsteen vai lançar uma caixa com sete álbuns “perdidos”, nunca lançados oficialmente. O box vai se chamar Tracks II: The lost albums (é a continuidade de Tracks, caixa de 4 CDs lançada em 1998) e nasceu de uma limpeza que Bruce fez nos seus arquivos durante a pandemia. Pelo que se sabe até agora, o material inclui sobras das sessões de Born in the USA (1984) e gravações da fase eletrônica dele, no comecinho dos anos 1990 – inclusive um disco inteiro desse período, que nunca viu a luz do dia.
Essa notícia caiu nos sites na semana passada e trouxe de volta um detalhe que os fãs de Bruce já conhecem bem: ele tem muito material inédito guardado – e material bom. Em uma entrevista à Variety em 2017, ele mesmo comentou que sabia ter feito mais discos do que os que lançou, mas que havia motivos sérios para manter alguns deles nas gavetas.
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“Por que não lançamos esses discos? Não achei que fossem essenciais. Posso ter achado que eram bons, posso ter me divertido fazendo, e lançamos muitas dessas músicas em coleções de arquivo ao longo dos anos. Mas, durante toda a minha vida profissional, senti que liberava o que era essencial naquele momento. E, em troca, recebi uma definição muito precisa de quem eu era, o que eu queria fazer, sobre o que estava cantando”, disse na época (o link do papo tá aqui – é uma entrevista longa e bem legal).
Com o tempo, vários desses registros acabaram saindo em boxes e coletâneas. Um deles foi The ties that bind, um disco de pegada punk-power pop que seria lançado no Natal de 1979 – e que acabou virando uma espécie de esboço inicial do disco duplo The river, de 1980. Pelo menos saiu uma caixa em 2015 chamada The ties that bind: The River collection, com todo o material dessa época, inclusive o tal disco descartado (além de um material que formava quase um suposto disco de punk + power pop que teria sido abandonado).
Um texto publicado na newsletter do músico Giancarlo Rufatto recorda que Bruce infelizmente deixou de fora do novo box alguns álbuns que realmente mereciam ver a luz do dia. Um deles é um álbum solo (sem a E Street Band, enfim), com uma sonoridade country ’n soul, que foi gravado em 1981. Esse disco teria sido abandonado durante um período de depressão, que resultou em isolamento e na elaboração do disco cru Nebraska (1982), feito em casa com um gravador de quatro canais, só voz e violão.
Bruce até parece fazer referência a esse álbum perdido na entrevista da Variety. “Esse disco é influenciado pela música pop da Califórnia dos anos 70”, contou. “Glen Campbell, Jimmy Webb, Burt Bacharach, esse tipo de som. Não sei se as pessoas vão ouvir essas influências, mas era isso que eu tinha em mente. Isso me deu uma base pra criar, uma inspiração pra escrever. E também é um disco de cantor e compositor. Ele se conecta aos meus discos solo em termos de composição, mais Tunnel of love e Devils and dust, mas não é como eles. São apenas personagens diferentes vivendo suas vidas.”
Outro material bastante esperado pelos fãs – e que também não está na caixa – é o Electric Nebraska, a tentativa de Bruce de gravar com a E Street Band as músicas que acabaram no Nebraska. Nem ele, nem o empresário Jon Landau, nem os co-produtores Steven Van Zandt e Chuck Plotkin gostaram do resultado, e as gravações foram trancadas a sete chaves. Nem em bootlegs esse material apareceu até hoje. Pra você ter ideia, Glory days, que só sairia no Born in the USA (1984), chegou a ser ensaiada e gravada junto.
Quase todo mundo próximo a Bruce acredita que ele nunca vai lançar oficialmente essas gravações elétricas do Nebraska. Max Weinberg, baterista da E Street Band desde 1974 (com algumas pausas), confirmou a existência desse material em 2010, numa entrevista à Rolling Stone, e disse que adoraria ver tudo lançado.
“A E Street Band realmente gravou todo o Nebraska, e foi matador. Era tudo muito pesado. Por melhor que fosse, não era o que Bruce queria lançar. Existe um álbum completo do Nebraska, todas essas músicas estão prontas em algum lugar”, revelou. Bruce pode até guardar discos inteiros na gaveta, mas esse é um daqueles casos em que o silêncio guarda várias histórias – que podem render surpresas bem legais.
E ese aí é o lyric video de Rain in the river, uma das faixas programadas para Tracks II (a faixa sai num disco montado durante a elaboração do box, Perfect world).
Cultura Pop
Urgente!: Supergrass, Spielberg e um atalho recusado

Coisas que você descobre por acaso: numa conversa de WhatsApp com o amigo DJ Renato Lima, fiquei sabendo que, nos anos 1990, Steven Spielberg teve uma ideia bem louca. Ele queria reviver o espírito dos Monkees – não com uma nova versão da banda, como uma turma havia tentado sem sucesso nos anos 1980, mas com uma nova série de TV inspirada neles. E os escolhidos para isso? O Supergrass.
O trio britânico, que fez sucesso a reboque do britpop, estava em alta em 1995, quando lançou seu primeiro álbum, I should coco. Hits como Alright grudavam na mente, os vídeos eram cheios de energia, e Gaz Coombes, o vocalista, tinha cara de quem poderia muito bem ser um monkee da sua geração. Spielberg ouviu a banda por intermédio dos filhos, gostou e fez o convite.
