Cinema
Lisztomania: música clássica, ereções (!) e coisas bem estranhas numa biopic

Hoje em dia a preocupação é a tal da biopic do Elvis Presley, que tem provocado discussões por aí afora sobre se aquilo é realmente legal ou não. Teve uma época, no entanto – e Elvis ainda estava até vivo – em que a discussão foi sobre outro personagem que havia ganhado uma biopic. Em 1975, o compositor e pianista húngaro Franz Liszt (1811-1886) ganhou seu filme, er, biográfico. Lisztomania foi dirigido pelo polêmico diretor Ken Russell e até hoje divide opiniões. Tem quem o ache uma excelente fantasia triunfal sobre a história do compositor clássico que muitas pessoas definem como “o primeiro astro pop”, mas muita gente acha aquilo uma enorme bagunça cinematográfica.
Lisztomania (com Roger Daltrey, do Who, no papel principal, você talvez saiba) não surgiu do nada. Russell, conhecido pelo estilo extravagante de filmar, tinha assinado contrato com uma empresa para produzir filmes sobre compositores. Da lista toda, só saiu Mahler, sobre o compositor Gustav Mahler, lançado em 1974. Apesar da ideia inicial de Russell ter sido convidar Mick Jagger para fazer o papel, ele tinha acabado de fazer a versão cinematográfica da ópera-rock Tommy com Daltrey no papel inicial. Daí não foi surpresa pra ninguém que o vocalista do Who acabasse sendo escolhido para o papel. O cantor passa o tempo todo usando vestimentas exóticas, como a roupa decorada com teclas de piano, e ao contrário de Tommy, teve falas. Além de cenas que exigiam mais de seu talento dramático.
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Daltrey estava bastante animado com o papel, como disse até mesmo ao New York Times. O vocalista do Who costumava chamar Franz de Franz Lust (Franz Tesão) “porque as mulheres eram doidas por ele”, e comparava o pianista clássico com Mick Jagger e Tom Jones. Não era uma ideia tirada do nada: o termo “lisztomania” já era antigo e se referia ao furor que o compositor supostamente causava no público feminino, que ficava (dizem) gritando durante os concertos do músico e arrancava tufos do cabelo dele após as apresentações. “Russell só me disse: seja você mesmo e deixe o resto por minha conta”, disse Daltrey, mostrando que foi liberado para agir como popstar durante a filmagem.
Russell entendeu a “mania por Liszt” como algo que tinha a ver com as plateias de rock. E (mais ainda) entendeu que isso tudo aí poderia ser transportado para o universo do rock progressivo, que ainda tinha bastante público na época. Tanto que (olha logo quem!) Rick Wakeman, então um ex-Yes que fazia bastante sucesso com shows orquestrais e discos de uma música de cada lado, aparece no filme como Thor, o deus do trovão, e escreveu a trilha sonora. O comecinho dos anos 1970 viveu também uma febrícula de musicais “jovens”, o que ajudou bastante nisso.
Entre trancos e barrancos, mortos e feridos, o filme foi passando por algumas encrencas profissionais. Para começar, o produtor David Puttnam se assustava com o fato de Lisztomania mal ter um roteiro – Russell tinha escrito pouco mais de 50 páginas, ao que consta, e recusara o script feito pelo produtor.
Essa zoeira não escapou das vistas de quem assistiu o filme: a crítica se dividiu e parte dos jornalistas achou tudo maravilhoso, outros detestaram e alguns assistiram Lisztomania achando aquilo tudo muito engraçado e meio ridículo. E meio pornô, já que há piadas com sexo e ereções: tem até um salão enorme decorado com vários pênis gigantes, além de uma cena com Daltrey lá pelos quarenta minutos de filme que só vendo pra crer. O cantor, no auge da forma, aparece se engraçando com várias mulheres. Escândalo para 1975: tem até um selinho entre duas atrizes.
O filme tratava praticamente o tempo todo do lado mulherengo do compositor. Mas tinha também sua briga com o compositor clássico Richard Wagner – retratado praticamente como um protonazista, já que até suásticas aparecem em alguns momentos do filme. A filha de Liszt acabou se casando com Wagner (fato real, já que ela inspirou até obras do compositor, como Parsifal), mas no filme ela participa de rituais satânicos com o marido. Wagner é um vampirão meio esquisito que morde Liszt, e depois é exorcizado por ele a pedido do Papa – que por sinal é interpretado por Ringo Starr (!).
O papo sobre Lisztomania rendeu e rende até hoje – aliás, vários sites já fizeram o trocadilho “listomania” (ai) para fazer listas de melhores do ano. Em 2013 o jornal The Guardian publicou um texto que perguntava se a produção de Russell era “o filme histórico mais embaraçoso já feito”, e listava vários momentos que, na visão do periódico, eram horrendos. Se você quiser tirar a prova, o archive.org tem o filme à disposição – infelizmente sem legendas. Curte aí.
Cinema
Ouvimos: Raveonettes – “PE’AHI II”

RESENHA: Os Raveonettes mergulham de vez no lo-fi e shoegaze em PE’AHI II, disco que soa mais próximo de uma transição do que de uma realização.
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Raveonettes, aquela dupla que misturava distorções a la Jesus and Mary Chain, clima melodioso herdado dos anos 1950 e estética do filme Juventude transviada, lembra? Pois bem, eles guiaram o timão de vez para gêneros como shoegaze e lo-fi. Não é algo estranho ao som deles, vale falar. Climas “serra elétrica” sempre tiveram lugar nos discos de Sune Rose Wagner e Sharin Foo. PE’AHI II, novo disco, é a continuação de PE’AHI, disco de 2014 que já promovia suas invasões nessas áreas. Sem falar que 2016 atomized – disco anterior de inéditas da banda, 2017 – surfava essa onda.
Só que o Raveonettes de 2025 chega a soar experimental, mesmo quando abre o novo disco com uma balada nostálgica e melancólica, Strange. E na sequência, o ruído programado de Blackest soa como uma curiosa mescla de blackgaze e pop de câmara. Já Killer é uma nuvem de microfonias que lembra bandas como Drop Nineteens, só que com mais cuidado na melodia.
Entre as outras curiosidades do disco, estão o noise rock programado de Dissonant, a viagem sonora e distorcida de Sunday school e a onda sonora de microfonia (alternada com toques dream pop) de Ulrikke. O resultado final deixa um ar de EP, de mixtape, mais do que de um álbum completo e realizado dos Raveonettes. Ainda que PE’AHI II tenha momentos ótimos, soa mais como uma transição para o que vem por aí.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: Beat Dies Records
Lançamento: 25 de abril de 2025
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
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Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
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