Os ingleses foram até a Universal Studios para uma reunião com o diretor – com direito a recepção no rancho dele e papo sobre fase bem antigas da série televisiva Além da imaginação. O papo sobre a série, diz Coombes, foi proposital, porque a banda sacou logo onde aquilo poderia dar. “Talvez eu estivesse tentando antecipar a abordagem cafona que seria sugerida, tipo a banda morando junta como os Monkees”, contou Coombes à Louder, que publicou um texto sobre o assunto.
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A proposta era tentadora. Mas eles disseram não. “Foi lisonjeiro e muito legal, mas ficou óbvio para nós que não queríamos pegar esse atalho”, explicou o vocalista, afirmando ter pensado que aquilo poderia significar o fim do grupo. “Você pode acabar morrendo em um quarto de hotel ou algo assim, ou então a produção quer apenas um de nós para a próxima temporada. Foi muito engraçado, respeitosamente muito engraçado”.
O tempo passou. E agora, em 2025, I should coco completa 30 anos (mas já?). O Supergrass, que se separou no fim dos anos 2000, voltou para tocar o disco na íntegra e alguns hits em festivais como Glastonbury e Ilha de Wight.
Aqui, o trio no Glastonbury de 2022.
Foro: Keira Vallejo/Wikipedia
Crítica
Ouvimos: Lady Gaga, “Mayhem”

Tudo que é mais difícil de explicar, é mais complicado de entender – mesmo que as intenções sejam as melhores possíveis e haja um verniz cultural-intelectual robusto por trás. Isso vale até para desfiles de escolas de samba, quando a agremiação mais armada de referências bacanas e pesquisas exaustivas não vence, e ninguém entende o que aconteceu.
Carnaval, injustiças e polêmicas à parte, o novo Mayhem foi prometido desde o início como um retorno à fase “grêmio recreativo” de Lady Gaga. E sim, ele entrega o que promete: Gaga revisita sua era inicial, piscando para os fãs das antigas, trazendo clima de sortilégio no refrão do single Abracadabra (que remete ao começo do icônico hit Bad romance), e mergulhando de cabeça em synthpop, house music, boogie, ítalo-disco, pós-disco, rock, punk (por que não?) e outros estilos. Todas essas coisas juntas formam a Lady Gaga de 2025.
Algo vinha se perdendo ou sendo deixado de lado na carreira de Lady Gaga há algum tempo, e algo que sempre foi essencial nela: a capacidade de usar sua música e sua persona para comentar o próprio pop. David Bowie fazia isso o tempo todo – e ele, que praticamente paira como um santo padroeiro sobre Mayhem, é uma influência evidente em Vanish into you, uma das faixas que melhor representam o disco. Aqui, Gaga entrega dance music com alma roqueira, um baixo irresistível e um batidão que evoca tanto a fase noventista de Bowie quanto o synthpop dos anos 1980.
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Mais coisas foram sendo deixadas de lado na carreira dela que… Bom, sao coisas quase tão difíceis de explicar quanto as razões que levaram Gaga a criar um álbum considerado “difícil” como Artpop (2013), enquanto simultaneamente mergulhava no jazz com Tony Bennett e preparava-se para abraçar o soft rock no formidável Joanne (2016), um disco autorreferente que talvez tenha deixado os fãs da primeira fase perdidos. Em outro tempo, Madonna parecia autorizada a mudar como quisesse, mas quando Gaga fazia o mesmo, deixava no ar notas de desencontro e confusionismo. O pop mudou, as décadas passaram, o público mudou – e todas as certezas evaporaram.
É nesse cenário que Mayhem equilibra as coisas, entregando um pop dançante, consciente e orgulhoso de sua essência, mas ao mesmo tempo sombrio e marginal. Há momentos de caos organizado, como em Disease e Perfect celebrity – esta última começa soando como Nine Inch Nails, mas, se você mexer daqui e dali, pode até enxergar um nu-metal na estrutura. Killah traz uma eletrônica suja, um refrão meio soul, meio rock que caberia num disco do Aerosmith, enquanto Zombieboy aposta no pós-disco punk, evocando terror e êxtase na pista (por acaso, Gaga chegou a dizer que o disco tem influências de Radiohead, e confirmou o NiN como referência).
Na reta final, o álbum se aventura por outros terrenos: How bad do U want me e Don’t call tonight flertam com o pop dinamarquês dos anos 90 (e são, por sinal, as únicas faixas pouco inspiradas do disco); The beast tem cara de trilha sonora de comercial de cerveja; e Lovedrug mergulha na indefectível tendência soft rock que surge hoje em dia em dez entre dez discos pop. Essa faixa soa como um híbrido entre Fleetwood Mac e Roxette – como se Gaga estivesse pensando também na programação das rádios adultas de 2035.
O desfecho de Mayhem chega como um presente para o ouvinte: Blade of grass é uma balada melancólica de violão e piano, que ecoa tanto a tristeza folk dos anos 70 quanto a melancolia do ABBA, crescendo em inquietação à medida que avança. E então, como quem perde um pouco o tom, o álbum termina com… Die with a smile, a já conhecida balada country-soul gravada em parceria com Bruno Mars, lançada há tempos como single. Dentro do contexto do disco, ela soa mais como um apêndice do que como um encerramento – uma nota de rodapé onde se esperava um ponto final. Nada que chegue a atrapalhar a certeza de que Lady Gaga conseguiu, mais do que retornar ao passado, unir quase todos os seus fãs em Mayhem.
Nota: 8,5
Gravadora: Interscope
Lançamento: 7 de março de 2025.
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